sábado, 29 de abril de 2017

ANALISTAS CONSIDERAM DE ‘INOPORTUNA’ E VEEM UM ‘INTERESSE GEOPOLÍTICO’ NA VISITA DO MACKY SALL

A anunciada visita do Chefe de Estado do Senegal, Macky Sall é alvo, para já, de muita contestação de parte da sociedade guineense, que a entende de ‘inoportuna’ devido à crise política que assola o país há cerca de dois anos. No entanto, há ainda os que a consideram de uma oportunidade pelo Senegal para tirar proveito em termos das negociações sobre a partilha de rendimentos da exploração de recursos petrolíferos, denunciada pelas autoridades guineenses e que exigem a renegociação do referido acordo.
 
O Democrata ouviu os especialistas em relações internacionais e assuntos políticos, relativamente à visita do Presidente Macky Sall, se é oportuna ou não. Trata-se do Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais e que igualmente lecciona na universidade Jean Peaget, Midana Pinhel e Timóteo Saba M’Bunde, Mestre em Ciência Política, que é tido como o especialista em assuntos políticos da Guiné-Bissau, que no momento vive e trabalha no Brasil.
 
ESPECIALISTA EM ASSUNTOS INTERNACIONAIS DEFENDE ADIAMENTO DA VISITA DO PRESIDENTE MACKY SALL
Professor e Adjunto Coordenador do Curso de Ciências Políticas e Relações Internacional na Universidade Jean Peaget, Midana Pinhel defendeu que a visita deveria ser adiada tendo em conta o actual contexto político que se vive no país que, em sua opinião, pode correr o risco de ser um fracasso.
 
Midana Pinhel disse ainda que a visita de um Chefe de Estado ao seu homólogo é o ponto mais alto quando se fala de contatos diplomáticos e que a vinda do Presidente Macky Sall à Guiné-Bissau não é consensual tendo em conta as circunstâncias em que o país se encontra.
 
“O país está numa situação em que os seus filhos estão divididos e esta divisão mostra que uns estão à favor outros contra a visita do Presidente Macky Sall. Há uma parte que entende que o Macky Sall tem influenciado negativamente a resolução pacífica e democrática da actual situação política na Guiné-Bissau. É certo que nestas circunstâncias essas viagens são sempre adiadas. Isto permite que os que descontentes percebam o que se passa e que há um descontentamento. A visita do Chefe de Estado a qualquer país deve contar com mais de 80 por cento da população que se manifesta claramente a favor”, explicou.
 
Assegurou ainda neste particular que a visita de Chefe de Estado ao outro Estado é visto como uma relação fraternal entre os Estados. Adiantou, no entanto que, quando o Estado se sente reticente em prosseguir com uma visita devido às situações diversas, é recomendável que a viagem seja adiada, tendo em conta o risco em termos de relações internacionais.
 
Interrogado se defende o adiamento da visita do Presidente Macky Sall, respondeu que no seu entender a própria imagem do Senegal é que estará em causa, enquanto uma das potencias da sub-região que tem demostrado preocupado com a situação da Guiné-Bissau.
Sublinhou neste particular que Senegal, é um país que tem relações fraternais e que igualmente tem contribuído para o bem da Guiné-Bissau. Contudo, acrescenta que quando se trata de interesses, quando se trata de relações entre os dois Estados, as coisas podem ser diferentes.
 
“A meu ver, se não for por insistência e independentemente das circunstâncias e do risco da imagem do Senegal em termos diplomáticos e de relações internacionais, não se justifica a insistência nessa viagem. Quando se fala dos contactos diplomáticos ao mais altos nível, é preciso que se sinta certa segurança em qualquer deslocação de um Chefe de Estado. Mesmo da parte da Guiné-Bissau e do Senegal, vê-se e sente-se que há uma certa reticência em torno da visita do Chefe de Estado senegalês, que espero que seja bem sucedida”, observou o especialista em assuntos das relações internacionais.
 
Sustentou que, com a visita, o Presidente senegalês pretende demostrar que há uma estabilidade na Guiné-Bissau e que as coisas estão a funcionar normalmente e que há um governo legítimo. Acrescentou ainda que é preciso fazer um trabalho de fundo antes da visita do Chefe de Estado do Senegal agendada para o próximo dia 03 de maio, porque a imagem do Senegal pode de facto sair mal, se as coisas vierem a dar errado.
 
Sobre a relação que a Guiné-Bissau deve afirmar com o Senegal, explicou que deve haver uma relação entre Estados, porque ambos são Estados soberanos.
 
Relativamente a questão da partilha dos rendimentos da exploração do petróleo na zona de exploração conjunta que é tida como uma das principais agendas da visita do Presidente Macky Sall, Midana Pinhel disse que independentemente desse aspecto, a visita de um Chefe de Estado ao outro é sempre louvável, porque são ocasiões que se aproveitam para que os Estados se afirmem e reforcem as suas relações de amizade, económicas e de segurança.
 
“Acho que Macky Sall não quererá resolver esta situação nesta visita. A forma como se vê o Senegal e particularmente o Macky Sall nestas circunstâncias, acho que não seria bom ele estar a frente disto para tentar resolvê-la. Esta visita vai mais no reforço da questão política e será uma demostração que a Guiné-Bissau é um Estado seguro, onde reina a democracia e a estabilidade, por isso mereceu a visita de um Chefe de Estado de um país influente da sub-região”, precisou.
 
