Os líderes dos partidos políticos da oposição foram unânimes em defender o diálogo no seio dos responsáveis das instituições da República, como fórmula para ultrapassar a crise político-parlamentar que se regista no país, mas divergem quanto a propriedade do programa “Terra Ranka”, que o partido libertador, o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), alega ser sua propriedade intelectual e o actual executivo entende que o referido programa é uma propriedade intelectual do Estado da Guiné-Bissau.
A crise que vigora no país agudizou-se mais com a questão da propriedade do programa “Terra Ranka” que o PAIGC alega ser sua propriedade intelectual, razão pela qual o actual executivo não pode adoptá-lo como um instrumento estratégico de desenvolvimento. Por seu lado, o governo liderado por Baciro Djá sustenta que o programa é propriedade intelectual do Estado da Guiné-Bissau e, por isso, pode apropriar-se do mesmo e executá-lo.
Sobre o assunto, “O Democrata” deu voz aos líderes dos partidos políticos, no sentido de se pronunciarem sobre a situação do agendamento e consequente discussão do programa do governo no parlamento, bem como a questão da propriedade do programa “Terra Ranka”, que é razão principal do não agendamento do mesmo na sessão para o seu debate na ANP.
Trata do líder do Partido Republicano para a Independência e Desenvolvimento, António Afonso Té e do presidente do Partido Social Democrata, António Samba Baldé. Ambos defendem o diálogo como a saída para a crise político parlamentar que se regista, mas divergem quanto à propriedade do programa “Terra Ranka”.
Para o líder dos republicanos, António Afonso Té, o programa “Terra Ranka” é propriedade dos guineenses, portanto “não importa que tenha sido elaborado pelo PAIGC ou que tenha sido elaborado por JOMAV, como o caso de “Mon Na Lama”. Ao terem sido adoptados, transformam-se em propriedade dos guineenses”.
O presidente dos sociais-democratas assegura, por sua vez, que politicamente o programa “Terra Ranka” é uma propriedade intelectual do PAIGC, mas esclarece ainda que juridicamente nenhum programa de governação é propriedade de um partido, seja, ele vencedor, coligado ou participativo.
LÍDER DO PRID: PROGRAMA ‘TERRA RANKA’ É UMA PROPRIEDADE DOS GUINEENSES
O líder do Partido Republicano para a Independência e Desenvolvimento, António Afonso Té, afirmou durante a entrevista que a crise institucional que se instalou no país desde o ano passado passou por várias fases, tendo acrescentado que a actual situação que se regista é uma das fases da referida crise institucional.
Explicou neste particular que o que se regista no momento é o problema de visões acabou por criar um choque entre os protagonistas das diferentes estratégias (Terra Ranka e Mon na Lama). No entender do líder dos republicanos, toda essa situação poderia ser sanada com uma atitude de abertura e de diálogo franco que permitiria que fossem encontrados pontos de convergência ou de complementaridade das duas visões, transformando-as numa única visão ou num único programa estratégico para o alívio da população da Guiné-Bissau.
“As duas visões apontam a direcção da solução dos problemas de pobreza extrema no nosso país. Estas duas visões devem ser postas a funcionar de forma a que o país tire um beneficio da complementaridade ou então, da fusão das duas”, notou o político.
Em relação a divergência que se regista sobre a propriedade do programa “Terra Ranka”, Afonso Té, defendeu que o “programa é propriedade dos guineenses, e que não importa que tenha sido elaborado pelo PAIGC ou que tenha sido elaborado por JOMAV, como o caso de “Mon na Lama”. Uma vez adoptados, transformam-se em propriedade dos guineenses”.
“Terra Ranka” é para quê? É para mexer com o governo da Guiné-Bissau. No entanto, é um programa que se apresenta para um governo da Guiné-Bissau. Um governo da Guiné-Bissau não é um governo de um partido. A partir de momento em que o partido exerce o poder, deixa de ser seu programa. Estas duas visões, ou seja, a visão de JOMAV e mais a do Domingos, são complementares, se houver vontade para se sentarem à mesa para se chegar a um acordo”, explicou.
O líder do PRID lembrou ainda que a crise política que assola o país e que acabou por apresentar-se claramente para toda a população da Guiné-Bissau em 2015 começou a dar sinais logo depois das eleições de 2014, com a queda do primeiro executivo dos libertadores dirigido pelo Eng. Domingos Simões Pereira.
“Depois registou-se a queda do primeiro governo de Baciro Djá, no seguimento da decisão do Supremo Tribunal de Justiça. Deu-se um “salto” que acabou por colocar outro governo do PAIGC no poder, sob a liderança do Eng. Carlos Correia. Mas também este não conseguiu fazer passar o seu projecto a nível do parlamento e por consequência, viria a cair. Tudo isso viu-se até a queda de executivo de Carlos Correia e depois, tendo-se passado para uma situação da engenharia parlamentar até se formar o actual o governo dirigido por Baciro Djá ”, espelhou.
