sexta-feira, 28 de julho de 2017

Embaixador Abdou Jarju: “SISTEMA PRESIDENCIALISTA É UMA DAS SOLUÇÕES PARA A INSTABILIDADE POLÍTICA DA GUINÉ-BISSAU”

[ENTREVISTA parte 2/2] Abdou Jarju, Embaixador cessante da Gâmbia para a Guiné-Bissau, Guinée-Conacry e Cabo Verde, defendeu a adopção do sistema presidencialista como uma das soluções para a constante instabilidade política e governativa da Guiné-Bissau, tendo afirmado ainda que não acredita se o sistema vigente, o ‘semipresidencialista’, consegue funcionar em África e muito menos na Guiné-Bissau.

Jarju, que foi demitido das suas funções de Embaixador desde em maio do ano em curso, fazia assim a análise da crise política e parlamentar que assola o país há cerca de dois anos, durante uma entrevista concedida ao semanário ‘O Democrata’, cuja primeira parte foi publicada na edição passada.


Para o diplomata gambiano, o Acordo de Conacry foi desde princípio um acordo negociado para falhar. Explicou neste particular que muitas vezes os Chefes de Estados que desempenham o papel de mediador preocupam-se mais em defender as suas honras e esquecem-se dos interesses do país em causa, por isso tentam chegar a acordo a todo custo.

Defendeu ainda a continuidade do executivo de Umaro Sissoco Embaló até a realização das eleições, porque “o tempo agora é para os partidos irem preparar-se para as eleições. Imagine se refizermos o acordo, o que é longo e moroso, aliás, será que haverá consenso a volta do novo acordo? Por vezes há muitas incertezas… do meu ponto de vista, os guineenses devem conformar-se com a situação e prepararem-se para as eleições”.

O Democrata (OD): Acha que a Gâmbia pode ajudar na estabilização da grande região de Casamança e como pode fazê-lo?

Abdou Jarju (AJ): A Gâmbia pode ajudar na estabilização da região de Casamança, mas se for solicitada, porque um Estado atua na resolução de um determinado problema, se lhe for pedido. Se decidir intervir numa situação dessas, sem que seja solicitado, pode ser mal interpretado.

OD: Em poucas palavras como avalia os 22 anos do mandato do Presidente Yahya Jammeh, que é considerado um regime ditatorial?

AJ: Foi muito positivo o mandato de 22 anos do Presidente Jammeh. Isso pode ser comprovado por quem conhece ou viveu na Gâmbia durante o período do regime do Presidente Dawda Jawara. Aliás, é impossível comparar os 30 anos do regime de Jawara com os 22 de mandato do Presidente Jammeh, em termos de desenvolvimento. A Gâmbia não tinha nada, nem universidades, mas graças ao Presidente Jammeh, já há universidades na Gâmbia.

Havia problemas sérios no sector de saúde e da educação, sobretudo no que concerne à falta das infraestruturas. Jammeh conseguiu grandes progressos nestes sectores, desde a construção de infraestruturas hospitalares e escolares bem como na criação de condições para o seu funcionamento. A grande verdade é que Yahya Jammeh, durante o seu mandato, fez um bom trabalho para o desenvolvimento da Gâmbia. Não há aspecto do desenvolvimento de um país que o Presidente Jammeh não tenha feito para a sua terra e o seu povo. Todo o povo gambiano reconhece o seu esforço para o desenvolvimento da Gâmbia. Aliás, depois de seis meses da sua retirada já se ouvem reclamações dos gambianos.

Garantiu segurança, estabilidade política e social para o seu povo. Havia ordem e as pessoas podiam andar nas ruas à vontade e a hora que quisessem sem quaisquer problemas. Essa é a avaliação que posso fazer, em poucas palavras, sobre os 22 anos do regime de Jammeh, porque não posso citar todos os projectos desenvolvidos por ele durante esses anos. Concordo que nem tudo era mar de rosas, ou seja, não se pode dizer que tudo era bom, mas em termos do desenvolvimento, foi positivo.

