sexta-feira, 21 de julho de 2017

Embaixador cessante da Gâmbia: “DEFENDO E APOIO A POPULAÇÃO QUE PEDE A RETIRADA DAS FORÇAS MILITARES DA CEDEAO DEKANILAI”

[ENTREVISTA, parte 1/2] O embaixador cessante da Gâmbia para a Guiné-Bissau, Guiné-Conacri e Cabo Verde, Abdou Jarju, defendeu durante uma entrevista ao semanário ‘O Democrata’ que apoia à população gambiana da aldeia de Kanilai, que pede a retirada das forças militares da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) daquela aldeia onde nasceu o Presidente Yahya Jammeh, que na sua maioria são do Senegal.

Durante a entrevista o diplomata abordou a situação do estado da cooperação entre a Gâmbia e a Guiné-Bissau, sobretudo dos progressos conseguidos durante os seus 12 anos de missão. Para Abdou Jarju, “não há nenhuma razão para a instalação das forças da CEDEAO em Kanilai”. Porém, avançou que a população sente-se ameaçada com a presença daquela força militar, porque entendem que o governo senegalês aproveitou-se da situação para envergar a camisa da CEDEAO e atacar os rebeldes de Casamança, a partir daquela aldeia.


Sobre a sua posição de abandonar Jammeh depois das eleições e apoiar Adama Barrow, explicou que tudo tem a ver com a questão de salvar a Gâmbia de uma invasão militar.

“Confirmo que eu era o braço direito. Gozava de uma grande relação com o Presidente Jammeh, mas a grande verdade é que chegou certa altura em que o interesse da Nação estava acima de qualquer outro interesse! A nossa posição visava defender o nosso país e evitá-lo de um eventual conflito armado que tiraria a vida de um grande número de cidadãos gambianos. Portanto, nada justificava que ficássemos cegamente atrás do Presidente Jammeh”, assegurou.

O Democrata (OD): Senhor Embaixador, que balanço faz dos seus quase 12 (doze) anos de funções como representante da Gâmbia na Guiné-Bissau?

Abdou Jarju (AJ): Deixo uma boa relação entre o Estado da Gâmbia e o da Guiné-Bissau. Trabalhei 12 anos na aproximação de dois povos e países que consideramos de irmãos.

A Guiné-Bissau e a Gâmbia haviam assinado um acordo de cooperação e de amizade desde 1991. Na sequência desse acordo, realizaram-se várias reuniões e a última da comissão mista de dois países decorreu em 1993, em Banjul, onde foram igualmente assinados vários acordos. Infelizmente, como se diz, em África é fácil assinar os acordos e o maior problema é a sua implementação!

Depois da minha investidura como Embaixador, constatámos muitas dificuldades na implementação dos referidos acordos. Então avançamos com a iniciativa de estabelecer acordos entre os departamentos de dois Estados. Neste sentido, encorajamos a cooperação entre a televisão nacional da Gâmbia e a sua congênere da Guiné-Bissau. Encorajamos ainda a cooperação entre os portos de Bissau e Banjul, bem como estendemos a referida cooperação no âmbito da segurança, entre os serviços da segurança guineense e a Agência da Segurança da Gâmbia. Isso tudo foi no sentido de dinamizar a relação de cooperação e de amizade entre os dois países irmãos.

Já posso afirmar aqui no final da minha missão que deixei uma relação muito dinâmica de cooperação entre os dois países. A relação de cooperação entre os países é uma coisa que se constrói, em que cada Embaixador traz uma pedra ou bloco para ajudar. Os meus antecessores já tinham contribuído na edificação desta relação e eu também já dei a minha. Espero que quem me substituir prossiga neste sentido, de trabalhar na promoção de uma boa relação de cooperação e amizade entre os dois Estados.

OD: O acordo limitava-se apenas aos sectores de segurança e comércio, bem como alguns departamentos de Estado. Não havia possibilidade de estender para outras áreas?

AJ: No ano passado houve troca de correspondência entre os dois países, na qual se manifestou o interesse de trabalhar no sentido de formar uma Comissão Mista que iria elaborar documentos com o intuito de formalizar novos acordos, sobretudo nos sectores de telecomunicações e educação. Sobretudo na educação, porque constatámos que para já um grande número dos cidadãos guineenses está a estudar na Gâmbia.

