Muito se tem falado e muita tinta se fez correr nos últimos tempos, na desesperada tentativa de decifrar as razões que levaram a nomeação de Úmaro Sissoko ao cargo de Primeiro-Ministro da Guiné-Bissau, em detrimento do Dr. Augusto Olivais (preferido pelo PAIGC e pelas pequenas Formações Políticas que o apoiam) e não me restam alternativas, senão a de participar no debate público que para o efeito se instaurou e tentar, na medida do possível, acalentar os ânimos, esclarecendo os seus contornos.
Considerei a pertinência de me envolver neste debate, pelo simples facto de concluir que a maioria das opiniões trazidas ao público, sobre o “Acordo de Conakry”, a “Nomeação de um novo Primeiro-ministro para chefiar o Governo Inclusivo” e o papel de Sua Ex.ª, o Sr. Presidente da República em todo esse processo, carece de objectividade, em virtude da escassez de informações e esclarecimentos por parte das autoridades nacionais, que na verdade, não se preocupam em manter o nosso povo informado sobre as questões mais relevantes da vida nacional, criando por conseguinte um solo fértil para todo o tipo de especulações possíveis (ingénuas, mal-intencionadas, oportunistas, inclusive irresponsáveis, susceptíveis de pôr em perigo a segurança do Estado e a estabilidade nacional).
Forjado no culto da violência, da impunidade e da ausência da imprescindível selectividade, resultantes das prementes necessidades e exigências impostas pela guerra, o PAIGC nunca conseguiu libertar-se da âncora de Movimento de Libertação Nacional para se afirmar como um Partido de facto (uma organização política sólida, cujos membros partilham a mesma ideologia, os mesmos objectivos políticos, a mesma visão global, referente ao modelo de construção socioeconómica da sociedade, etc., ainda que divergentes do ponto de vista estratégico da sua materialização).
No PAIGC, os Congressos (reuniões magnas que visam congregar e consolidar esforços com vista a realização de objectivos previamente preconizados), adquirem um significado oposto, definindo-se como o principal factor de fragmentação, reflectindo as nefastas práticas omnipresentes nos procedimentos que conduzem à sua realização (falta de transparência, de honestidade e de imparcialidade, mas sobretudo de patriotismo e de responsabilidade política perante a Nação, que infelizmente e por razões óbvias, é chamada à assumir a factura das suas consequências).
Por outras palavras, a manifesta tendência de definir e forçar vencedores antecipados nos Congressos, obedecendo as conveniências e os interesses da cúpula dirigente do Partido, em detrimento de candidatos melhor posicionados e apoiados pela maioria esmagadora dos Militantes e dos delegados presentes neste fórum, têm estado na base das decepções, desilusões e descontentamentos manifestamente declarados, que transferem toda a magnitude dos antagonismos para o período pós-Congresso, fazendo com que cada Congresso se transforme num prelúdio para a realização de um novo Congresso Extraordinário (visando a reposição da justiça).
Hoje, o grande Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde está enfermo, fragmentado, muito debilitado, desnorteado e à deriva, em virtude do permanente reacender das clivagens internas, resultantes de divergências recalcadas e adiadas, do inconformismo e do descontentamento, reflectindo as consequências de questões mal resolvidas no passado e que se manifestam sobretudo na hora de partilhar o Poder, quando, infelizmente, os atritos internos no Partido saltam para a ribalta da cena política guineense, arrastando na sua fúria toda a sociedade, cuja maioria esmagadora se identifica com o passado glorioso do partido de Amílcar Lopes Cabral. Resta saber até que ponto o PAIGC conseguirá, de mais este jogo de inclusões e exclusões de Militantes e Responsáveis Partidários, tão antigo como a própria história da sua existência, refazer-se da conflitualidade interna, ressentimentos e desconfianças que corroem as suas fileiras e afirmar-se como um Partido de novo tipo, recuperando o seu prestígio de outrora, assumindo as suas responsabilidades e o lugar de honra que lhe é reservado por excelência, na história universal que ajudou a escrever.