OD: Considera positivo os 22 anos do regime de Jammeh. Em termos de direitos humanos bem como da liberdade de expressão e de imprensa, a Gâmbia sempre é relegada para a cauda da tabela. Os relatórios das organizações da defesa dos direitos humanos consideram Jammeh de campeão de violador dos direitos humanos, por causa da lei de pena capital onde é acusado de matar os seus opositores.

AJ: Cada regime tem uma parte boa e a parte ruim! Como disse, não podemos dizer aqui que tudo era bom. Para o desenvolvimento, é preciso muitos passos e este aspecto pode servir de alavanca para a progressão do regime de Yahya Jammeh. Mas era necessário, aliás, podemos ilustrar o exemplo de Singapura [um país da Asia] que para chegar onde está hoje, teve que passar pela ordem.

OD: Era necessário que a Gâmbia passasse por estas restrições da liberdade e da adopção da pena capital, para alcançar o desenvolvimento?

AJ: Entendo que era necessário que a Gâmbia passasse por esta fase para chegar onde está hoje, porque senão seria impossível alcançar os progressos conseguidos.

OD: O embaixador defende restrições da liberdade de expressão e a pena de morte na Gâmbia?

AJ: Não… não defendo a pena de morte, porque acredito na recuperação das pessoas. Entendo que podia ser aplicada outra pena que permitisse a recuperação dos indivíduos em vez da pena de morte. A morte é uma destruição. Nós, como crentes religiosos e muçulmanos, não defendemos a extinção da vida de ninguém. Como muçulmanos, dissemos que não demos a vida a ninguém, por isso não seremos responsáveis por tirar a vida de uma pessoa. Não defendo a pena de morte, nem a prisão perpétua.

OD: Como cidadão gambiano, associa-se às pessoas que defendem a abolição da pena de morte na Gâmbia?

AJ: A pena de morte vai ser abolida na Gâmbia. As novas autoridades prometeram fazê-lo, como também falaram na mudança de muitas leis na Constituição. Uma das leis que devia ser mudada é a pena de morte e a da prisão perpétua.

OD: Yahya Jammeh é considerado até hoje por um grande número de gambianos como um revolucionário e um grande líder que luta para o desenvolvimento do seu país e da África. No mundo fora e a olhos das organizações das defesas dos direitos humanos e inclusive de maioria da população gambiana, Jammeh é visto como um ditador. Senhor Embaixador, Yahya Jammeh é um ditador ou um grande líder e revolucionário?

AJ: Jammeh descreveu a sua própria pessoa como ditador de progresso. O Presidente Jammeh diz que se lhe chamarem de ditador, fica contente porque sabe que ele é um ditador do progresso. A palavra ditador tem várias interpretações como o conceito da democracia, de acordo com o entendimento da pessoa. Do ponto de vista filosófico, digam-me, qual é o marido que deixa a sua esposa fazer o que bem entende na sua casa, sem reclamar? Será que vamos considerar aquele marido um ditador?

A imprensa é muito forte nestas situações, em particular a imprensa europeia que trabalha na base da linha de orientação da política externa dos seus países. Se uma imprensa europeia pinta um líder africano a vermelho, toda a imprensa ocidental pega naquela mesma linha, sem procurar outras informações. Podemos admitir que apenas em África que a imprensa pública goza de uma determinada liberdade de andar na base da sua linha editorial. No ocidente não é assim, porque a imprensa pública jamais vai em contradição da política externa dos seus países.     

Sabiam que o Presidente Jammeh expulsou o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial da Gâmbia? … Não sabem que o FMI e o Banco Mundial são mecanismos criados pelo ocidente com o intuito de manter o seu dominio e controlo total sobre a África? Se o Jammeh, sem o FMI e o Banco Mundial estava a conseguir pagar os salários públicos durante quatro anos, corria-se o risco de ver outros países africanos a seguir o mesmo caminho.