Estudam até concluir o liceu. Alguns ficam para prosseguir nas universidades, mas outros preferem deslocar-se para a Inglaterra a fim de continuar os estudos.

Temos universidades públicas e se tivéssemos acordos no sector da educação, talvez poderíamos ajudar na atribuição de bolsas de estudos aos guineenses que agora escolhem a Gâmbia para estudar. Mas também temos extensões de universidades dos Estados Unidos da América, do Canada e da Inglaterra, onde os guineenses poderiam igualmente formar-se. É preciso estabelecermos um acordo no domínio da educação. Os sectores mais abrangidos pelo acordo de 1991 foram os de segurança, o comércio e o turismo. Aliás, como eu disse no início é muito fácil assinar os acordos, mas o maior problema é a sua implementação. Este foi o grande constrangimento registado para o sucesso deste acordo.

OD: Há uma convenção sobre livre circulação de pessoas e bens assinada pelos Chefes de Estado e de Governo da CEDEAO. Mas na prática, os cidadãos continuam a ser abordados e é lhes cobrado um certo valor para passar nas fronteiras. A mesma situação regista-se nas fronteiras da Gâmbia, do Senegal e da Guiné-Bissau. Senhor Embaixador, o que é preciso fazer para acabar com a prática ilícita das cobranças nas fronteiras?

AJ: Falta uma vontade política da parte dos próprios governos dos países da CEDEAO. Mesmo ao nível das fronteiras da Gâmbia, da Guiné-Bissau e do Senegal é preciso uma vontade política e determinação das autoridades para acabar com as cobranças ilícitas nas fronteiras, de forma a permitir a livre circulação de pessoas e bens.

O grande problema dos Estados ou governos africanos é a implementação dos acordos e convenções assinados. É preciso que isso seja corrigido e que se comece a trabalhar seriamente na identificação das causas que obstaculizam a sua implementação. No âmbito da relação entre a Gâmbia e a Guiné-Bissau, fora do quadro da CEDEAO, temos um ponto no acordo sobre a mesma situação.

Infelizmente nunca saiu do papel. Muitas vezes os cidadãos culpam os guardas fronteiriços de serem os responsáveis pela não implementação das convenções, mas eu sempre nego isso porque é falso. Os culpados neste sentido são os próprios governos que deviam tomar medidas sérias e criar mecanismos para o seu seguimento.

OD: Como avalia hoje a relação entre o Estado da Gâmbia e o da Guiné-Bissau, depois do afastamento do regime de Yahya Jammeh?

AJ: Estado é a continuidade. As novas autoridades gambianas estão a colaborar com as autoridades guineenses no sentido de estabelecer uma relação muito mais saudável. O Presidente Barrow enviou recentemente à Bissau uma delegação de quatro ministros para vir informar ao Presidente da República da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, de que estão disponíveis em prosseguir com os trabalhos no sentido de dinamizar a relação de cooperação e amizade entre os dois países.

Este gesto demostra a vontade das novas autoridades gambianas em continuar a cooperação com a Guiné-Bissau em todos os aspectos do quadro de cooperação assinado entre os dois países.

OD: Embaixador, o Senhor era considerado muito próximo ao Presidente Jammeh e, até se fala que goza de uma relação familiar com o Jammeh. Depois das eleições gambianas, o Senhor e mais um grupo de embaixadores abandonaram o regime e declararam apoio ao Presidente eleito. Como justifica a sua posição em particular, tendo em conta sua relação com o Presidente Jammeh?

AJ: É verdade que todo o mundo e inclusive as novas autoridades ficaram muito surpreendidos com a minha posição por causa da minha relação com o Presidente Jammeh. Aliás, eu fui um dos iniciadores desta iniciativa de manifestar o nosso apoio para com o Presidente eleito, Adama Barrow. Tanto aqui na Guiné-Bissau com na Gâmbia, diz-se que o Embaixador Jarju é o braço direito de Presidente Yahya Jammeh. Tornou-se difícil para muitas pessoas compreender a minha posição.

