[REPORTAGEM] Os populares da aldeia histórica de Lugadjol, Setor de Boé, Região de Gabú, no leste da Guiné-Bissau, responsabilizaram os protagonistas de golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980 pelo ‘assassinato’ da aldeia histórica, porque o ‘golpe de 14 de Novembro’ paralisou todos os projetos do desenvolvimento levados a cabo pelo defunto Presidente Luís Cabral, iniciados depois da independência.
Os populares alegaram que o sonho de Amílcar Cabral estava a ser implementado por Luís Cabral, primeiro Chefe de Estado do país, mas acabou por ser interrompido pelo golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980, protagonizado pelo falecido General – Presidente, João Bernardo Vieira “Nino”. Para os habitantes da aldeia, depois do golpe começou-se a registar a paralisação dos trabalhos e a degradação das infraestruturas e consequentemente o abandono da aldeia da parte dos representantes do Estado. No entender da população local, isso contribuiu para a ‘morte’ daquela aldeia considerada o berço ou símbolo da resistência e da liberdade do povo guineense.
A aldeia de Lugadjol albergava a base principal do partido incluindo o escritório do líder da guerra, Amílcar Cabral, que de acordo com os populares, prometera que depois da luta transformaria aquela pequena aldeia montanhosa numa pequena ‘cidade turística’ que o mundo inteiro estaria interessado a visitar para conhecer a história da luta de libertação nacional.
LUGADJOL VÍTIMA DE VENTOS DE GOLPE DE ’14 DE NOVEMBRO’ E DEIXADA A MERCÊ DE SEUS HABITANTES
O repórter do Jornal ‘O Democrata’ deslocou-se este fim-de-semana ao grande sector de Madina do Boé, juntamente com a comitiva da Organização Não Governamental – Associação de Médicos Voluntários (AMEV), e inteirou-se das dificuldades enfrentadas pelos populares da secção de Lugadjol.
Lugadjol, é oficialmente a sede do sector de Madina do Boé, mas devido ao isolamento e a degradação avançada das infraestruturas que albergavam as instituições estatais, a sede do sector foi transferida para a secção de Beli, que se encontra a 12 (doze) quilómetros de distância. A aldeia histórica tem uma população estimada em cerca de 100 habitantes, de acordo com último senso do Instituto Nacional de Estatistica (INE).
No entanto, a fraca densidade populacional tem a ver com a deslocação das populações que decidiram deixar a aldeia para ir residir em Beli, devido as dificuldades de conseguir água potável e a dificuldade de acesso à saúde. A secção fica a 97 quilómetros da cidade de Gabú (sede da região), mas leva-se mais de seis horas de tempo numa viatura em boas condições para viajar naquela zona, devido a má condição das infraestruturas rodoviárias que nem sequer parecem estradas.
A rota mais usada para viagem é a partir da cidade de Gabú, passando pelo rio Tchetche através de uma jangada, depois seguir a viagem e passar pela sede do sector (Beli) e continuar até a secção de Lugadjol, que devido o isolamento apresenta característica de uma pequena aldeia de ‘criadores de gado’.
De acordo com o professor da escola primária de Lugadjol, a população vivia sobre a montanha junto do local onde se encontra a casa histórica (escritório e residência de Amílcar Cabral), mas a escassez da água potável bem como de um campo para a produção agrícola levou-lhe a tomar a iniciativa de descer e construir uma nova aldeia.
O professor Samba Sane lembrou ainda que as autoridades, depois da independência, já tinham descido da montanha e construíram algumas infraestruturas que hoje estão em ruínas.
Balu Queta, combatente da liberdade da pátria, explicou ao repórter que todos os naturais daquela secção acreditavam que o Estado guineense transformaria Lugadjol numa pequena cidade e que criaria condições de saúde e infraestruturas rodoviárias para a sua população e recordou que depois da independência notou-se o empenho das autoridades naquela altura de implementar projetos de desenvolvimento na aldeia.