Jammeh expulsou ainda o representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e mesmo assim obteve sucesso. Será que outros países africanos não seguirão os seus passos? Nos últimos tempos, os representantes do FMI e Banco Mundial estavam a mobilizar alguns presidentes africanos no sentido de ajudar convencer o Presidente Jammeh para permitir o regresso daquelas instituições financeiras internacionais.

Lembro que numa audiência com um Chefe de Estado africano, Jammeh disse: O meu problema com o ocidente não é que eu, Yahya Jammeh, tenha sido rejeitado como pessoa. O problema com eles é a minha posição. Durante os meus 22 anos de mandato estou numa situação de conflito com o ocidente. Para mim, a Gâmbia e a África estão em primeiro lugar. Se essa posição vai custar o meu cargo presidencial, então que assim seja!
Por causa da posição adversa a política ocidental adoptada por Jammeh, ele nunca será visto como um bom líder aos olhos do ocidente. Para os gambianos que viram as suas realizações e sem nenhum recurso natural para explorar, ele é um grande líder. Todo o mundo sabe que a Gâmbia não tem nada para explorar, mas ele conseguiu fazer um bom trabalho. Se a Gâmbia tivesse recursos naturais para explorar, garanto-vos que entrar na Gâmbia seria muito difícil. Jammeh era um líder ambicioso e gostava de desafios, ou seja, de desenvolver o seu país a semelhança de outros países.

OD: Neste momento a CEDEAO enfrenta muitos desafios: crise política e militar, terrorismo, etc… Na qualidade de diplomata, acha que a organização no seu ‘modus operandi’ tem condições de enfrentar estes desafios a curto e médio prazo?

AJ: Vai ser muito difícil! Um senegalês escreveu um livro muito interessante sobre a CEDEAO. Segundo este senegalês: o maior problema da CEDEAO é que cada Estado conspira para destabilizar outro Estado! É difícil neste sentido, mas também é bom realçar aqui que a CEDEAO é a única organização sub-regional no mundo que teve grandes sucessos. Se for estudar no exterior é ali que entende a importância do papel desempenhado pela CEDEAO. Na verdade, conseguiu sucessos, mas também tem ainda pela frente muitos desafios.

OD: Que análise faz da situação política da Guiné-Bissau, um país que considera sua segunda pátria?

AJ: Eu gosto muito desta terra. Desejo ver a Guiné-Bissau num caminho muito melhor do que neste em que está a andar neste momento. Estou convencido que, se os guineenses decidirem deixar tudo para trás e trabalhar afincadamente para o desenvolvimento do país com os recursos de que dispõe, digo-vos que até os cidadãos dos países vizinhos terão grandes dificuldades para entrar na Guiné-Bissau por causa do nível de desenvolvimento que o país terá.

A Guiné-Bissau tem todas as condições para se desenvolver muito mais que o Senegal, Gâmbia e inclusive outros países da sub-região. Lembro que a comunidade internacional culpabilizava sempre as forças da defesa e segurança que consideravam responsáveis pela instabilidade deste país. Ficamos todo o tempo nesta abordagem cegamente e sem uma análise profunda da causa dos problemas. Perdemos muito tempo nisso.

Hoje, o tempo mostrou-nos que o problema não residia nas forças da defesa e segurança. Lembro que em várias reuniões mantidas com diferentes delegações sobre a situação da crise desta terra, dizia-lhes sempre que o problema deste país residia no seu sistema. Na altura, afirmei que o tempo poderá culpar-me, mas não acredito que o sistema semipresidencial funcione na Guiné-Bissau. Aliás, é um sistema que dificilmente consegue funcionar em África.

Tomemos em conta a história do nosso continente, porque ao longo da sua história não houve a multiplicação de chefes, mas sim sempre houve um único chefe. Muitas pessoas associam o sistema presidencialismo com a ditadura, mas aquilo é errado porque há países ao nível da nossa sub-região que adoptaram o sistema presidencialista, mas não têm ditadura.