Isso é verdade, eu confirmo que eu era o braço direito do Presidente. Gozava de uma grande relação com ele, mas a grande verdade é que chegou dada altura em que o interesse da Nação estava acima de qualquer outro interesse! A nossa posição visava defender o nosso país e evitá-lo de um eventual conflito armado que tiraria a vida a um grande número de cidadãos gambianos.

Nada justificava que cegamente ficássemos atrás do Presidente Jammeh, que, aliás, primeiramente declarou publicamente que perdeu as eleições.

Numa certa altura voltou a dizer que não reconhecia mais resultados, tendo em conta os erros apontados ou declarados pela própria Comissão Nacional de Eleições. Nós diplomatas que trabalhamos como conselheiros das nossas autoridades a partir do exterior e tínhamos conhecimento de várias informações, sobretudo aquilo que estava a ser preparado para retirar o Presidente Jammeh do poder através de uso da força militar.

Perante este cenário, decidimos dar prioridade à estabilidade política e a paz à Gâmbia e aos seus cidadãos. Constatamos ainda que ficar do lado de Jammeh, que recusou os resultados eleitorais e apoiá-lo seria uma ameaça à paz na Gâmbia. Por isso decidimos aconselhá-lo através de uma carta, apelando que mantivesse a sua posição inicial, o que significava aceitar os resultados eleitorais. Houve má interpretação da nossa carta dentro da Gâmbia, porque algumas pessoas estavam a julgar a nossa posição.

Toda agente sabia da decisão de uso da força da parte da CEDEAO. Isso criaria uma grande confusão no nosso país, ninguém sairia como vencedor. Haveria apenas perdedores. O povo da Gâmbia morreria, o país seria destruído. Era melhor pautar por uma mudança pacífica. Foi a razão que nos levou a deixar o Presidente Jammeh e declarar apoio ao Presidente eleito, Adama Barrow. Aliás, temos a convicção que deve haver uma alternância do poder, mas o mesmo deve ser de uma forma pacífica, porque o fundamental era manter a calma e a tranquilidade no país. Manter a estabilidade política.

OD: Senhor Embaixador, falou em particular com o Presidente Jammeh sobre o assunto?

AJ: Falei com o Presidente Jammeh, pedindo-lhe que aceitasse os resultados eleitorais, que mantivesse a sua primeira posição inicial e que reconhecesse os resultados. Fomos mal interpretados pelas pessoas próximas do regime. Perguntou-me: Foi o Senhor Embaixador quem disse que, se não aceitássemos que o novo Presidente fosse investido na Gâmbia, que a cerimónia de investidura fosse transferida ou feita em Dakar?!

Respondi-lhe que as pessoas interpretaram mal a nossa carta, que apenas pedimos que aceitasse o resultado anunciado pela comissão eleitoral para a salvação da Gâmbia. Estamos no exterior para trabalhar a favor do nosso país, portanto sabemos o que está a ser preparado contra a nossa terra e não podemos ficar de braços cruzados sem fazer nada. Por isso pedimos-lhe que reconsiderasse a sua posição e voltar para a posição inicial.

OD: Qual foi a resposta do Presidente, depois da sua explicação?

AJ: Não quero falar muito neste assunto, espero que me compreendam!… A única coisa que posso explicar aqui é que se Jammeh tivesse aceitado o resultado, ele não sairia do país, para o exílio no estrangeiro.

OD: Embaixador foi demitido há alguns meses das suas funções na Guiné-Bissau. Qual será sua perspectiva em termos profissionais?

AJ: Estive aqui durante 12 anos e todo esse tempo não consegui ganhar nenhumas férias, porque cada vez tento entrar em férias, recebo a comunicação direta do Presidente Jammeh para voltar a Guiné-Bissau. Depois destes 12 anos, acho que preciso de algum tempo para repousar e pensar noutros projetos. Isso não significa que vou deixar a política, porque até sou muito novo ainda. Agora em vez da diplomacia, vamos entrar no exercício da política ativa e refletir sobre o futuro.

OD: Perspectiva exercer atividade política na Gâmbia?

AJ: A minha intenção é fazer política ativa no meu país.

OD: Vai integrar-se no partido de Yahya Jammeh, Aliança Patriótica para a Reorientação e Construção (APRC)?

