A China está a investir na cooperação legal com o continente africano, na esperança de criar uma voz conjunta mais audível no plano internacional, sobretudo em fóruns tipicamente dominados pelo Ocidente.
Em outubro de 1971, quando a República Popular da China batalhava com Taiwan pela entrada nas Nações Unidas, Mao Tzé Tung ganhou com a preciosa ajuda africana. 26 países do continente votaram pela China na Assembleia Geral da ONU, num ato histórico de solidariedade legal e diplomática. Quatro décadas depois, a China tenta reforçar essa relação legal com um objetivo diferente e de longo-prazo.
Desde 1999, quando o governo chinês lançou a sua política «Going Global», o comércio com África aumentou exponencialmente. Em 2000, os negócios entre Pequim e o continente valiam, estimava-se, 10 mil milhões de dólares; em 2012, o valor estava já nos 200 mil milhões. E, este ano, deverá ultrapassar os 300 mil milhões. Ao mesmo tempo, de acordo com o Standard Bank, o investimento chinês em África deverá alcançar os 50 mil milhões de dólares este ano, num aumento de 70% relativamente a 2009.
Tudo aponta para que esta tendência se mantenha, mas, tal como sublinha Ruth Lumbongo Mbambi, advogada sénior de investigação no Supremo Tribunal da Zâmbia, economias mais próximas também significam laços legais mais apertados. «Onde há comércio, as disputas são inevitáveis», diz. No seu trabalho, em Lusaka, Mbambi depara-se com frequência com casos que envolvem falhas nos contratos, violações das leis laborais e dos direitos humanos e até crimes de outra ordem que envolvem empresas chinesas. E explica: «Faz parte dos melhores interesses da China e dos países africanos ter um conhecimento amplo das leis e dos costumes de ambos. Isto potenciará mais relações comerciais, e permitirá uma resolução justa de eventuais disputas, bem como um possível reforço das decisões judiciais tomadas no futuro».
Tanto as autoridades africanas como as chinesas têm noção da necessidade de uma maior colaboração e de um entendimento mais profundo. Em 2000, a China e os países africanos estabeleceram o Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), para uma maior cooperação. Em 2009, os ministros do FOCAC reuniram-se no Egito e concordaram quanto a criar e a manter um fórum legal. O primeiro decorreu logo nesse ano, no Cairo, e discutiu o papel das leis na cooperação bilateral, o impacto dos sistemas legais no comércio bilateral e no investimento e ainda a formulação de um mecanismo de resolução de disputas.
A China tem, além disso, sido proativa de outras formas, e estabeleceu diversos departamentos dedicados às leis africanas. A Universidade de Xiangtan, por exemplo, tem um Centro de Pesquisa para as Leis e a Sociedade Africanas. E o Comité Central do Partido Comunista Chinês, o órgão mais elevado do partido, supervisionou a criação de um escritório de pesquisa sobre o sistema legal africano e de um instituto de investigação na mesma área. Mais recentemente, em 2014, foi lançado o Projeto de Intercâmbio entre Profissionais das Leis China-África, iniciado pela Sociedade de Direito da China. Este é um programa anual, que dura um mês e através do qual se reúnem em Pequim profissionais e estudantes africano da área do Direito. Nessa ocasião, são formados em leis chinesas.
A lei nas mãos de África
Apesar de haver uma longa história de cooperação legal entre a China e África, que começou na Conferência África-Ásia, em Bandung, na Indonésia, em 1955, muitos defendem que hoje é mais importante que nunca promover um bom entendimento legal bilateral.
Da perspetiva de África, as leis do continente são há muito dominadas pela Europa. Primeiro, durante o colonialismo; mas muitas leis ficaram como eram depois das independências. Mas há quem considere que estão desadequadas relativamente às necessidades do continente, pedindo-se assim reformas do sistema legal. E há quem sugira que aprender a partir da aproximação com a China pode ser proveitoso.
«A China inspirou-se em muito nas leis comuns e civis do Ocidente, só que conseguiu não as copiar mas sim adaptá-las às suas próprias características», diz Madeline Kimei, fundadora da Resolution Experts, uma empresa especializada na mediação e na resolução de conflitos com sede em Dar es Salaam. Este em Pequim este ano para participar no já referido projeto de intercâmbio e regressou a casa sentindo as influências do sistema legal chinês. «É realmente triste para os países africanos que copiam o mundo ocidental, negligenciando a preservação das culturas africanas. Esta é uma mudança que eu espero fazer no regresso ao meu país.»
Um dos objetivos da China na sua cooperação legal com África passa por recordar o continente do passado colonial que ambos partilham, para assim se erguerem juntos, fazendo soar uma voz mais audível nos negócios estrangeiros e nos fóruns internacionais, tentando assim fazer frente ao domínio ocidental. Fonte: Aqui