O exemplo é o Senegal e Gana. O sistema de ‘Check and Balance’ pode ser estabelecido no presidencialismo, mas a grande verdade é que a dispersão do poder complica a situação da governação no nosso continente. Já percebemos que as forças de defesa e segurança não são factores de instabilidade, portanto é preciso ter a coragem de mudar o sistema. Parece-me que todo o mundo sente medo de falar disso, ou melhor, da mudança do sistema actual para o presidencialismo que muitas pessoas associam à ditadura.

OD: Embaixador, defende a mudança do sistema semipresidencialista para presidencialista na Guiné-Bissau?

AJ: A adopção do sistema presidencialista é uma das soluções para a constante instabilidade política e governativa da Guiné-Bissau. Já tínhamos responsabilizado as forças da defesa e segurança e concluímos que não são eles os responsáveis pela crónica instabilidade política. Agora a responsabilização virou mais para as pessoas e considera-se mais os políticos como factores da instabilidade. Será que vamos banir todos os políticos da cena? Quem dirigirá o país, com que experiência? Temos que ter a coragem de mudar o sistema e adoptar o presidencialismo.

Algumas pessoas continuam a defender que o sistema não é culpado, aliás, até considera o sistema semipresidencialista um sistema perfeito. Isso é absurdo, porque nenhum sistema político de governação no mundo é prefeito! Defendo que a Guiné-Bissau deve ter um único chefe para guiar o país e que igualmente será responsabilizado pelas falhas que cometer.

OD: O Acordo de Conacry ainda é viável ou acha que deve ser refeito. Tem alguma recomendação?

AJ: Desde princípio o Acordo de Conacry foi um acordo negociado para falhar. Um dos problemas fundamentais nas negociações são as palavras usadas e que ficarão escritas. Se as palavras não forem claras, as ações não serão claras também. Se dissermos um Primeiro-ministro de consenso dos partidos políticos assinantes do acordo e de confiança do Presidente da República, então temos duas palavras contraditórias que, neste caso, acabaram por complicar o acordo.

Não assisti a negociação de Conacry, mas participei em várias negociações e vi as posições defendidas pelos Chefes de Estado mediadores. Muitas vezes esquecem-se de defender os interesses dos países que estão em conflito, em detrimento das suas honras. Nestas circunstâncias tentam chegar a acordo a todo custo.

OD: Então, foi isso que aconteceu em Conacry?

AJ: Não estou a dizer que foi isso que aconteceu a 100 por cento, mas vi essa experiência muitas vezes. E acho que qualquer pessoa que tomou parte nas negociações de princípio ao fim, pode dizer-nos que foi isso que aconteceu, tendo em conta a contradição do acordo alcançado.

OD: Embaixador, defende renegociação do acordo?

AJ: Será que o tempo permite? Quanto tempo resta-nos para as eleições legislativas? O tempo agora é para os partidos irem preparar-se para as eleições. Imagine se refizermos o acordo, que é um processo longo e moroso, aliás, será que haverá consenso a volta do novo acordo? Muitas vezes há incertezas… do meu ponto de vista, os guineenses devem conformar-se com a situação e preparar-se para as eleições.

OD: Defende a continuação deste governo até as eleições?

AJ: Claro, defendo a continuação deste governo. Esta é a minha opinião. Portanto, a oito meses das eleições não vejo a razão para a demissão deste executivo e formação de outro, é apenas perda de tempo.

OD: O Embaixador terminou a sua Missão na Guiné-Bissau. Quais são as boas e as amargas recordações que leva depois de cerca de 12 anos?

AJ: A única amargura que sinto é que não consegui organizar uma Comissão Mista, porque o sucesso de cada diplomata mede-se em função dos acordos assinados bem como os que já forem implementados. Fiz tudo para organizar uma Comissão Mista. Desde 2003 até a presente data não houve nenhuma outra reunião deste género entre os dois países, no sentido de reativar os acordos assinados e negociar outros. Para mim, o resto foi positivo. Fiz tudo que esteve ao meu alcance para estabelecer uma boa relação de amizade e cooperação entre a Gâmbia e a Guiné-Bissau.


Por: Assana Sambú/Sene Camará
Foto: Marcelo Ncanha Na Ritche