AJ: Tudo dependerá do que vai acontecer depois… aliás, fazíamos parte do APRC desde que foi transformada, depois de golpe de Estado de 1994. E como se sabe, era um movimento de militares que deram o golpe para afastar o regime do Presidente Jawara. Depois foi transformado numa formação política.

OD: O Senhor Embaixador diz que não conseguiu férias nenhumas, porque sempre era chamado pelo Presidente Jammeh para voltar a Bissau. Qual era o grande interesse do Estado da Gâmbia, ou seja, do Presidente Jammeh em relação a Guiné-Bissau, que o levou a colocar o seu ‘braço direito’ como Embaixador neste país?

AJ: A história diz que todo o felupe vem da Guiné-Bissau, então o Presidente Yahya Jammeh tinha um interesse particular em relação à Guiné-Bissau. Assisti a entrega de Cartas Credenciais de uma Embaixatriz da Guiné-Bissau na Gâmbia. Ali mesmo o Presidente Jammeh disse àquela diplomata: Eu não faço a diplomacia clássica em relação à Guiné-Bissau, no entanto, trato a Guiné-Bissau diferentemente de qualquer outro Estado. Porque entendo que faço parte daquele país.

Neste sentido tudo aquilo que desejo para a Gâmbia é o mesmo que desejo para a Guiné-Bissau, porque sinto que o meu sangue está lá. Quero que transmita a sua autoridade o meu sentimento de estabelecer uma boa relação entre os dois países. Ele tinha o interesse de ver a Guiné-Bissau estável e próspera, ou melhor, num bom caminho.

OD: A sua demissão é uma retaliação do novo regime, devido a sua ligação com o Presidente Jammeh?

AJ: Podemos pensar desta forma, tendo em conta o procedimento da nossa demissão. No total foram 10 Embaixadores demitidos, dos quais dois (02) são funcionários de Estado e do resto estavam na reforma. Depois foram contratados. A situação deles é diferente da nossa. Embaixador na Guiné-Bissau e a Embaixatriz na Inglaterra são funcionários de Estado, mas fomos demitidos da função pública.

Isso demostra claramente que é uma retaliação do regime atual. Uma enorme falha cometida pelas autoridades gambianas. Nenhum Embaixador é demitido em funções. Enquanto estava na Guiné-Bissau não me podia demitir. Para demitir-me, de acordo com as normas, aliás,que é universal, teriam que me estabelecer um processo disciplinar que culminaria com uma sanção.

Infelizmente, todos esses procedimentos não foram verificados! A outra coisa é que um Embaixador não pode ser demitido em função, mas fomos surpreendidos com uma carta que nos informava da nossa demissão, e mais. Todas as nossas regalias foram suspensas! Para mim até não tem grandes problemas, porque estou na Guiné-Bissau, um país que considero a minha segunda pátria. Imaginem os meus colegas que estão na China, Malásia, Turquia ou na Inglaterra. Como é que eles vão viver?

O que a lei diz sobre este assunto é que as autoridades deveriam pagar o bilhete dos Embaixadores até à Gâmbia, informando-lhes que não podiam continuar. E seriam exonerados, mas isso se trata dos contratados. Para os funcionários públicos, é muito mais simples, porque apenas é mandá-lo para o seu ministério. Todo esse procedimento não está a ser observado até agora. Portanto isso leva-nos a crer que é uma retaliação do regime atual contra nós, porque éramos pessoas de confiança ou próximos do Presidente Yahya Jammeh.

OD: Pretendem avançar com alguma ação na justiça gambiana contra o governo que vos demitiu da função pública?

AJ: Estamos a coordenar uma ação, mas entendemos que devemos informar ainda às autoridades sobre o procedimento correto a ser seguido nestas circunstâncias. Nós enviamos uma carta ao governo sobre o procedimento correto que deveria seguir. Então voltaram a atrás e aceitaram custear as nossas viagens até Gâmbia. Estamos à espera dos bilhetes de avião para voltar ao nosso país.

OD: Quando é que foram demitidos?

