– Donald Trump terá sido eleito pela Rússia?
– Reacção dos media de referência à
reunião Trump-Putin
Por onde começar a analisar a
loucura dos media de referência em reacção à
reunião Trump-Putín
em Helsínquia? Ao concentrar-se na psicologia individual, a psicologia
relegou o problema da insânia em massa, a qual agora subjugou o
establishment dos Estados Unidos, seus mass media e a maior parte dos macacos
de imitação europeus. Os indivíduos podem ser sãos,
mas como uma manada eles estão prontos para saltar o abismo.
Durante os últimos dois anos, um grupo de poder específico tentou
explicar a sua perda de poder – ou antes, a sua perda da
presidência, pois ele ainda predomina no poder institucional –
através da criação de um mito. Os media de
referência são conhecidos pelo seu comportamento de manada e,
neste caso, editores, comentadores, jornalistas apresentaram uma narrativa em
que inicialmente eles próprios dificilmente poderiam acreditar.
Donald Trump terá sido eleito
pela Rússia?
À primeira vista, isto é absurdo. Claro, os Estados Unidos podem
forjar eleições fraudulentas nas Honduras, ou na Sérvia,
ou mesmo na Ucrânia, mas os EUA são demasiado grande e complexo
para deixar a escolha da Presidência a uma barragem de mensagens
electrónicas totalmente não lidas pela maior parte dos eleitores.
Se isto fosse assim, a Rússia não precisaria tentar "minar
nossa democracia". Isto significaria que a nossa democracia já
estava minada, em cacos, morta. Um cadáver em pé pronto para ser
derrubado por um tweet.
Mesmo se, como é alegado sem provas, um exército de
bots
russos (ainda mais vasto do que os notórios bots do exército
israelense) estivesse a assediar os media sociais com as suas calúnias
nefastas contra a pobre e inocente Hillary Clinton, isto poderia determinar uma
eleição apenas num vácuo, sem outras influências no
campo. Mas havia muitas outras coisas a acontecerem nas eleições
de 2016, algumas a favor de Trump e outras de Hillary, e a própria
Hillary marcou deu próprio objectivo crucial ao denegrir milhões
de americanos como “deploráveis” porque eles não se
ajustavam na política de identidade dos seus círculos eleitorais.
Os russos nada podiam fazer para dar apoio a Trump e não há nem
um indício de prova de que o tenham tentado. Eles poderiam ter feito
alguma coisa para prejudicar Hillary, porque havia muito ali: os emails do seu
servidor privado; a fundação Clinton; o assassinato de Gaddafi; o
pedido de uma zona de exclusão aérea na Síria ... eles
não precisavam inventar isto. Estava lá. O mesmo aconteceu com a
promiscuidade do Comitê Nacional Democrata (CND), sobre o qual as
acusações se concentram clintonitas, talvez para fazer com que
todos esqueçam coisas muito piores.
Quando se chega a pensar nisto, o escândalo do CND centrou-se em Debbie
Wasserman Schultz, não na própria Hillary. Berrar acerca de
"russos a hackearem o CND" tem sido um diversionismo em
relação a acusações muito mais séries contra
Hillary Clinton. Apoiantes de Bernie Sanders não precisaram de tais
revelações para deixarem de gostar de Clinton ou mesmo para
descobrir que o CND estava a trabalhar contra Bernie. Isto sempre foi
perfeitamente óbvio.
Assim, na pior das hipóteses, "os russos" são acusados
de revelarem alguns factos menores referentes à campanha de Hillary
Clinton. Grande coisa.
Mas isso é suficiente, depois de dois anos de
falsificações, para remeter o establishment para um furor de
acusações de "traição" quando Trump faz o
que disse que faria quando estava em campanha, tentar normalizar
relações com a Rússia.
Este berreiro vem não só do
mainstream
dos EUA como também das elites europeias as quais durante setenta anos
foram domesticadas como caniches ou bassets obedientes do zoo americano,
através da pressão intensa de "associações de
cooperação" americanas transatlânticas. As ditas
elites basearam suas carreiras na ilusão de partilhar o império
mundial ao seguir os caprichos dos EUA no Médio Oriente e ao mudar a
missão das suas forças armadas da defesa para unidades de
intervenção externa da NATO sob o comando dos EUA. Não
tendo pensado seriamente acerca das implicações disto durante
meio século, elas entram em pânico à sugestão de
serem deixadas por conta própria.
A elite ocidental agora sofre de demência auto-infligida.
Donald Trump não é particularmente articulado, navegando
através da linguagem com um pequeno vocabulário repetitivo, mas o
que ele disse na sua conferência de imprensa em Helsínquia foi
honesto e mesmo corajoso. Tal como os cães ladram pelo seu sangue, ele
muito correctamente recusou-se a endossar as "descobertas" das
agências de inteligência dos EUA, catorze anos depois de as mesmas
agências terem "descoberto" que o Iraque estava repleto de
armas de destruição em massa. Como é que alguém no
mundo poderia esperar qualquer outra coisa?
Mas para os media que se proclamam como referência, "a
narrativa" na cimeira de Helsínquia, mesmo a
única
narrativa, foi a reacção de Trump às
acusações forjadas de interferência russa em nossa
democracia. Você foi ou não foi eleito graças a hackers
russos? Tudo o que eles queriam era uma resposta sim ou não. A qual
não poderia ser sim. Assim poderiam escrever suas notícias com
antecedência.
