A imprensa ocidental, e por vício habitual de cópia, a mídia brasileira, resolveu assumir uma narrativa da atual e crítica situação do Oriente Média em termos de oposição intra-islâmica, colocando frente à frente a oposição entre as diversas concepções do Islã, em especial entre sunitas e xiitas. Em face do radicalismo das duas interpretações da mensagem do Profeta Mohammed o Islã estaria, definitivamente, dividido e a formação de unidades estatais viáveis seriam impossíveis.
De fato, ambas as vertentes se enfrentam, desde a morte do Califa Ali – primo e genro do Profeto - aqueles que defendiam a manutenção indicativa do “Califado” nas mãos dos ricos comerciantes do clã coraixita e os demais, que defendiam a linha sucessória na família do Profeta – com os descendestes de sua filha Fátima casada com Ali – tornou-se um ponto de forte divisão. O califado, esta forma de governo religioso e laico do Islã, foi formalmente extinto entre 1923 e 1924, quando os turcos consolidaram a República em seu país, e o monarca turco, o sultão, que era também o califa, perdeu seus títulos. Desde então o Islã não possui um califa, seja de tradição sunita, seja de tradição xiita.
Tal divisão, entre sunitas (tradicionalistas) e xiitas ( de “shia”, os partidários de Fátima e Ali ) só se aprofundou desde o cisma do século VIII: contatos com o mazdeísmo persa e cristianismo bizantino e a heresia nestoriana, o Islã xiita assumiu aspectos bastante diferentes do sunismo tradicional, admitindo romarias, cerimônias de flagelação, culto aos homens santos, relíquias e santuários (túmulos de homens santos, por exemplo em Karbala e Najaf), além de uma total repulsa ao “califa” ( de “kalifat rasúl Allah”, onde “califa” é o título do “sucessor” enviado por Deus, e que guardaria em si o poder civil e religioso). Após o assassinato de Ali, sangue do Profeto, e seus filhos, todos os “califas” (os “sucessores” seriam ímpios e carregariam a culpa do derramamento do sangue do verdadeiro e único Profeta.
O domínio turco sobre os árabes – desde o século XV até 1918 – e depois disso o domínio francês e britânico só aprofundaram as divisões, com as potencias coloniais escolhendo os sunitas – mais inclinados em aceitar as exigências do poder e reconhecer a autoridade dos governantes – para formar as elites dominantes pro-Ocidente. Foi assim no Iraque: uma rala minoria de sunitas foi organizada pela Grã-Bretanha, desde 1918, para governar a maioria da população xiita. Assim, sunitas e os interesses imperialistas ocidentais uniram-se no Iraque, no Líbano, na Síria, nos Qatar e na Arábia saudita – sempre resultando em ditaduras cruéis e altamente repressoras. Leia o artigo compelto