sexta-feira, 27 de julho de 2018

AS OMISSÕES NAS ACUSAÇÕES ANGLO-SAXÓNICAS CONTRA A RÚSSIA

William Browder aquando de uma das suas
audições no Senado dos Estados Unidos.

É a Rússia de Vladimir Putin um Far West onde o Poder pode depenar um bilionário da sua fortuna, como no tempo de Boris Yelstin ? Imiscui-se ela no processo eleitoral norte-americano ? Tantas interrogações que não deixam lugar a dúvidas, segundo a tese da classe dirigente dos EUA. E, no entanto, terá bastado que o Presidente Putin tenha proposto uma comissão rogatória cruzada ao Presidente Trump para que a angústia tome conta de Washington.

A 16 de Novembro de 2009, o advogado fiscalista Sergey Magnitsky morre na prisão de Matrosskaya Tishina (Moscovo). De imediato, a imprensa dos EUA assegura que ele possuía informações sobre um escândalo de Estado e havia sido torturado pelo «regime».

                                                   A Lei Magnitsky


A morte de Magnitsky extingue o processo judicial lançado contra ele pelo Ministério da Justiça russo. O bilionário William (“Bill”) Browder declara, em Washington, que o fiscalista podia provar como o Poder russo lhe tinha roubado US $ 3 mil milhões (bilhões-br) de dólares. Apesar do lóbing da Goldman Sachs, o Congresso dos Estados Unidos, que acredita ter desvendado o caso, adopta, em 2012, uma lei sancionando personalidades russas suspeitas de ter assassinado o advogado. O banco, que não acredita nas informações dos parlamentares, contratou a empresa de lóbing Duberstein Group para tentar opor-se à votação da lei [1].

Seguindo este modelo, o Congresso estende, em 2016, a Lei Magnitsky (Magnitsky Act) ao mundo inteiro, impondo ao Presidente que ordene sanções contra todas as pessoas e todos os Estados que violem a propriedade individual. Os Presidentes Obama e Trump curvam-se, colocando, então, uma vintena de personalidades nesta lista, entre os quais o Presidente da República da Tchechénia, Ramzan Kadyrov.

Estas duas leis visam voltar a dar aos Estados Unidos o papel, de que se arrogara durante a Guerra Fria, de defensor da propriedade individual, muito embora já não tenham rival comunista.

As duas versões do «caso Magnitsky»

A Duma russa, essa, responde ao seu homólogo norte-americano interditando a adopção de crianças russas por famílias Norte-americanas e denunciando a responsabilidade de personalidades Norte-americanas na legalização da tortura (Lei Dima Yakovlev, do nome de uma criança russa adoptada nos EUA, morta na sequência de negligência dos seus pais). O Presidente Putin decreta este texto em 2013, interditando, por exemplo, o acesso ao território russo ao antigo Vice-presidente dos EUA, Dick Cheney.

O «caso Magnitsky» poderia ter terminado aí. Ele parece independente do «caso Khodorkovsky», que foi explorado pela OTAN afim de acusar a Rússia de ingerência nas democracias ocidentais através de desinformação («fake news» —”notícias falsas”) [2]. No entanto, o Procurador-geral (Promotor-br) da Rússia contesta a narrativa apresentada por Wiliam Browder ao Congresso dos EUA.

Segundo William Broder, a sua empresa, Hermitage Capital, teria investido na Rússia, nomeadamente na Gazprom. Aí, ele teria descoberto más práticas e teria tentado prevenir o Kremlin. No entanto, teriam então anulado o seu visto de residência. Depois, as suas empresas russas teriam sido roubadas por um funcionário da Brigada Financeira do Ministério russo do Interior, o Tenente-coronel Artem Kuznetsov. Este teria apreendido os documentos de registo de propriedade aquando de uma rusga, depois tê-los-ia utilizado para registar um novo proprietário. O advogado Sergey Magnitsky, que teria posto a nu o esquema de corrupção, teria sido preso, torturado e finalmente teria morrido na prisão. No fim, o Tenente-coronel Artem Kuznetsov e o «padrinho» Dmitry Klyuev teriam conseguido depositar os US $ 3 mil milhões de dólares roubados num banco cipriota. Tratar-se-ia de um clássico caso de escroqueria por uma máfia russa com a ajuda do Kremlin [3].