Qualquer um que tenha frequentado os meios dos jornalistas
mainstream,
especialmente aqueles que cobrem os "grandes temas" nos assuntos
internacionais, está consciente da sua obrigação de
conformismo, com poucas excepções. Para conseguir o emprego, ele
deve ter "fontes" importantes, o que significa porta-vozes
governamentais desejosos de contar o que é "a narrativa",
muitas vezes sem serem identificados. Uma vez que eles sabem o que é
"a narrativa", estabelece-se a competição:
competição no como contá-la. Isso leva a uma escalada da
retórica, variações sobre o tema: "O presidente traiu
nosso grande país entregando-o ao inimigo russo.
Traição!"
Este coro enlouquecido sobre o "hacking russo" impediu mesmo os media
mainstream
de fazerem a sua tarefa. Até mesmo de mencionar, e muito menos
analisar, qualquer das questões reais na cimeira. Para encontrar
análises deve-se ir
on line,
longe das falsas notícias oficiais da reportagem dita independente.
Exemplo: o sítio
the Moon of Alabama
apresenta uma interpretação inteligente da
estratégia de Trump, a qual soa infinitamente mais plausível do
que "a narrativa". Em suma, Trump está a tentar cortejar a
Rússia para afastá-la da China, numa versão invertida da
estratégia de Kissinger de quarenta anos atrás de cortejar a
China para afastá-la da Rússia, evitando assim uma aliança
continental contra os Estados Unidos. Isto pode não funcionar porque os
EUA se demonstraram tão inconfiáveis que os cautelosos russos
provavelmente não abandonarão sua aliança com a China em
troca de sombras. Mas isto faz perfeito sentido como uma
explicação da política de Trump, ao contrário dos
miar de gatos que temos ouvido de senadores e de apresentadores na CNN.
Tais pessoas parecem não ter ideia do que é diplomacia. Elas
não podem conceber acordos que fossem benéficos para ambos os
lados. Não, para elas tem de ser um jogo de soma zero, o vencedor fica
com tudo. Se eles vencem, nós perdemos e vice-versa.
Elas também não têm ideia do dano para ambos os lados se
não concordarem. Elas não têm projecto, nem
estratégia. Apenas odeiam Trump.
Ele parece totalmente isolado e todas as manhãs vejo os
noticiários para ver se já foi assassinado.
É inimaginável para quaisquer moralistas maniqueus que Putin
também estar sob fogo internamente por deixar de repreender o presidente
americano pelas violações dos EUA direitos humanos em Guantanamo;
ataques de drones assassinos contra cidadãos indefesos por todo o
Médio Oriente; pela destruição da Líbia em
violação do mandato da ONU, pela interferência nas
eleições de incontáveis países por
"organizações não governamentais" financiadas
pelo governo (a National Endowment of Democracy); pela espionagem
electrónica à escala mundial; pelas invasões do Iraque e
do Afeganistão, sem mencionar a maior populacional prisional do mundo e
os massacres de crianças de escolas. Mas os diplomatas russos sabem como
ser polidos.
Ainda assim, se Trump realmente fizer um "acordo", poderá
haver perdedores – não os EUA nem a Rússia, mas sim
terceiros. Quando duas grandes potências chegam a um acordo, muitas vezes
é a expensas de outrem. Os europeus ocidentais temem que sejam eles, mas
tais temores são infundados. Tudo o que Putin quer é
relações normais com o Ocidente, o que não é pedir
muito.
Ao invés disso, o candidato número a pagar o preço
são os palestinos, ou mesmo o Irão, de modos marginais. Na
conferência de imprensa, indagado acerca de possíveis áreas
de cooperação entre as duas potências nucleares, Trump
sugeriu que os dois podiam concordar na ajuda a Israel:
"Ambos falamos com Bibi Netanyahu. Eles gostariam de fazer certas coisas
em relação à Síria, tendo a ver com a
segurança de Israel. Quanto a isso, gostaríamos absolutamente de
trabalhar a fim de ajudar Israel. Israel estará a trabalhar connosco.
Assim ambos os países trabalhariam em conjunto".
Em termos políticos, Trump sabe onde reside o poder e está
contando com a influência do lobby pré Israel, o qual reconhece a
derrota na Síria e a crescente influência da Rússia, para
salvá-lo dos imperialistas liberais – uma aposta ousada, mas ele
não tem muita escolha.
Acerca de outro assunto, Trump disse que "nossos militares"
entendem-se melhor com os russos "do que os nossos políticos".
Trata-se de outra aposta ousada, sobre o realismo militar que poderia de algum
modo neutralizar o lobby no Congresso do complexo militar industrial por cada
vez mais armas.
Em suma, a única probabilidade de finalizar a ameaça da guerra
nuclear pode depender do apoio a Trump de Israel e do Pentágono!
Os histéricos globalistas neoliberais parecem ter descartado qualquer
outra possibilidade – e talvez esta também.
"Diálogo construtivo entre os Estados Unidos e a Rússia
adianta a oportunidade de abrir novas vias rumo à paz e à
estabilidade no nosso mundo", declarou Trump. "Eu antes assumiria um
risco político em busca da paz do que arriscaria a paz em busca da
política", acrescentou.
Isso é mais do que os seus inimigos políticos podem reivindicar.
20/Julho/2018
Da mesma autora:
https://resistir.info/eua/johnstone_20jul18.html
|