ANALISTA POLÍTICO VÊ OPORTUNISMO POLÍTICO E INTERESSE GEOPOLÍTICO NA VISITA DE MACKY SALL
O especialista em assuntos políticos, Timóteo Saba M’Bunde, disse na sua análise a’O Democrata que um possível fracasso da visita oficial do Presidente Macky Sall ao país constituiria um importante ganho político para a sociedade civil, ou seja, para o movimento que se manifesta publicamente contra ou inoportuna a visita, bem como para o próprio PAIGC que toma José Mário Vaz como um transgressor sistemático da Constituição e potencial ditador.
 
“Denunciar internacionalmente o Chefe de Estado e hostilizar os homólogos – especialmente da sub-região Oeste africana – que se aproximarem deste, como está a ser encarada por muitos a anunciada chegada de Macky Sall à Bissau, constituiria uma das armas do PAIGC e dos movimentos sociais no seu objetivo de desgastar e consequentemente solapar a figura política do Presidente”, nota o analista político.
 
Assegurou ainda que o Chefe de Estado guineense, José Mário Vaz e o seu círculo político, interpretam a aterragem de Macky no aeroporto ‘Osvaldo Vieira’ e uma possível calorosa receção popular como demonstração de monopólio político de sua presidência e do governo por ele patrocinado.
 
Para o analista político, a vinda do Presidente Macky Sall à Bissau na atual conjuntura política divide ainda mais a já polarizada sociedade guineense, cujos julgamentos sobre o corrente momento político, em grande parte, nutre leituras políticas de analistas de praça de Bissau, que em sua larga maioria são correligionários das alas políticas desavindas.
 
Interrogado sobre a possível agenda do Presidente Macky Sall na sua visita à Bissau, Timóteo Saba M’Bunde respondeu desta forma: “Mas que assuntos trariam Macky Sall à Guiné-Bissau? Boa pergunta… eu acrescentaria a esta pergunta o advérbio de tempo ‘agora’. Assim perguntaria: o que o chefe de Estado senegalês viria fazer justamente agora (daqui a pouco mais de uma semana) na Guiné-Bissau?”
 
“As questões relacionadas à renovação de distribuição de rendimento dos recursos petrolíferos e haliêuticos (o último acordo previa 85% da renda petrolífera para o Senegal e 15% para a Guiné-Bissau, e 50% dos recursos haliêuticos para cada país) vão pautar a agenda da diplomacia senegalesa em Bissau. Confesso a minha inquietude em não saber exatamente em que termos se produziria a renovação desses acordos. Mas tudo bem. É bom sempre que se diga que não há almoço grátis em relações internacionais”, observou.
 
Lembrou neste particular que o fim do longo regime autoritário de Yahya Jammeh em janeiro último, representa para o Senegal um importante acontecimento com vista ao enfraquecimento definitivo dos rebeldes de Casamança, que há décadas lutam ao sul do Senegal pela sua independência. Adiantou ainda que as autoridades senegaleses pertendem contar com eventual engajamento militar guineense, com vistas a um golpe final contra esses rebeldes que se instalaram nas selvas da fronteira norte da Guiné-Bissau com o Senegal, e que até há pouco tempo contavam com o apoio do recém-deposto regime gambiano, por isso este pode ser o principal assunto de o Macky Sall a tratar com o Presidente Vaz.
 
O especialista de assuntos políticos guineense avançou que tanto a agenda geoestratégica relacionada à distribuição do petróleo quanto ao dossiê geopolítico sobre a histórica questão de Casamança são temas delicados sobre os quais qualquer canetada e acordo merecem (devem merecer) um olhar escrupuloso e um tratamento resultante de um amplo debate que envolva todas as forças vivas da nação. Contudo, defendeu que “nesta altura isso seria inviável, devido não só à vigência de um governo sem programa e orçamento aprovados, mas também que não conta com suficiente legitimidade, além do facto de na atual conjuntura política do país haver uma profunda fragmentação do sistema político e crise sociopolítica dela decorrente”.
 
“Se a agenda oficial do Presidente senegalês fugir da tentativa de mediação da crise política que grassa o país (seria mais uma tentativa externa, diga-se de passagem), e do meu ponto de vista. E também seria oportunismo da parte da diplomacia do país vizinho, particularmente do seu primeiro mandatário nacional, Macky Sall – que estaria a aproveitar-se da flagrante fragilidade político-institucional do país para tentar aplicar e/ou expandir a agenda política senegalesa na Guiné-Bissau”, precisou.
 
Explicou que as leis das quais se bebe a política internacional informam ao máximo mandatário senegalês de que as fraquezas domésticas dos seus pares internacionais podem ser bem aproveitadas e convertidas em potenciais benefícios nacionais, tendo assegurado que agora “cabe à Guiné-Bissau se atentar aos seus interesses e saber proteger e defendê-los, instigando política e diplomaticamente o vizinho ao lado a estabelecer relações de cooperação nos termos que produzam para ambos os países ganhos mútuos”.
 
 
Por: Assana Sambú