Esta narrativa inspira a sétima época da série televisiva do “showtime”, Homeland.

Pelo contrário, segundo Yury Chaika, Procurador-geral da Rússia, William Browder teria adquirido ilegalmente 133 milhões de acções da Gazprom por conta dos irmãos Ziff, via testas de ferro. Não apenas Browder não teria pago 150 milhões de dólares de impostos, como a própria aquisição de uma parte desta joia da economia russa seria ilegal. Além disso, o seu conselheiro fiscal, Sergey Magnitsky, que tinha montado uma outra escroqueria por conta do mesmo Browder, teria sido preso e teria morrido de um ataque cardíaco na prisão [4].

É, evidentemente, impossível separar o verdadeiro do falso entre as duas versões. No entanto, é agora reconhecido que Sergey Magnitsky não era um advogado trabalhando por conta própria, antes um advogado empregado pelas empresas de William Broder. Ele não investigava desvios de fundos, estava, sim, encarregado por Broder de criar estruturas financeiras que lhe permitissem não pagar impostos na Rússia. Os dois homens imaginaram, por exemplo, remunerar débeis mentais como empregados correntes de maneira a beneficiar da sua isenção fiscal. Broder era um “habitué” na evasão fiscal ; razão pela qual, viveu 10 anos na Rússia com simples vistos de turista, depois renunciou à sua cidadania norte-americana e adquiriu a britânica.

Estes últimos elementos tiram a razão a William Broder e são compatíveis com as acusações do Procurador Chaika. Nestas condições, parece, no mínimo, imprudente que o Congresso tenha adoptado a Lei Magnitsky, a menos que esta operação não visasse defender a propriedade privada, antes tenha, sim, sido apenas dirigida contra a Rússia [5].
Um líder da oposição russa a soldo de Browder

Junto com o National Endowment for Democracy (NED), Browder financia generosamente as acções de um jovem advogado, Alexei Navalny. Com a ajuda do Embaixador dos EUA, Michael McFaul, o jovem prossegue os seus estudos nos EUA, na Universidade de Yale, em 2010. Ele cria uma Fundação Anti-Corrupção para promover a versão de Browder e culpar a Administração Putin.

Tendo-se tornado um líder da oposição política, Navalny realiza com a sua Fundação um primeiro documentário para acusar a família do Procurador Chaika de corrupção. Se o vídeo parece a princípio convincente, ele não fornece, realmente, nenhuma prova dos factos relatados.
Simultaneamente, Navalny encomenda un segundo documentário a um realizador russo da oposição sobre a «caso Magnitsky». Mas, este jornalista vira-se contra o seu empregador durante a sua investigação, a qual acaba, finalmente, difundida pela televisão pública russa.
Um espião e um embaixador a soldo de Browder
Em seguida, William Broder contrata um antigo agente do MI6 em Moscovo (1990-93), Christopher Steele, e o antigo Embaixador dos EUA em Moscovo (2012-14), Michael McFaul.

Acontece que fora Christopher Steele quem, em 2006 —no seio do MI6— acusara o Presidente Vladimir Putin de ter ordenado o envenenamento de Alexander Litvinenko, com Polónio. Em 2016, ele trabalhou igualmente —a título privado desta vez— para o Partido Democrata dos EUA. Foi então que redigiu o famoso dossiê acusando o candidato Donald Trump de estar sob chantagem dos Serviços Secretos russos [6] ; uma imputação gratuita que acaba de ressurgir após a Cimeira bilateral de Helsínquia. E, voltamos a encontrar Steele, em 2018, aquando do envenenamento com “Novitchok” de Sergei Skripal, acusando —agora enquanto «consultor» do MI6— o inevitável Vladimir Putin.
A resposta russa