AJ: A história da nossa demissão é muito estranha e ao mesmo tempo engraçada. Recebemos uma carta datada de 26 de maio, informando da nossa exoneração. Explicaram ainda na mesma carta que a decisão foi tomada desde o dia 16 do mesmo mês. Tínhamos sido demitidos desde o dia de 16 de Maio. Eu particularmente recebi a carta no dia 01 de junho e os outros no dia 07 etc…

OD: Para quando o início da função do novo Embaixador da Gâmbia na Guiné-Bissau?

AJ: Acabou de receber na sexta-feira passada o ‘Agrément’ das autoridades guineenses que lhe permite trabalhar como o Embaixador da Gâmbia na Guiné-Bissau. Gâmbia designa uma pessoa como o seu Embaixador na Guiné-Bissau e as autoridades guineenses tomam a liberdade de aceitar a pessoa como Embaixador no país através de um documento, que se chama ‘Agrément’. E agora já tem todo o caminho aberto para assumir a sua função.

OD: Podia-nos falar um pouco do perfil do novo Embaixador?

AJ: Infelizmente é uma pessoa que não conheço pessoalmente. Ele não é diplomata, então como se sabe, Embaixadores são prerrogativas do Presidente da República. Em caso da África as nomeações não vêm dos Negócios Estrangeiros. São nomeações políticas. Segundo informações que temos, é membro do partido no poder na Gâmbia. O novo Embaixador da Gâmbia para a Guiné-Bissau chama-se Mussa Sonco.

OD: Já agora como avalia o desempenho do Presidente Barrow?

AJ: Estamos fora do país e estamos cientes de que a transição não seráfácil. Cada país neste momento, cada presidente e cada democrata tem que aceitar críticas e até ‘insultos’. Como um democrata, tem que aceitar tudo isso. Ainda porque a população tem fome e está com a pressa de ver cumpridas as promessas eleitorais.

Estando fora do sistema, a apreciação feita é diferente daquela que poderíamos fazer, caso entrássemos no sistema. Repararíamos que a situação é contrária daquela que criamos quando estamos fora do sistema. Por exemplo, como quem está fora do campo tem uma visão do jogo, mas se entrar no jogo terá outra.

É assim na política. Se entrarmos no Estado com objetivo de construir, logo reparamos que não é nada fácil como pensávamos antes de chegar lá. Por isso, considero que as novas autoridades do meu país ainda estão na primeira fase, a de encontrar como começar o seu percurso. Poroutras palavras, estão a procura de um caminho, fato ainda que não aconteceu e a população está com a pressa de ver os resultados.

Nesta crise económica mundial que estamos a viver, particularmente num país tão pequeno como a Gâmbia que não tem recursos naturais,torna-se difícil esperar que este novo regime gambiano faça milagres, pois não encontrou ainda um caminho. É isso que podemos dizer em resumo.

OD: A Gâmbia agora pode ser considerada um país democrático?

AJ: O conceito da democracia é muito complexo e depende de quem o interpreta. Mas o que caracteriza a democracia está sempre presente na Gâmbia. Tudo depende da forma como queremos pintar este Estado. Primeiro indicativo de um país democrático é ter eleições regulares de cinco em cinco anos. Isto é a democracia. O poder é do povo e o povo tem que ir exercê-lo nas urnas. O que se pode questionar é o grau e nível da democracia. Mas como somos africanos, cada vez que achamos uma solução, os brancos procuram sempre acrescentar mais outros elementos.

Agora o ocidente quando avalia a democracia, fá-lo conjuntamente com os direitos humanos e a liberdade de expressão, mas estes são elementos que vem depois da democracia. Mesmo em Atenas (Antiga Grécia), onde nasceu a democracia, não era assim. Na altura, muitas pessoas foram mortas. Havia abusos naquela era em Atenas, mas tudo vem sendo aperfeiçoado cada vez mais. Nós entendemos que é uma fase de um Estado.