Relativamente a situação de impasse que se regista no agendamento da sessão parlamentar para o debate do programa do governo, Afonso Té assegurou que já era de prever, tendo em conta a situação da crise político-parlamentar verificada no passado recente.
Interrogado que se no seu entender dos republicanos o parlamento deveria agendar a sessão para o debate do Programa do Governo, respondeu que o parlamento deve e tem que agendar a sessão parlamentar para permitir que o executivo apresente o seu programa de governação.
Solicitado a pronunciar-se se a responsabilidade do não agendamento da sessão para apresentação do Programa do Governo recai sobre o parlamento, Afonso Té disse que a responsabilidade é de todos os atores da actual crise político- parlamentar.
Questionado sobre quem são os responsáveis da actual crise política parlamentar, explicou que os responsáveis são os mesmos. Segundo ele, são o PAIGC, o Presidente da República José Mário Vaz e os partidos políticos envolvidos.
“A responsabilidade do Presidente da República é convencer as pessoas a negociarem. A responsabilidade do PAIGC é ir às negociações e apresentar as suas propostas, se não concordar com as propostas apresentadas pelos outros, mas nunca resvalar-se para a guerra. Todos eles são responsáveis neste processo e cada um tem a sua banda”, observou.
Afonso Té lamentou neste particular a posição assumida pelo parlamento que, em sua opinião ainda deveria servir de mediador e promover sempre a procura de uma solução.
Sobre o “lugar ou a bancada” que os deputados dissidentes do PAIGC “vulgo Grupo dos 15” deveriam ocupar no hemiciclo, o que mais uma vez voltou a criar desentendimentos entre os membros da Comissão Permanente, Afonso Té disse que “todas as instituições do Estado envolvidas na crise político parlamentar (Primatura, Presidência da República e Supremo Tribunal de Justiça) tiveram a ocasião para solucionar o problema sem que chegassem a esse ponto, mas não optaram por essa via”.
Indagado se o Supremo não trabalhou para a resolução da crise, respondeu que uma vez os processos submetidos aos tribunais, estes têm que trabalhar para conhecê-los e dirimir o conflito. Sublinhou que o que se regista são decisões contraditórias entre as diferentes instâncias do poder judicial, o que acabou por levar as partes, em cada situação, a considerar que a decisão fora viciada.
“Nós defendemos sempre que na procura de soluções para os problemas políticos ou conflitos políticos, a primeira tentativa deve ser pela via do diálogo e não de judicialização. Ninguém nos escutou e foi-se para a judicialização. É preciso que se tenha em consideração que este processo é um processo meramente político, portanto as decisões a tomar devem ser decisões sólidas e não trémulas. Eu não consigo compreender o porquê de haver tantas decisões diferentes dos tribunais sobre essa matéria”, assegurou.
Questionado ainda se existe a possibilidade da dissolução do parlamento perante a situação, respondeu que há sim, possibilidade da dissolução do parlamento, porque as partes já se encontram numa guerra.
“Será que alguém não está interessado em que o parlamento caia?! Será que o Presidente da República está interessado em que o parlamento caia? Será que é do interesse do PAIGC que o parlamento caia?”, questionou o político, para depois avançar que a Guiné-Bissau não está preparada para ir às eleições.
PRESIDENTE DE PSD: “PROGRAMA ‘TERRA RANKA’ É DO PAIGC”
O presidente do Partido Social Democrata (PSD), António Samba Baldé, disse por sua vez, que o documento “Terra Ranka”, politicamente é pertença do PAIGC, mas esclarece que juridicamente nenhum programa de governação é propriedade de um partido, seja, ele vencedor, coligado ou participativo. Contudo, apela o diálogo para encontrar uma solução sobre a crise política parlamentar.
Para Baldé, o programa de governação é um documento governativo no qual todos os técnicos de todos os ministérios são chamados a contribuir na sua elaboração, acrescentando que as ideias básicas são da responsabilidade do partido vencedor das eleições.
“O Partido vencedor faz tópicos, deixa o prefácio, dá orientação e diz aos ministros, por exemplo, no seu pelouro – quero isto, aquilo e mais aquilo. Os seus técnicos podem e devem contribuir no sentido de criar um documento real, possível e exequível. Um programa é mais ou menos feito nesses moldes, porque não é um programa de campanha, mas sim de governação. Agora politicamente, sim o programa “Terra Ranka” é do PAIGC, o aspecto jurídico é uma coisa”, explicou Baldé.
