sábado, 14 de maio de 2016

PROFESSOR ALIMO TURÉ “MESSIAS” DE GUILEDJI, TROCA A VIDA PELA EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS

A secção de Guiledji, a semelhança de outros cantos do país, depara-se com o problema da situação do ensino, sobretudo no que concerne a falta dos professores. Guiledji é uma secção que faz parte do sector de Bedanda, região de Tombali, no sul do país.
De acordo com os dados, a secção é composta de 108 aldeias e uma população estimada em mais de 20 mil habitantes. Guiledji dispõe de uma escola com quatro salas, onde são administradas aulas da 1ª à 4ª classe à cerca de 230 alunos inscritos nos diferentes níveis.
A escola conta igualmente com o apoio de uma Organização Não Governamental Brasileira – Cristã Campos Irmãos, que construiu outra escola do ensino básico do pré-escolar à 4ª classe, com três salas de aulas, para 20 alunos cada. A escola tem três professores e funciona em dois turnos, de manhã e a tarde.

A vila de Guiledji é conhecida na história da Luta de Libertação Nacional como uma das localidades onde se registou um dos combates mais ferrozes (Operação Amílcar Cabral), entre a guerrilha do PAIGC e as forças coloniais, em 1973, depois da morte de Amílcar Cabral.
Uma repórter do semanário “O Democrata” deslocou-se recentemente áquela zona do sul, e constatou as dificuldades que a secção enfrenta, em particular no sector do ensino, que se relaciona com a falta de professores. Há 42 anos, os pais e avós das crianças daquela secção deram a vida pela libertação da Guiné-Bissau, sobretudo para que os seus filhos hoje tivessem uma boa educação e saúde. Mas infelizmente o sonho acabaria por morrer no dia em que as tropas coloniais deixaram a vila de Guiledji, segundo testemunho do professor Mário Alimo Turé.
Apesar das dificuldades constatadas, em particular no sector do ensino, a nossa repórter conseguiu descobrir o trabalho de patriotismo levado a cabo pelo professor Mário Alimo Turé que, devido a falta de docentes, tomou a iniciativa de leccionar os 230 alunos de diferentes níveis, apenas num único período.

PROFESSOR ALIMO ENSINA 230 ALUNOS DE DIFERENTES NÍVEIS NUMA ÚNICA SALA

O professor Mário Alimo Turé, que se encontra já na casa de 50 anos de idade, é tido pelos pais e encarregados de educação das crianças como um “Messias”, por ter se dedicado à luta contra o analfabetismo. Não obstante ter avançado com o seu processo de reforma devido à sua idade e, sobretudo, aos problemas de saúde que enfrenta, o professor insiste todos os dias no seu combate contra o analfabetismo.

Os 230 alunos da escola têm como o único professor, Mário Alimo Turé, que tomou a iniciativa de juntá-los numa única sala para os ensinar de manhã até as 12 horas e 30 minutos.

Mário Alimo Turé explicou a nossa repórter que lecciona há mais de 40 (quarenta) anos, em diferentes tabancas e sectores. A secção de Guiledji é o último local para o onde foi transferido. Lamentou a situação de saúde que enfrenta, e sustentou que para já não dispõe de mais energia e forças como nos tempos passados, por isso decidiu juntar os alunos numa única sala.

“Sei que a pedagogia não permite, mas nesta situação sou obrigado a trabalhar desta forma. Se eu não fizer desta forma, grande número de crianças ficarão de fora ou perderão o ano. Por isso, tomei a iniciativa de agrupá-los numa sala. Dou aulas de manhã e a tarde faço outros trabalhos para ajudar na sobrevivência da minha família”, esclareceu o professor, que entretanto, aproveitou o microfone da repórter para pedir ao ministério da Educação que assuma a sua responsabilidade e coloque professores nas diferentes partes do país, como também que cumpra as suas obrigações para com os professores e não os abandone na mata.

“NÃO ADERI À GREVE, PORQUE OS ALUNOS ABANDONARIAM A ESCOLA E PARTIRIAM ATRÁS DE CAJÚ”


O professor informou que decidiu não aderir à greve convocada pelo sindicato, porque os alunos poderão aproveitar a situação para abandonarem às aulas e partir para a campanha da castanha de cajú, e os pais e encarregados da educação poderão perder o controlo dos próprios filhos.

“Sabemos que o ensino é muito fraco e há pouca vontade das pessoas de frequentar as aulas, particularmente neste período da castanha. Se pararmos mais do que uma semana, não haverá mais aulas, nem os pais conseguirão mandar os filhos de volta às aulas. Por isso convoquei uma reunião com os pais e encarregados da educação na qual pedi-lhes que assumam o pagamento da escola dos seus filhos, num valor simbólico que acordamos para que as aulas não paralisassem. Compreenderam e decidiram pagar”, contou o docente.