Vejamos o exemplo da Singapura. Quantos regimes ditatoriais passaram por lá antes de chegar ao nível do desenvolvimento que tem hoje? Para construir é preciso que haja ordem. Depois construir. Como dizem os chineses: Temos que dar a democracia ao povo em doses para não cairmos no caos, se não cairemos numa confusão. Por isso, consideramos isso de uma nova fase ou nova etapa do Estado gambiano na democracia. E Gâmbia poderá entrar assim no grupo de Estados de Direito democrático. Mas o caso da pena de morte, não é uma lei implementada na era de Jammeh, mas sim desde a era de antigo Presidente Dawda Jawara. E muita gente morreu devido a esta pena de morte. Mais tarde foi abolida por Jawara. Mas depois da chegada de Jammeh ao poder, ele restaurou a pena de morte. Não é uma lei nova instituída por Jammeh. Mas Gâmbia é sempre um país de democracia, porque nasceu na democracia, desde 1965.

OD: Como aprecia o papel da CEDEAO e das autoridades de Dakar em particular, durante o período eleitoral que ditou o abandono de Jammeh ao poder depois de 23 anos?

AJ: Sabe tudo que nos evita da guerra é bom. Com todos os seus defeitos, não podemos esperar um sistema perfeito. E CEDEAO está longe de ser uma organização perfeita, está a aplicar medidas diferentes para cada Estado. No nosso caso, diremos obrigado, porque evitou-nos de uma guerra que podia ser catastrófica. Não podemos esperar a perfeição da CEDEAO e nem podemos dizer que estão a fazer um bom trabalho, sobretudo naquele período pós-eleitoral. E num período recente, numa manifestação, as forças da CEDEAO atiraram sobre os manifestantes provocando mortos e feridos na aldeia de Kanilai. É muito triste e muito lamentável ver isso acontecer.

Relativamente às autoridades senegalesas, sabem que Dakar sempre teve uma relação tensa com Presidente Jammeh. Por isso, ao ver uma oportunidade como aquela quando ele [Yahya Jammeh] admitia que tinha perdido as eleições, Senegal aproveitou-se da situação para fazer pressão e se livrar de Jammeh,, que era como uma pedra no sapato das autoridades senegalesas.

OD: Alguns gambianos em particular os habitantes da sua aldeia ‘Kanilai’. O senhor Embaixador exige a retirada da força militar da CEDEAO da Gâmbia? O senhor defende a mesma ideia, a retirada das forças da CEDEAO?

AJ: Sim defendo e reitero. Quero a retirada das forças militares da CEDEAO de Kanilai! Não há nenhuma razão para a instalação das forças da CEDEAO em ‘Kanilai’. Quando decidimos pedir ao Presidente Jammeh para manter a sua primeira posição e aceitar a derrota, a nossa posição era para evitar o mal. É desta mesma forma que queremos pedir à CEDEAO para retirar a sua força de ‘Kanilai’, porque os habitantes de ‘Kanilai’ sentem-se ameaçados com a presença da ECOMIB. Para eles, a força da CEDEAO não foi lá protegê-los, mas sim aproveitar-se da ocasião para atacar os rebeldes de Casamança, a partir da aldeia de Kanilai.

Essa é a percepção de todos os habitantes daquela zona e até na região de Fonhé.
A aldeia de Kanilai é tida como ‘Cheval frontière – um cavalo na fronteira’. A aldeia encontra-se em cima, na zona montanhosa. De um lado estão as forças da ECOMIB e do outro lado da fronteira estão os rebeldes de Casamança. Se se envolverem em conflito, certamente que a população e a própria aldeia sofrerão as consequências graves deste conflito, que ceifaria muitas vidas.

O Presidente Jammeh, desde que assumiu o país, não instalou nem um só aquartelamento naquela aldeia. Os militares residiam nas próprias casas. Instalando uma força militar hoje naquela aldeia, a população tem toda a razão de encarar a iniciativa como uma ameaça à sua segurança. Por isso decidiu levantar-se para defender a retirada dos militares, porque temem um eventual confronto entre elementos dos rebeldes de Casamança e as forças de CEDEAO, que na sua maioria são senegaleses. Em caso de um eventual conflito, se os rebeldes não conseguirem atingir os soldados senegaleses, poderão atacar certamente a população de ‘Kanilai’.

OD: Há uma iniciativa das forças militares da CEDEAO de atacar os rebeldes?