Para o político, o comportamento do PAIGC no contexto atual, através da Comissão Permanente e da Mesa da ANP, onde é maioria em ambas as estruturas chama-se política. Os libertadores sentiram-se feridos no seu íntimo: ganharam as eleições, porém perderam o controlo da situação. Por outras palavras, viram que perderam a governação em detrimento de um partido que não ganhou as eleições em conjunto com elementos expulsos do partido. Tudo isso fez com que o PAIGC reagisse da forma como está a reagir.
O presidente do PSD, afirmou que a reacção do primeiro vice-presidente da ANP não é pessoal, mas que tem um timbre do PAIGC, justificando que a comunicação de António Inácio Correia tem as marcas da conferência de imprensa dos libertadores, na sua sede, três dias antes das declarações do segundo homem do hemiciclo guineense.
Numa outra perspectiva, Samba Baldé considera de inexistência do programa “Terra Ranka” de Domingos Simões Pereira, como tendo caído por terra após a destituição do seu governo. No seu entender, o governo que viria a ser formado teria que ter um pograma próprio.
“Neste quarto governo temos um mosaico: temos Partido da Renovação Social (PRS) como a maioria no governo e os supostos dissidentes do PAIGC, o que juridicamente não se enquadra. Através do voto é possível que os deputados, por tendência ou por interesse pessoal ou das pessoas que votaram neles, votem ou não o programa, violando a disciplina partidária, como aconteceu na votação do programa do governo do Engº Carlos Correia”, frisou António Samba Baldé.
Na opinião do PSD, o Primeiro-ministro Baciro Djá deve conceber o seu próprio programa de governação, mesmo alicerçando-se em determinados capítulos do “Terra Ranka”, mas que não fosse um conteúdo parecido ou muito similar. Se assim for pode dar azos a atitudes como as que o primeiro vice-presidente da ANP teve, reivindicando a autoria do “Terra Ranka”, como propriedade intelectual do PAIGC, o partido vencedor das eleições legislativas.
Na perspectiva partidária, Baldé considera que os quinze deixaram de ser militantes do PAIGC por terem sido expulsos do partido, facto que os impede de apropriarem-se do documento elaborado pelos libertadores. Recordou que os 15 tinham rejeitado o programa que hoje estão a exibir, reiterando que politicamente o “Terra Ranka” é do PAIGC.
No que tange aos quinze deputados, António Samba Baldé considerou de contraditório o processo. Na sua visão, até os tribunais não sabem dizer exactamente a sua perspectiva relativamente à história que desenrola há meses no hemiciclo nacional.
Do ponto de vista do PSD, os quinze deputados não devem pertencer a nenhuma bancada parlamentar politicamente. Deveriam ficar soltos e não independentes, justificando que a figura do deputado independente foi subtraída do regimento da ANP, mas lembrou no entanto que o mesmo figurino está consagrado na Constituição da República, através do artigo 82 da lei magna do país.
“Esta maioria que foi constituída tem que estar num documento. E forçosamente, porque quando se fizeram as coligações entre o PAIGC e o PRS houve um documento formal, fizeram-se convenções, coligações e contratos através dos partidos e não de indivíduos. Se os 15 constituírem algum documento, que este documento seja visto a luz da verdade, do regimento da ANP e da constituição. São pormenores que desprezamos, mas que fazem parte da actividade política no parlamento como um lugar apropriado para fazer política”, explicou Baldé.
O líder do PSD lamenta a péssima situação do país na saúde, educação, águas, escolas e hospitais. Está tudo aquém das expectativas. Atribuiu todas as responsabilidades pelo subdesenvolvimento da Guiné-Bissau à governação de mais de quarenta anos do PAIGC e mais três anos que considerou de “asneiradas” do PRS, acusando os libertadores de continuarem a brindar os guineenses com coisas feias. Para Baldé, o PAIGC está por de trás de todos os “complots” que o país já viveu.
Relativamente a detenção do deputado Gabriel Só, António Samba Baldé disse que a parte mais fraca que o país tem é a justiça e não a política, sustentando que a justiça já demostrou que não tem pudor e responsabilidade.
Baldé conectou a detenção de Só à sensibilidade do Domingos Simões Pereira e Carlos Correia. De acordo com as suas declarações, a empresa que Gabriel geria que resultou na sua detenção rendia mais com o Só na administração do que no período após a sua saída.
Considerou que a detenção de Gabriel Só como sendo uma detenção política, justificando a sua ideia nas divergências internas do PAIGC. O Só pertence a sensibilidade do presidente do partido Domingos Simões Pereira. O atual Primeiro-ministro pertence a uma outra sensibilidade, que diverge da liderança dos libertadores.
Por: Assana Sambú/Sene Camará