O turbulento período de transição que precedeu a sua realização, associado à faixa etária e à enorme ambição dos Candidatos (reflectida nos seus Programas) que propunham liderar o PAIGC e conduzir os destinos do País, faziam do Congresso de Cacheu “O Congresso da Esperança Nacional”, que por ideia (independentemente de quem nele saísse vencedor), devia constituir o ponto de partida para a resolução dos crónicos problemas geradores da famigerada instabilidade e desassossego que teimam em perseguir o nosso povo na sua penosa caminhada para o progresso socioeconómico do País e o bem-estar das futuras gerações.
Saindo vencedor neste Congresso, graças a coligação com mais oito Candidatos (reunidos na designada “PLATAFORMA”, idealizada por Aristides Ocante Silva), o Eng.º Domingos Simões Pereira deitou tudo a perder, fazendo desse Congresso mais um fiasco à adicionar à tantos outros a que já estamos habituados ao longo dos últimos 43 anos. E que, contrariamente as expectativas, contribuiu ainda mais para o agravar duma situação sociopolítica já por si insustentável.
Injustificadamente movido pelo ódio e pelo rancor, Domingos Simões Pereira foi progressivamente cometendo os erros que passo a descrever e em consequência dos quais nos encontramos na actual situação de impasse constitucional:
Constituição da lista do Comité Central – na constituição da lista dos Membros do Comité Central, rejeitando o princípio da proporcionalidade sempre presente nesta circunstância, o Eng.º Domingos Simões Pereira fez questão de excluir a maioria esmagadora dos Militantes e Dirigentes do PAIGC afectos ao Projecto do Candidato Braima Camará, pautando pelo princípio de fidelidade absoluta ao Presidente do Partido, em detrimento da habitual fidelidade aos Princípios do Partido e aos seus Estatutos. Domingos Simões Pereira precisava da actual composição do Comité Central (DO SIM SENHOR!), para estabelecer controlo absoluto no Partido, no Governo e porque não, no próprio Estado (se conseguisse eleger um Presidente da República de sua conveniência);
Formação do Governo – No processo da Formação do Governo, para vedar a inclusão dos elementos afectos ao Projecto de Braima Camará, não hesitou em incluir nele o PRS e demais Partidos de oposição, ignorando inclusive o seu famigerado princípio de partilha da visão estratégica, como condição “Sine Qua Non” para integrar o seu Governo (não acredito que o PRS, PUSD, PCD ou mesmo o PND, foram incluídos no Governo do PAIGC porque partilhavam a mesma visão estratégica do Presidente do PAIGC e então Primeiro-Ministro, Eng.º Domingos Simões Pereira), mas sim por sua conveniência pessoal, fazendo com que o prometido “Governo de Excelência” se traduzisse num Governo de Fracasso Nacional.
Correlação de forças na Assembleia Nacional - Revoltados com a situação que se instalou tanto no Partido como no Governo depois do Congresso, os Deputados afectos ao Projecto “Por Uma Liderança Inclusiva e Democrática”, liderado por Braima Camará foram votando consequentemente contra todas as iniciativas parlamentares do Governo, mas sem quaisquer efeitos práticos, na medida em que este contava com o apoio incondicional dos 41 Deputados do PRS, 2 Deputados dos outros Partidos, que adicionados aos fiéis do próprio PAIGC, totalizavam 87, num universo de 102. Por outras palavras, o Presidente do PAIGC sabia da existência de um grupo de Deputados do seu Partido que não apoiavam o seu Governo, mas como os números falavam por si, decidiu simplesmente ignorá-los, em vez de apelar e promover o diálogo interno que permitiria ao PAIGC governar sozinho e tranquilamente, com base na maioria absoluta alcançada nas Eleições Legislativas;
A Expulsão de Deputados - mesmo quando o PRS se posicionou a favor da queda do seu Governo e da projecção de Baciro Djá às funções de Primeiro-Ministro, Domingos Simões Pereira mostrou-se incapaz de reunir a família do PAIGC, reconhecer os erros derivados das suas decisões, arrepiar caminho e adoptar uma nova atitude, perante as evidências que mostravam claramente que a solução do problema passava pela via do diálogo interno.