AJ: Não. A CEDEAO não tem nenhuma iniciativa de atacar os rebeldes, mas o entendimento da população local é que, como a maioria dos elementos das forças de ECOMIB instalados em Kanilai são senegaleses… Sabemos todos que o Senegal e os rebeldes estão em conflito há longos anos. Estarão a usar a ‘camisa’ das forças da CEDEAO para estacionar ali e atacar os rebeldes?!

O contingente militar da CEDEAO estacionado em ‘Kanilai’ é constituído, na sua maioria, por senegaleses. Por isso, o medo geral é que o Senegal esteja a utilizar a CEDEAO para resolver os seus problemas com os rebeldes, se atacar a partir na linha fronteiriça em ‘Kanilai’.
OD: Gambia é tida pelas autoridades guineenses como um país irmão. Porém, é considerada como centro de refúgio de protagonistas de golpes ou sobressaltos contra regimes na Guiné-Bissau, com o apoio do Presidente Yahya Jammeh, que se teria aliado com militares para derrubar regimes na Guiné-Bissau. Que comentário faz em relação estas alegações?

AJ: É a mesma visão! Exatamente é a mesma visão que a Gâmbia tem da Guiné-Bissau! Para ser franco, no passado sempre foi assim. A tentativa do golpe de Estado de 1981 contra o regime vigente em Gâmbia, as armas e as preparações dos homens foram feitas aqui na Guiné-Bissau. E depois do fracasso dos golpistas, o líder do grupo Kukoi Sanyang refugiou-se na Guiné-Bissau. Foi recebido pelas autoridades guineenses e depois seguiu para Cuba.

A Gâmbia preocupa-se e deseja sempre o bem-estar da Guiné-Bissau. Um dos exemplos que posso citar aqui, é a vontade das autoridades gambianas de mediar o conflito político-militar de 7 de junho de 1998. As autoridades gambianas foram os primeiros a intervir para que houvesse um diálogo para a paz na Guiné-Bissau. O nosso ministro dos negócios estrangeiros na altura andou debaixo das balas aqui em Bissau,tudo para ajudar a encontrar a paz neste país. Gâmbia sempre contribuiu para que houvesse a paz na Guiné-Bissau.

Tudo aquilo que o Presidente Jammeh fez, ou seja, a recepção de Bubo Na Tchuto e Zamora Induta tem a ver com aspetos humanitários. Mas ninguém não podia usar a Gâmbia no regime de Jammeh, para desestabilizar ou preparar um golpe de Estado na Guiné-Bissau. Pode ter sido, mas não era do conhecimento do Presidente Jammeh.

OD: O Presidente Jammeh vê a Guiné-Bissau como centro de acolhimento de seus opositores políticos e militares que pretendiam derrubá-lo?

AJ: Não…não…nunca! Senegal sim, mas a Guiné-Bissau nunca! Jammeh nunca viu a Guiné-Bissau como um país que acolhe ou que dá refúgio aos opositores do seu regime. No passado sim, as autoridades gambianas viam a Guiné-Bissau como um país hostil a regime e que apoiava os opositores para mudá-lo. Mas na diplomacia, há momentos altos e baixos entre países, por isso consideramos aquele período de baixo na diplomacia entre os dois países. Houve acusações mútuas.

O comandante Kukoi esteve na Guiné-Bissau de 2005 até 2008 e 2009. Kukoi Sanyang sempre vinha à Guiné-Bissau. A Gâmbia sempre teve essas informações através dos serviços de segurança. Imagine! Se ouvimos que alguém que está contra nós frequenta a Guiné-Bissau, isso pode levar-nos a ficar com macaquinho na cabeça, pensando que talvez este país apoia o golpe de Estado contra nós, mas isso acontece sempre nas relações diplomáticas.

OD: É verdade que o Senhor servia de contacto entre os militares guineenses acusados de tentativa de golpe e o Presidente Jammeh, no caso que envolveu o almirante Bubo Na Tchuto, em Agosto de 2008?

AJ: Nós estamos sempre preparados para receber este tipo de críticas e acusações. As figuras públicas devem estar preparadas para isso. Os embaixadores são os primeiros ‘espiões’ dos seus países. Talvez esta não seja a expressão adequada. Mas vejamos bem. Será que se tivesse desempenhado esse papel, nunca teria construído uma casa aqui para depois das minhas missões diplomáticas decidir viver aqui na Guiné-Bissau. Se eu estivesse envolvido em qualquer perturbação aqui, nunca teria decidido construir uma casa e decidir viver aqui. É impossível. Isso demostra que estou de consciência tranquila de que não contribui em nada de negativo na Guiné-Bissau! Porque tinha a consciência de que depois de tudo é aqui que vou viver.