Acrescentou ainda que uma das razões que levaram os pais a concordar com a proposta que apresentou é que entenderam o esforço que faz para ensinar os seus filhos, porque muitos professores recusaram ir trabalhar alí, mas ele aceitou e ficou, apesar de todas as dificuldades.

“Todos os esforços que fazem não podem cobrir as necessidades das crianças que
estão ansiosas por receber um ensino de qualidade, por isso há toda uma necessidade de as autoridades repensarem o sistema do ensino do país e que o mesmo seja de verdade a prioridade do Governo. Isso não pode ser, é impossível, um único professor a leccionar numa escola do ensino básico a tantas crianças. Isso apenas pode acontecer na Guiné-Bissau”, notou.

Relativamente à situação de falta do centro de saúde, Alimo Turé assegurou que, tendo em conta o número de habitantes que a secção possui, seria necessário que haja, ao menos, um posto de saúde com condições para prestar primeiros socorros e ajudar no tratamento das crianças e mulheres.

Aproveitou a ocasião para realçar a iniciativa da organização brasileira que envia dentistas àquela secção para tratar as pessoas. Explicou que pediram a organização no sentido de alargar a iniciativa de tratamento para outras áreas, ou seja, levar médicos ou técnicos de saúde para dar consultas às pessoas.

Mário Alimo Turé criticou igualmente os deputados eleitos por aquele círculo, que segundo ele, nada fazem para tirar as população do sofrimento.

“Haverá outras eleições na Guiné-Bissau, mas tenho dúvidas se vai aparecer algum deputado nesta zona para pedir o voto à população. Se algum deles aparecer, é porque aquela pessoa de certeza irá concorrer como independente, mas não em nome de um determinado partido. Todos os partidos fizeram muitas promessas, mas até hoje não cumpriram nadinha. É chegada a hora de as pessoas repensarem este país, a fim de procurar e corrigir as falhas, evitando assim o pior no futuro”, advertiu o professor que visivelmente ficou irritado com a situação de abandono em que se encontra a secção de Guiledji.

ONG BRASILEIRA ACODE POPULARES DE GUILEDJI ESQUECIDOS PELAS AUTORIDADES GUINEENSES


Na conversa mantida com os populares, a repórter acabou por descobrir uma iniciativa levada a cabo pela Organização Não Governamental Brasileira – Cristã Campos Irmãos, que construiu uma escola de nível do ensino básico denominada “Escola Cristã Campos Irmãos”, que lecciona de jardim à 4ª classe.

A iniciativa da organização brasileira visa minimizar o sofrimento dos populares de Guiledji, bem como ajudar na luta contra o analfabetismo. Escola tem três professores e funciona em dois turnos, ou melhor, de manhã e à tarde.

Wilbon Domingos Bloté, o responsável da escola, explicou durante a entrevista que a construção da escola visa ajudar as crianças a apreenderem a ler e a escrever.

“O responsável da organização tinha visitado a Guiledji e constatou as dificuldades com que a vila deparava, sobretudo a situação do ensino público. Foi a razão pela qual tomou a iniciativa de abrir uma nova escola e contratar professores e proporcionar um ensino de qualidade às crianças”, contou.

Sobre a forma de cobrança de propina escolar, Wilbon assegurou que a escola cobra as crianças de jardim o montante de 250 Francos CFA, enquanto as crianças de 1ª e 2ª classe pagam 500 francos cfa, 3ª classe 750 francos cfa e os alunos de nível da 4ª classe, pagam 1000 francos cfa.

No entender do professor, há uma necessidade de as autoridades demostrarem interesse em construir uma escola com a capacidade para albergar mais alunos, como também de colocar professores à altura para ensinar as crianças. Sustentou que a secção de Guiledji precisa ter uma boa escola, com professores disponíveis para contar a história da contribuição dos seus pais e avós para a libertação do quartel ocupado pelas forças portuguesas aos alunos.

“As mães estão a sofrer vendo os seus filhos a crescer sem ter um ensino de qualidade, porque a maioria dos jovens da secção não têm base, por causa do mau funcionamento das aulas na escola pública e optaram simplesmente por não a frequentar, alegando que é perda de tempo”, lamentou o docente.

Entretanto, a repórter interpelou uma rapariga de 13 anos de idade, Alimato Djaló, que estuda a segunda classe na nova escola brasileira. Djaló explicou na entrevista, que o

“atraso no funcionamento da escola pública fez-lhe atrasar-se muito, e que nessa altura poderia estar a estudar a 4ª classe e não a 2ª”.

Lamentou no entanto, a forma como os pais e encarregados da educação marginalizam as raparigas a favor dos rapazes, porque inscrevem os rapazes na escola e deixam as raparigas para cuidar ou ajudar no trabalho doméstico em casa.

“Nesta zona, já com a idade que tenho, a chance de continuar a escola é muito pequena, porque os pais pensam logo dar-me em casamento, querendo ou não, dado que para eles a menina já nesta idade deve casar-se”, notou.

Por: Aissato Só