De visita a Paris, o presidente da Guiné, Alpha Condé, falou-nos de rutura com o passado. O também presidente da União Africana incarna uma nova postura nas relações com a antiga potência colonial, a França, com outros países africanos e com a União Europeia.
Mohamed Abdel Azim, euronews: Vivemos num período em que o terrorismo se globalizou. De que é que os países africanos mais precisam para enfrentar este fenómeno?
Alpha Condé: Fundamentalmente, falta-nos o desenvolvimento. O terrorismo expande-se através da pobreza e da injustiça. Se o terrorismo se dissemina em África, é porque há pobreza. O nosso combate primordial é pelo desenvolvimento. É isso que nos permite depois combater o terrorismo e lidar com a imigração. Neste momento, somos obrigados a recorrer à força militar com a ajuda externa, mas os africanos têm de assumir a sua própria defesa.
“Não queremos mais depender do estrangeiro”
“Não queremos mais depender do estrangeiro”
euronews: A possibilidade de cooperar com a União Europeia para controlar a imigração do Sul para o Norte está ainda a ser debatida?
AC: Nós expressamos aos nossos amigos da União Europeia que compreendemos os seus problemas. Também eles sabem que os nossos filhos não emigram porque querem, mas porque em África não têm o que precisam. A União Europeia tem de estar ao nosso lado. Podemos trabalhar para a Europa se houver uma cooperação que beneficie as duas partes.
euronews: A penúria alimentar é o principal fator de imigração?
AC: Não, existem também as consequências das alterações climáticas. É um grande problema. Apelámos a todos os Estados africanos e à comunidade internacional para virem ajudar os nossos irmãos dos países mais afetados. É evidente que as mudanças climáticas, a seca, têm um grande papel. A guerra também. Pretendemos pôr termo a tudo isto e é por isso que queremos que o continente africano se possa desenvolver, que possa fazer face aos desafios climáticos e estabeleça uma agricultura eficiente que erradique a fome.
euronews: No que toca à cooperação, que críticas tem a fazer à União Europeia?
AC: A questão não é fazer críticas à União Europeia. O nosso objetivo é fazer com que, antes de mais, África dependa dos seus próprios recursos. Não queremos mais depender do estrangeiro. Devemos cooperar com o resto do mundo – seja a União Europeia, a China, a Índia, o Brasil… -, mas primeiro os africanos têm de contar com eles mesmos, porque só assim é que nos desenvolvemos.
euronews: O seu discurso visa colmatar uma falta de coesão na União Africana?
AC: É o oposto. Hoje em dia, falamos a uma só voz. Chegámos a consenso para reforçar a nossa união, uma vez que temos a noção dos grandes desafios que África enfrenta. Só juntos os podemos enfrentar. A cacofonia deixou de existir. As reformas que estão a avançar na União Africana destinam-se a dotar-nos dos meios para fazer face a estes desafios.
“A relação com França nunca foi igualitária”
euronews: A questão da mutilação genital feminina é muito debatida. Quais são as políticas que considera necessárias para encontrar soluções viáveis para este fenómeno?
AC: Não se trata apenas de política, trata-se de educação. Estamos a falar de tradições ancestrais, mas que atentam contra a dignidade da mulher. É um grande problema atualmente na Guiné. Estamos mais atrasados do que outros países. Para além da política e da educação, temos também sanções. É intervindo em todos estes níveis que enfrentamos um problema que diminui as mulheres.
AC: Encaminhamo-nos para uma cooperação entre Estados soberanos, uma cooperação igualitária e benéfica para ambas as partes. Nós queremos que a França olhe para os Estados africanos como Estados maduros, soberanos. A cooperação tem de acontecer num quadro de soberania. Temos alguns elementos em comum com a França: um passado, a língua. Mas as nossas relações agora são entre países independentes. Por isso é que falo na maturidade de África.
euronews: Significa isso que considera que não houve até agora uma relação de igual para igual?
AC: A relação com a antiga potência colonial que é a França nunca foi igualitária. Mas já ultrapassámos isso. A França deve olhar para os países africanos como olha para o Brasil, por exemplo, ou qualquer outro país, numa base de cooperação entre Estados soberanos.
euronews: Pretende continuar na presidência da Guiné durante os próximos anos para desenvolver as políticas que iniciou?
AC: Porque é que nunca colocam essa questão aos dirigentes dos países asiáticos ou europeus? Porque é que só a colocam aos africanos?
euronews: Eu só faço a pergunta, não tenho a resposta…
AC: E eu faço-lhe a pergunta a si… Porque é que nunca colocam a questão também na Malásia, em Singapura ou à senhora Merkel: “Vai candidatar-se a um terceiro ou quarto mandato?’ Porquê só os africanos?
euronews: É uma pergunta recorrente…
AC: Nós queremos uma África madura, que decida o seu futuro e não que nos venham ditar o que fazer ou impor-nos uma forma de governar.
euronews: Tem toda a razão. Mas é uma pergunta legítima…
AC: Não, não é uma questão legítima. Pelo contrário, é ilegítima, porque querem impor-nos uma forma de ver as coisas que eles próprios não adotaram no passado. Desenvolveram-se de uma determinada maneira e agora não querem que façamos o mesmo. E nós, como é que nos vamos desenvolver?
“É preciso parar com o fantasma da ameaça chinesa”
euronews: Evoca frequentemente a China…
AC: Nós cooperamos com a China, tal como cooperamos com a Europa e com outros países. Nós queremos cooperações benéficas para ambas as partes, que respeitem África e lhe deem meios para se desenvolver. Podem até ser os marcianos a vir cooperar connosco… É preciso parar com esse fantasma da ameaça chinesa. Não passa disso, dum fantasma. Nós não olhamos para as coisas assim.
AC: É uma homenagem aos escritores guineenses e africanos em geral. Nós estamos muito orgulhosos e vamos fazer todos os possíveis para que o evento seja um sucesso.
euronews: Que figura mais o marcou a nível político?
AC: Em África?
euronews: Sim.
AC: A resposta é evidente. Como qualquer africano, é Nelson Mandela, claro. É a resposta de qualquer africano consciente.
Fonte: http://pt.euronews.com