“Estávamos todos esperançados que íamos ver o fruto de nosso sacrifico durante a luta, porque primeiro, as autoridades elegeram Lugadjol como a sede do sector. Construíram-se casas para a residência de representantes de Estado. Infelizmente o golpe de 14 de Novembro matou sonho de Cabral e projeto de Presidente Luís que estava a construir infraestruturas na aldeia. Pode-se notar sinais de obras dos edifícios que ele queria construir. Agora ficamos aqui abandonados e algumas pessoas até fugiram da aldeia devido ao isolamento e à falta da água potável”, notou o ex-guerrilheiro do partido, que pertencia ao bi-grupo de Comandante Queba Mané, numa base próxima da aldeia de Vanduleide (Madina de Boé).
LUGADJOL – UMA SECÇÃO EM RUÍNAS, SEM ÁGUA POTÁVEL E PROIBIDA A SAÚDE
A maior dificuldade de momento que os habitantes de Lugadjol enfrentam, para além do isolamento e da falta de infraestruturas rodoviárias, tem a ver com a questão da água potável, que tem fustigado e muito a vida das mulheres e jovens raparigas que percorrem quilómetros a procura deste líquido precioso para satisfazer as suas necessidades.
O único fontenário que a aldeia possuía fora construída por organizações de apoio ao desenvolvimento, mas que deixou de funcionar há mais de dez anos e, por isso os habitantes decidiram voltar a beber água de uma lagoa que se encontra a mais de um quilómetro da aldeia.
A população beneficiou, a semelhança dos habitantes de Beli, de um poço de água potável que está a ser construído neste momento pela Organização Não Governamental – Associação de Médicos Voluntários, que através dos seus parceiros responderam a solicitação daquela população.
A lagoa usada pelos habitantes está localizada no meio da mata e num terreno montanhoso, sem nenhuma proteção. Os populares são obrigados a beber a água da lagoa, porque é o único que têm e particularmente na época da seca. Já na época da chuva não se sente muita dificuldade da água, dado que aproveitam muitas vezes água da chuva para lavar a roupa, cozinhar e inclusive para beber.
O chefe de tabanca, Aladjuma Embaló, reconheceu na entrevista que sua população sofre e muito como se se tratasse de uma maldição de um ser supernatural, mas diz que não fizeram nada de mal para merecer tanto castigo ou sofrimento. Frisou ainda que já se cansaram de informar as autoridades das suas dificuldades, no concernente à água potável
bem como a questão da saúde já que o centro que existe na aldeia não funciona há cerca de um ano e as pessoas são obrigadas a deslocar-se 12 quilómetros para consultas médicas e tratamento em Beli.
bem como a questão da saúde já que o centro que existe na aldeia não funciona há cerca de um ano e as pessoas são obrigadas a deslocar-se 12 quilómetros para consultas médicas e tratamento em Beli.
“As nossas mulheres e nossas filhas enfrentam dificuldades todos os dias de subir e descer a pequena rocha a procura da água. Não temos água e somos obrigados a beber aquela água nem nos preocupamos em saber se é boa ou não! Choramos junto das autoridades pedindo que nos construam novos poços de água. Até hoje nada! Agora graças a Deus, os nossos filhos estão a construir um poço para podemos beber água potável”, precisou.
MULHERES DE LUGADJOL SÃO SINÓNIMAS DE SOFRIMENTO E ‘FIRKIDJA’ DA FAMÍLIA
Cumba Colibali, que nasceu na cidade de Canchungo e que agora vive com o seu marido na aldeia, relatou ao repórter o sofrimento de uma ‘mulher de Lugadjol’. De acordo com a sua explanação, cuida das crianças em casa, vai buscar água e trabalha no campo com o marido para o cultivo de alimentos para a sobrevivência da família.
Explicou neste particular que a questão da água é uma das maiores dificuldades enfrentadas pelas mulheres de Lugadjol, que percorrem todos os dias um quilómetro a procura da água e depois deslocam-se à bolanha ou ao campo para trabalhar no cultivo de arroz. Sublinhou que mesmo estando grávidas, são obrigadas a fazer o mesmo trabalho todos os dias e até ao parto.
“Trabalhamos com a gravidez e deslocamos até a rocha para ir buscar água. Somos obrigadas a trabalhar para ajudar na sobrevivência da nossa família em casa. Eu, por exemplo, vou já para a lagoa, depois tenho que deslocar-me até a mata a procura de certa quantidade de lenha, porque já está a chover e, por isso buscamos lenha seca para guardar”, contou.