Durante a campanha presidencial dos EUA em 2016, o Procurador-geral russo, Yury Chaika, tenta convencer um membro do Congresso receptivo às teses russas, Dana Rohrabacher (Republicano da Califórnia). Ele remete-lhe uma nota sobre a sua versão do “caso Browder-Magnitsky”. Depois, a advogada russa Natalia Veselnitskaya encontra-se com o filho e o genro de Donald Trump, na Torre Trump, para os informar que uma parte do dinheiro sujo de Browder estava a servir para financiar a candidatura de Hillary Clinton [7].

Em seguida, William Browder tornou-se a principal fonte da investigação sobre uma possível ingerência russa contra a «democracia dos EUA» conduzida pelo Procurador-especial Robert Mueller. Muito antes de ser director do FBI, Mueller —que não tem oficialmente nenhuma ligação com a CIA— foi responsável pela investigação do atentado de Lockerbie que ele atribuiu a Muammar Kaddafi. Lembre-se que a Líbia jamais admitiu estar implicada nesse caso, mesmo depois de aceitar pagar uma indemnização (indenização-br) às vítimas. Acima de tudo, a justiça escocesa estabeleceu que os fragmentos de detonador encontrados no local foram lá colocados pela CIA, afim de levar a acusar a Líbia. Mueller utilizou o encontro da equipa Trump com Natalia Veselnitskaya como «prova» da subordinação de Donald Trump aos Serviços de Inteligência russos.

Natalia Veselnitskaya representa nos Estados Unidos os interesses de várias vítimas de Browder na Rússia. Ela havia já agido, em 2014, em nome de uma das empresas que Browder acusa de estar ligada ao «padrinho» Dmitry Klyuev. Na altura, tinha levantado a questão de como o agente da Segurança da Pátria (Homeland Security), Todd Hyman, havia enviado uma prova ao tribunal sem proceder às perícias necessárias.

O momento da verdade não acontecerá

Aquando da Cimeira americano-russa de Helsínquia, o Presidente Russo, Vladimir Putin, propôs ao seu homólogo Norte-americano permitir a investigadores norte-americanos interrogar funcionários russos suspeitos de se terem imiscuído na campanha presidencial dos EUA, sob condição de que investigadores russos possam, igualmente, interrogar suspeitos nos EUA. Donald Trump reserva a sua resposta.

No entanto, quando o gabinete do Procurador Yury Chaika apresenta a sua lista de testemunhas a interrogar, Washington entra em choque. E não só, ele pede para ouvir os britânicos William Broder e Christopher Steele, se eles se deslocarem aos Estados Unidos, mas também o embaixador Michael McFaul, o advogado Jonathan Winer, o pesquisador David J. Kramer e, finalmente, o agente Todd Hyman.

Jonathan Winer esteve encarregado do dossiê Lockerbie no Departamento de Estado durante os anos 90. É um amigo pessoal de Christopher Steele, de quem passou, durante uma década inteira, os relatórios aos neo-conservadores [8].

Durante o primeiro mandato de Bush Jr, David J. Kramer jogou um papel importante na gestão do sistema de propaganda do Departamento de Estado, assim como junto de agentes stay-behind na Europa Oriental e na Rússia. Depois de ter trabalhado em vários “think-tanks”, ele tornou-se o presidente da Freedom House e fez campanha sobre o «caso Magnitsky». Hoje em dia, é pesquisador no Instituto de John McCain.

Se, até agora, nada permitia decidir entre as versões de Browder e de Chaika, a verdade não tardará muito a surgir. É possível que a ingerência russa não passe de uma operação de “intox”, mas que a ingerência dos EUA (tanto pela imiscuição no estandarte da economia russa como via Alexeï Navalny) seja, essa, uma realidade.

No contexto da unanimidade reinante em Washington contra a Rússia, o Presidente Trump declina a proposta de Vladimir Putin.

*Thierry Meyssan
Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).

Tradução
Alva