Sob os auspícios do Comité Nacional para o Abandono de Práticas Tradicionais Nefastas à saúde da Mulher e Criança na Guiné-Bissau (CNAPTN), dez tabancas da histórica seção de Guiledje, Região de Tombali, Sul da Guiné-Bissau, decidiram declarar publicamente o abandono da mutilação genital feminina, casamentos infantis e forçados, assim como o fim da não escolarização das raparigas do local considerado de ‘Berço da Luta para a Libertação Nacional’.
As declarações do fim das práticas nefastas foram feitas pelas tabancas de Guiledje (sede da seção), Bendugo, Calabante, Amedalai-N’dolo, Gã Mela, Medjo, Quebo Sutuba, Sintchã Toma, Faro-Sadjuma e Afia [Guiledje] e o ato coincidiu com o ‘Dia Mundial da Violência contra a Mulher’ celebrado no dia 25 de novembro, um pouco por todo o mundo, sob o lema: Alaranjar o Mundo, Mobilizar Recursos para Pôr Fim à Violência Contra as Mulheres – escolhido pelas Nações Unidas para a comemoração deste ano.
O evento serviu também para o lançamento de uma campanha chamada de ‘Dezasseis (16) dias de Ativismo’ promovida pelo CNAPTN, ao longo dos quais acontecerão várias declarações públicas de abandono das práticas nefastas. As próximas declarações serão feitas em Fulacunda (seção de Gandjatra), setor Empada (Farancunda), setor de Quebo (seção de Cuntabani), setor de Pitche (seção de Cama Djaba) e setor de Gabú (seção de Canjadudi), no Sul e Leste do país.
Presidindo a cerimónia, a Primeira-dama da Guiné-Bissau, Maria Rosa Vaz, considerou que a violência não se resume apenas a violência física, mas também a violência verbal que devem ser tidas em conta.
Rosa Vaz apelou aos guineenses que deixem de praticar a violência contra mulheres e crianças. Em suas palavras, os encarregados de educação cujas crianças vendem todos os dias e que não estudam, e que, quando têm desfalques no dinheiro são violentadas fisicamente, devem parar com isso.
No entender de Rosa Vaz, as comunidades devem abandonar a prática da excisão feminina, por ser uma prática com graves consequências à saúde das mulheres e crianças.
A ministra cessante da Mulher, Família e Coesão Social, Maria Evarista de Sousa, disse que sem a escola nenhum país se desenvolve, por isso, apelou aos pais que mandem os seus filhos à escola, seja rapaz ou rapariga.
Na ocasião, a presidente do CNAPTN, Fatumata Djau Baldé, lembrou que a seção de Guiledje é onde as mulheres são violentadas até a morte com base em acusações de feitiçaria, apontando alguns casos que estão na justiça com as sentenças ainda por conhecer.
Djau Baldé enalteceu o gesto das dez comunidades que decidiram declarar publicamente o abandono das práticas nefastas, exortando aos populares de Guiledje para abandonarem de verdade e não declarar abandono apenas para agradá-las.
Em Guiledje, uma menina foi excisada e acabou por falecer, revelou, afiançando que a declaração demonstra que a população tomou o juízo do perigo da mutilação genital feminina.
A representante da UNICEF na Guiné-Bissau, Christine Jaulmes, disse que nos últimos anos o mundo assistiu a redução da incidência na mutilação genital feminina.
Segundo os dados da UNICEF, no país três em cada dez meninas menores de quinze anos, ainda são submetidas a excisão feminina. Para Christine, o sucesso na redução da incidência da mutilação genital deve-se ao engajamento sério e do respeito cultural das comunidades locais, que encorajam as mudanças a partir da própria comunidade.
“Felicitamos o empenho e o compromisso sério que as dez comunidades assumiram para abandonar as práticas que afetam o desenvolvimento saudável das vossas crianças. Devemos continuar a trabalhar conjuntamente com os líderes comunitários e religiosos, reforçando as ações de informação em mobilização social”, sublinhou Jaulmes, acrescentando que no quadro do programa conjunto da UNICEF e UNFPA continuarão a apoiar os esforços nacionais para a implementação da estratégia e do plano nacional do abandono da mutilação genital feminina coordenado pelo CNAPTN em colaboração com outros parceiros.
Em nome das mulheres de Guiledje, Siradjuma Culubali apelou à comunidade guiledjense a abandonar de forma definitiva a prática da excisão feminina, exortando ainda aos presentes no ato para não limitarem o acesso à escola às suas filhas, assim como pediu aos pais que abdiquem de dar as filhas em casamento prematuramente.
“Não queremos ver nunca mais a violência nas mulheres. O homem não pode bater em mulher como ele quiser. Devemos pôr os nossos filhos na escola, só assim a nossa terra poderá estar bem”, disse Culubali.
O representante dos jovens de Guiledje, Babagale Baldé, aproveitou a ocasião para pedir a retoma da cantina escolar e da alfabetização, justificando que muitos homens e mulheres não sabem ler nem escrever até aquela altura, por um lado, sublinhando que as crianças estão com fome e, com fome, os meninos não aprendem nada.
Baldé garantiu que a comunidade a que pertence abandonou definitivamente as práticas nefastas, enfatizando os esforços dos ativistas e animadores do CNAPTN que atuam naquela zona.
O chefe da tabanca de Guiledje, Bela Camará, revelou que à partida, a rejeição da comunidade no que tange ao abandono das práticas nefastas, tem que ver com a falta de conhecimento sobre as consequências da excisão feminina. A sensibilização do CNAPTN com imagens que demonstram como a pessoa excisada sofre por culpa da mutilação genital, os guiledjenses decidiram abdicar da tal prática.
O Imame da seção de Guiledje, Tcherno Alassana Canté, disse que ninguém tem força sobre a autoridade, por isso, se a autoridade ordenar que se deixe tal prática, ficam logo obrigados a deixá-la, garantindo por fim que a vila berço da luta armada guineense abandonou as práticas nefastas.
Canté pediu ao Estado para se engajar, em colaboração com seus parceiros, no sentido de permitir a retenção das crianças guineenses que são obrigadas a sair do país para os estudos corânicos no estrangeiro, acrescentando que há muitos sábios na Guiné-Bissau com capacidades de transmitir os saberes corânicos, mas possuem escassos meios para albergar muitas crianças. Pediu às autoridades que abram escolas corânicas em Guiledje com apoio dos parceiros internacionais.
Por: Sene Camará