Solicitada a pronunciar-se sobre a violação dos direitos das mulheres naquela secção e particularmente dos casos de casamento forçado e precoce, Cumba Colibali confessou ao repórter que as mulheres de Lugadjol nem sequer sabem ou conhecem os seus direitos e muito menos ousam levantar a voz para exigir o seu respeito.
“Não sabemos e nem conhecemos essa coisa dos direitos das mulheres. A única coisa que os nossos pais nos ensinaram é respeitar os nossos maridos e servir-lhes condignamente, porque se diz é a partir da porta do casamento que uma mulher pode encontrar uma boa recompensa junto de Deus! Aqui damos as nossas filhas em casamento, quando atingem idade de casar, porque se não corremos o risco e vê-las engravidar nas ruas. Engravidar fora do casamento é uma humilhação para a família, portanto preferimos dar as meninas em casamento”, assegurou.
Sobre a questão de saúde, disse que o centro de saúde da aldeia não funciona já há muito tempo, pelo que as mulheres são obrigadas a andar 12 quilómetros para consultas médicas e tratamento de algumas doenças. Acrescentou ainda que mesmo estando grávida de quantos meses a mulher é obrigada andar aquela distância para efeitos da consulta médica. Porém, disse que as grávidas das outras aldeias percorrem mais 20 quilómetros a procura do centro de saúde de Beli.
“Andamos de motorizada e às vezes vamos a pé até Beli. Muitas vezes algumas mulheres preferem viajar um dia antes para ir dormir em Beli e no dia seguinte fazer a consulta. Temos o centro aqui, mas não tem condições de funcionamento e, por isso o técnico colocado foi juntar-se com o técnico de saúde do centro de Beli”, explicou Colibali, que entretanto, aproveitou a ocasião para pedir às autoridades a reabertura do centro de saúde.
O Democrata apurou que as portas do centro de saúde de Lugadjol foram encerradas desde os finais do mês de dezembro de 2016, por causa de falta de materiais de trabalho. Ainda de acordo com as informações, no início do mês de janeiro as autoridades sanitárias da região levaram mesas e secretarias para o centro e depois voltaram a fechar as portas até o momento da nossa reportagem.
PROFESSOR LAMENTA AUSÊNCIA DE ALUNOS QUE SÃO LEVADOS PELOS SEUS PAIS PARA TRABALHOS AGRÍCOLAS
O edifício da escola primária de Lugadjol está dividido em duas salas de aulas e conta apenas com um professor. Para o ano letivo 2016/2017, foram inscritas 76 crianças, 34 raparigas e 42 rapazes.
O edifício da escola que alberga os alunos de 1ª a 4ª classe, apresenta boas condições. A escola dispõe de 32 carteiras para cada sala de aulas. A grande dificuldade é a falta do professor, pelo que tomou-se a iniciativa de agrupar os alunos numa única sala de aulas.
A escola beneficia também de géneros alimentares concedidos pelo Programa Alimentar Mundial, através de apoio do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos de América no âmbito do Programa Cantina Escolar, que de acordo com as informações, são geridas pela comunidade.
Samba Sane, professor efetivo da escola de Lugadjol, que também é nativo daquela aldeia, explicou que para facilitar o seu trabalho foi obrigado a reunir os alunos numa única turma.
Informou neste particular que os alunos da 1ª e 3ª classe frequentam aulas no período de manhã, enquanto os alunos de 2ª e 4ª classe para o período da tarde. Lamentou, no entanto, a ausência dos alunos registadas nos últimos tempos, que segundo a sua explicação, são levados pelos pais e encarregados da educação para ajudarem no trabalho agrícola.
Assegurou que levou a preocupação ao chefe de tabanca que prometeu convocar uma reunião na aldeia, com o intuito de sensibilizar os pais e encarregados da educação para dispensarem as crianças nos trabalhos de campo, de formas a poderem frequentar a escola.
CHEFE DE TABANCA DE LUGADJOL DENUNCIA MORTES DE DOENTES DEVIDO A FALTA DE SERVIÇO HOSPITALAR
Aldjuma Embaló, chefe de tabanca de Lugadjol, denunciou as mortes de crianças recém-nascidas e de doentes devido à ausência de um bom serviço hospitalar que esteja à altura de fazer bom atendimento aos doentes e assistência às grávidas.
