sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Opinião: MOTIVOS E IMPLICAÇÕES DE PROVÁVEL INTERVENÇÃO MILITAR E DESTITUIÇÃO EXTERNA DO CONTROVERSO E ANTIOCIDENTAL LÍDER GAMBIANO

“Anuncio a vocês gambianos, a minha rejeição total aos resultados eleitorais e, portanto, anulando as eleições na sua totalidade. Vamos voltar às urnas porque eu quero ter certeza de que cada gambiano votou sob uma comissão eleitoral independente, neutra e livre de influência estrangeira”. Foram com estas declarações que Yahya Jammeh, Presidente de Gâmbia há 22 anos, contestou e rejeitou os resultados eleitorais que elegeram o seu oponente político, Adama Barrow, com uma diferença de 9% dos votos. As alegações de supostas fraudes eleitorais foram tornadas públicas depois que o mesmo havia declarado que aceitaria os resultados antes divulgados.

Em um momento em que se discute sobre as supostas fraudes desferidas pela Rússia, que influenciaram (ainda que indiretamente) na eleição do republicado Donald Trump, Jammeh defende que teria havido uma ingerência externa que decidiu as eleições gambianas. Se as alegações de fraude proferidas por Yahya são contestáveis e, em alguma medida, ridicularizadas, sob o argumento de que o medo da justiça em relação à improbidade administrativa e principalmente aos desmandos consubstanciados em perseguições políticas, prisões, torturas e assassinatos dos quais ele é acusado, inclusive por agora eleito Adama Barrow, é incontestável o projeto político radical e antiocidental que o líder gambiano tem edificado.
O mais recente comportamento político de Jammeh contra as instituições ocidentais, que inclusive provocou muitas críticas e consideráveis desconfortos, foi a declaração da saída de Gâmbia do TPI (Tribunal Penal Internacional), sob a justificativa de que este foi criado apenas para julgar e condenar líderes africanos e não europeus e ocidentais. Antes, porém, Jammeh, por muitos, e principalmente por seus opositores, considerado um ditador, retirou o seu país, em 2013, da Commonwealth, dizendo abertamente de que a Gâmbia não faria mais parte de uma organização neocolonial, patrocinada pelo Reino Unido, o seu colonizador. Em 2015, Jammeh declarou o seu país como uma nova república islâmica. Lembrando que desde que chegou ao poder através de um golpe de Estado, em 1994, na altura ainda um jovem oficial militar de 29 anos, restringiu-se o nível da sua relação com os EUA.

Não obstante ser Presidente de um pobre e pequeno país de aproximadamente 2 milhões de habitantes, no mundo ocidental Yahya Jammeh é visto como um inimigo da modernidade e sistemático transgressor dos direitos humanos universais, portanto, uma ameaça ao processo de expansão dos valores democráticos e ocidentais. Embora tenha perdido gradualmente a popularidade construída ao longo das duas décadas enquanto Presidente, devido sobretudo ao nível de pobreza no seu país, este líder consegue ainda nutrir e inflamar o seu carisma através de um discurso populista e radical, lançando mão do conservadorismo islâmico e antiocidental.
No plano regional, particularmente sub-regional da África Oeste, contexto em que Yahya Jammeh está cada vez mais politicamente isolado, em função de ascensão de líderes mais simpáticos com o ocidentalismo e a modernidade, além de sua tensionada relação com o vizinho Senegal, o Presidente praticamente não consegue alianças políticas sólidas no entorno político Oeste africano. Aliás, o candidato eleito, empresário Adama Barrow, vem reafirmando de que retomará plenamente as relações com o Ocidente, principalmente com o Reino Unido, onde ele fez carreira acadêmica e desperta simpatias. É importante não olvidar que uma boa parte do exército da Gâmbia é composta por djolas pertencentes ao Movimento das Forças Democráticas de Casamança (MFDC), rebeldes separatistas que combatem contra o exército senegalês no Sul do Senegal.
O Senegal, que vai inclusive liderar o provável desembarque das forças militares da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) no território gambiano, vê com a saída de Jammeh uma oportunidade para aumentar a sua influência naquele país e enfraquecer ainda mais os rebeldes do MFDC.
Por seu turno, a Nigéria, líder regional e da CEDEAO, vê nessa eventual empreitada militar um meio de alargar seu prestígio internacional, poder e influência regional. Mas também, uma forma de reafirmar a capacidade política e militar da CEDEAO em solucionar problemas que afetam membros da organização, sem a necessidade de ingerência objetiva de outros organismos intergovernamentais que não fazem parte da região.
Diante desse cenário não menos matizado de ambiguidades e complexidades políticas, pode-se perguntar se a eventual intervenção militar da CEDEAO em Gâmbia, significaria um novo protagonismo desta organização intergovernamental na resolução dos problemas regionais relacionados à violação dos preceitos democráticos e dos direitos humanos, sem a ingerência direta das potências do Norte. Penso que não. Em casos de manifestação de interesses objetivos dos principais players internacionais e dificuldade em construção de alianças e consensos regionais pro-intervencionistas, estes últimos tendem a assumir o protagonismo, a exemplo do que se viu em Costa do Marfim e Mali nos últimos anos.
Portanto, penso que a possível intervenção do braço armado da CEDEAO em Gâmbia para depor Yahya Jammeh, mesmo obtendo o êxito, não deve ser interpretada como a afirmação de novos atores e novo paradigma procedimental, protagonizado por lideranças políticas regionais da CEDEAO, na abordagem de crises políticas da região.
No que se refere estritamente a esta iniciativa intervencionista da CEDEAO, vale a pena sublinhar que a mesma é muito mais facilitada pelo isolamento político do Presidente Jammeh, que não conta com aliados declarados, do que da própria capacidade de coordenação política da CEDEAO. Caso contrário, dificilmente estaria a se falar neste momento em invasão militar em Gâmbia.
Fala-se na possibilidade de concessão de asilo a Jammeh em Marrocos ou Nigéria em troca do reconhecimento do revés eleitoral. Abdicará o Yahya Jammeh?

Por: Timóteo Saba M’bunde, Mestre em Ciência Política.