Muito pelo contrário, para DSP, estrategicamente, a expulsão de Braima Camará tinha um significado muito especial, porque lhe permitia livrar-se dum concorrente de peso na corrida à liderança do PAIGC no próximo Congresso, pelo que era uma decisão cabal e irreversível. Entretanto, por força da circunstância, movido por conveniências pessoais e partidárias, admitiu a hipótese da sua revisão, incluindo-o na Ordem do Dia das temáticas a debater em Conakry, onde a questão da maioria parlamentar adquiria uma relevância transcendente, na medida em que estava em jogo a disputa pelo Poder, que, como é do conhecimento geral, na democracia, é determinada essencialmente por números, ou seja pela quantidade e não pela qualidade dos votos.
Numa situação tão delicada como esta, o Presidente do PAIGC não teve outra alternativa, senão abrir as mãos e admitir a hipótese de reintegração dos 15 Deputados expulsos do PAIGC, que adicionados aos 44 fieis, lhe permitiam falar em nome da maioria parlamentar e fazer valer as suas exigências, no concernente a escolha e nomeação daquele que considera figura de sua confiança pessoal e que melhor serve os interesses do seu Partido – o Dr. Augusto Olivais (Membro do Bureau Político do PAIGC).
O Dr. Augusto Olivais foi de facto a figura do Consenso. Ou seja, a opção dos que representavam a maioria parlamentar da Guiné-Bissau reunida em Conakry, na busca de soluções consistentes para a crise institucional que assola o nosso País. A referida maioria era representada pelo PAIGC (42+15=57) +PUSD (1) +PCD (1), perfazendo um total de 59 Deputados, (maioria absolutíssima), num universo de 102 Deputados eleitos. Convêm esclarecer que o Partido da Renovação Social (PRS) (com 41 Deputados), nunca se reviu nessa opção, preferindo apostar em Umaro Sissoco para Chefiar o Governo de Inclusão.
Uma vez abortado o Processo de reintegração dos 15 no PAIGC, a balança passou a pender a favor da “Nova Maioria” (PRS+15=56), factor determinante para que o Presidente da República optasse pela nomeação de Umaro Sissoco, em detrimento do Dr. Augusto Olivais, cujo Programa dificilmente teria hipóteses de ser aprovado pela Maioria Parlamentar.
Hoje o PAIGC reclama a observância dos procedimentos constitucionais que determinam a existência ou não da maioria imprescindível para aprovar o Programa do Governo. Por outras palavras, o Dr. Augusto Olivais devia ser empossado e o seu Programa submetido à apreciação, discussão e aprovação da Assembleia (uma perda de tempo tendo em conta os números). Convêm recordarmos que, depois da queda do Governo do Eng.º Carlos Correia, o Presidente da República convidou o PAIGC à apresentar um novo candidato ao cargo de Primeiro-Ministro, mas em virtude da correlação de forças na ANP (a crónica questão dos números), a própria Direcção do Partido declinou o convite (absteve-se de designar qualquer candidato) na medida em que, detendo a minoria parlamentar, reconheceu a impossibilidade do seu candidato ser viabilizado pela maioria composta pelo PRS (41 Deputados) + (15).
NOTA IMPORTANTE: O Presidente do PAIGC reconhece que, em virtude da expulsão dos Deputados do seu Partido, deixou de ter condições moral, juridico e constitucional para exigir e muito menos exercer o Poder. Entretanto, num gesto de má fé, fazendo jus duma hipocrisia sem precedente na nossa história, continua a prejudicar o País, baralhando os espíritos menos esclarecidos, fazendo do acordo de Conakry o “Cavalo de Tróia”, para bloquear todas as iniciativas do Presidente da República, tendentes a ultrapassar a crise e dar uma resposta eficiente aos problemas que preocupam a mente e o coração do nosso povo mártir. E, as vozes que insistem na badalada retórica de entregar o Poder ao PAIGC, enquanto vencedor das últimas eleições, valem o que valem e são movidas essencialmente por interesses pessoais (oportunismo político) ou por desconhecimento da causa – em Portugal, por exemplo, o PSD ganhou as Eleições, mas não está a governar, porque não dispõe duma maioria parlamentar e ninguem teve a ousadia ou simplesmente a vergonhosa iniciativa de bloquear o Pais, perturbando o normal funcionamento da Assembleia Nacional daquele Pais.
UM GRANDE ABRAÇO À TODOS OS GUINEENSES ESPALHADOS PELOS QUATRO CANTOS DO MUNDO.
Bem-haja a Guiné-Bissau.