Lembrou que recentemente o seu neto feriu-se na perna, quando estava a trabalhar no campo agrícola e foi levado direto para o centro de saúde de Beli através de uma motorizada, mas quando chegaram ao centro e viram que o centro estava fechado, porque os técnicos de saúde foram participar numa reunião de coordenação regional realizada na cidade de Gabú.
“O menino ficou ai com dores e sem ser assistido. Um homem branco estava em Beli, no âmbito de trabalho de uma organização assistiu aquela cena toda que o causou indignação. Foi ele quem ofereceu alguns medicamentos para tratamento do menino e voltaram para a casa”, lamentou o chefe de tabanca, que entretanto, prosseguiu que a mesma situação aconteceu com uma mulher grávida de Beli que estava no trabalho de parto e que foi até ao centro e acabou por voltar a casa, porque ninguém estava la para atender as pessoas.
“Eu fazia parte das pessoas que levaram a mulher para o centro da aldeia de Candjaidudi e que também não estava a trabalhar, portanto fomos obrigados a seguir para a cidade de Gabú. Foi ali que a mulher conseguiu dar a luz as duas crianças gémeas, que acabaram por falecer todas, porque estavam todas cansadas. Estado da Guiné-Bissau tem a obrigação de nos tirar desta situação, porque somos população desta terra e temos os mesmos direitos como os outros cidadãos. Temos o direito de ter um bom centro de saúde equipado e adotado de pessoal suficiente, assim quando um saí para a formação o outro pode ficar para atendimento dos pacientes”, precisou.
Assegurou que a sua aldeia dispõe de um centro de saúde, mas que deixou de funcionar há vários meses por falta de materiais de trabalho. No entanto, apelou às autoridades guineenses no sentido de equipar o centro e colocar pelo menos dois técnicos de saúde, porque “o centro quando funciona serve também para os populares de outras aldeias. Aqui as tabancas são muito distantes e pode-se percorrer uma distância de até 20 quilómetros ou mais, no entanto, aquelas populações pertencem a essa área sanitária”.
Embaló disse que a população do sector de Madina do Boé em geral sente-se abandonada pelo Estado da Guiné-Bissau, que a proíbe até o direito a saúde. Lembrou também que o sector de Boé é único sector do país que não tem um liceu. Prosseguiu ainda que algumas escolas da secção de Lugadjol deparam-se com problemas de falta de carteiras e de professores, razão pela qual todos são obrigados a juntar os alunos de diferentes classes numa sala.
Relativamente à situação das infraestruturas rodoviárias, assegurou que não precisa falar sobre o referido assunto, porque o próprio jornalista já constatou a realidade crua vivida pelos populares durante a viagem.
“Nós não temos a estrada. São caminhos de motorizadas que são usados pelas viaturas, desde a independência e até a data presente não chegamos de beneficiar de nenhuma obra de reabilitação da estrada, mas não temos como fazer. Quando chove muito, as ligações entre as tabancas são cortadas por causa de pequenos braços dos rios”, espelhou.
Explicou ainda que era ele quem cuidava da “Casa Histórica” que se encontra em cima da montanha. Lamentou, no entanto, o comportamento dos dirigentes do país que nem sequer conseguiram dar atenção ao local histórico, que no seu entender deveria ser muito bem conservado.
“Muitas pessoas vêm até aqui para visitar a famosa aldeia de Lugadjol e a Casa Histórica, mas quando chegam e muitas vezes não acreditam que essa é a famosa aldeia histórica de Lugadjol. Confrontam-nos com as questões e outros até custa-lhes acreditar, se foi aqui a base estratégica do partido durante a luta. Uma vez recebemos uma visita de homens brancos que queriam visitar a aldeia e a Casa histórica. Quando chegaram aqui custou-lhes acreditar e até imploraram-nos para lhes indicar a aldeia histórica de Lugadjol. Disse-lhes é aqui a aldeia de Lugadjol e desloquei-me com eles até a Casa histórica, mas eles não esconderam a indignação que sentiram com a situação, desde a falta da estrada e a própria situação em que se encontra a aldeia e a casa histórica”, precisou.
Por: Assana Sambú
Foto: AS