OD: A tentativa de assalto ao quartel dos Pára-comandos na noite de 21 de Outubro de 2012, diz-se que foi preparada em Badjul. Confirma que o Contra-Almirante Zamora Induta e o Capitão Pansau N’Tchama estiveram em Banjul para preparar o golpe contra o governo de transição de 2012?

AJ: Um regime de transição é sempre um regime de transição. Sempre procura consolidação e justificação. Isto deve ser da consciência de cada político ou de cada jornalista. Cada regime, quando assume o poder, faz de tudo para que seja aceite pelo seu povo. Outra coisa, como é que um Embaixador que está aqui em Bissau poderá saber tudo aquilo que está a acontecer em Banjul?

Naquela altura houve vários comentários nas rádios. Muitas especulações e inclusive até diziam que as bombas que Capitão Pansau utilizou foram trazidas por mim na minha viatura. É absurdo, eu sou diplomata de carreira. Estudei no Paquistão. Só em diplomacia tenho sete diplomas. Ainda que alguém pretendesse envolver-me em situações deste tipo, diria que ele não soube interpretar as minhas funções. Diplomacia é resolução de problema por meio do diálogo. Nenhuma violência está na diplomacia, por isso não podemos tomar partido nessas situações.

OD: O regime de Jammeh era acusado de apoiar uma das facções dos rebeldes de Casamança, em particular, o grupo dirigido por Comandante Salif Sadio, que igualmente é tido como hostil às autoridades guineenses. Que tipo de relação é que o atual regime gambiano pode estabelecer com as duas facções rebeldes do Movimento das Forças Democráticas de Casamança (MFDC), na sua perspetiva?

AJ: Isso não passa de uma acusação infundada. Até agora não há nenhuma prova exibida que prove tais alegações. É difícil lutar contra a rebelião, porque não é uma coisa que está escrita na testa das pessoas. Por exemplo, se fores a São Domingos ou a última tabanca da Guiné-Bissau, lá para zonas de Budjin, Cassolol ou Varela, assim como até a Pirada, as pessoas que habitam na linha fronteiriça casam-se entre si de ambos os lados. Temos irmãos deste lado e temos irmãos do outro lado da fronteira.

Estão nestas relações, será difícil a Guiné-Bissau e a Gâmbia serem tidas como países neutros no caso dos rebeldes. Sempre serão tidas como apoiantes dos rebeldes. Por exemplo, se tem uma irmã que se casou em Casamança e o teu sobrinho vier viver na tua casa, será quevais expulsá-lo? Claro que não pode, pois ele é teu sobrinho, pois tu não tens ideia se ele é ou não rebelde em Casamança.

Voltamos ao ponto sobre o qual já falamos, ‘Kanilai’ é uma localidade que se situa na zona da linha da fronteira, onde havia casas que tinham uma parte dentro do território senegalês e outra no território gambiano. Mais tarde é que Presidente do Senegal, Léopold Sédar Senghor, e o Presidente da Gâmbia, Dawda Jawara, decidiram negociar e resolveram perguntar aquelas pessoas a que país queriam pertencer. Dali ficou definida a zona em causa.

Tendo em conta tudo isso, imagine como podem acusar Jammeh de apoiar os rebeldes?! Isso nunca passará de uma acusação sem fundamento. Sempre será uma acusação. Ninguém pode provar que Jammeh apoiava os rebeldes. Se há quem tem provas, que as exiba.

Relativamente ao atual regime na Gâmbia, garanto que a política externa gambiana sempre será de paz e reconciliação. Se as novas autoridades da Gâmbia pudessem ser facilitadores para a negociação no processo de Casamança, certamente que o fariam com grande prazer, porque serão os seus nomes a ficar na história.


Por: Assana Sambú/Sene Camará
Foto: Marcelo N’canha Na Ritche
Julho de 2017