Este artigo é como o vinho do Porto. Vale a pena ler e reler.
"Portugal dominou Angola durante anos. Agora os papéis inverteram-se." Este é o título que o New York Times dá a um longo artigo que publica sobre as relações entre Portugal e Angola, na véspera das eleições angolanas.
“O colonizador foi colonizado”. Este é o mote para um longo artigo que explica como o dinheiro angolano tem comprado coisas, casas, e empresas em Portugal. E, sobretudo, como a elite angolana tem usado Portugal para lavar dinheiro, nos últimos dez anos.
A reportagem – extensa – começa em Cascais, no Estoril Sol Residence. O diário norte-americano conta como este bloco de apartamentos luxuoso na marginal que liga Lisboa e Cascais, atraiu altas figuras angolanas, ao ponto de ser já conhecido como “o prédio dos angolanos”. O jornal não diz, mas é sabido que o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, é um dos muitos proprietários angolanos, e terá pago cerca de 3,8 milhões de dólares pelo 9º andar, que só tem mar à frente.
A vinte cinco quilómetros de distância, na Avenida da Liberdade, está um escritório discreto, junto a uma loja exuberante. Isabel dos Santos tem um escritório, no primeiro andar do número 190, ao lado da Louis Vuitton. Conta o New York Times, que esta milionária angolana “se tornou uma das figuras mais poderosas de Portugal, ao comprar posições importantes na banca, nos media e no setor da energia”.
Os dois casos servem para sustentar o artigo do New York Times: há uma elite angolana, que acumulou fortunas e que está a lavar dinheiro em Portugal. Como? Criaram-se condições perfeitas, explica o diário norte-americano. Angola, ex-país pobre, mas rico em petróleo, beneficiou do boom do ouro negro, e conseguiu enriquecer-se durante a liderança de José Eduardo dos Santos, ao ponto de poder adquirir, em Portugal, o que os portugueses não conseguiam comprar, por conta de uma crise financeira que abalou o país.
Daqui ao tema da corrupção, é um parágrafo. Lê-se no artigo que “Angola está frequentemente no topo dos países mais corruptos do mundo e Portugal destacado pela sua permissividade no combate ao branqueamento de capitais e à corrupção, particularmente em relação aos angolanos, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico”. Direta ao assunto, diz Ana Gomes, deputada do Parlamento Europeu, à publicação. “Em Angola, chamam lavandaria a Portugal”. “Porque é”, justifica.
O caso Manuel Vicente é citado, acusado de ter subornado um juiz português para anular uma investigação sobre corrupção. E, entre outras coisas, escreve o jornal, “de ter lavado dinheiro com a compra de um apartamento do ‘prédio dos angolanos’ na Costa de Cascais”, o tal 9º andar com vista mar no Estoril Sol. O jornal lembra, também, um incidente diplomático de 2013, que levou Angola a ameaçar cortar relações com Portugal reagindo à investigação de altos funcionários angolanos pelas autoridades portuguesas, por alegada corrupção. O que levou, escreve o jornal norte-americano, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, a desculpar-se. É citado um outro relatório do Departamento de Estado norte-americano sobre branqueamento de capitais e é mordaz: “fundos suspeitos com origem em Angola são usados para comprar negócios e imobiliário em Portugal”.
É facto: os angolanos têm biliões investidos em Portugal, em vinhos, jornais, equipas de futebol, em empresas públicas e privadas, e outros troféus que lhes vão sendo importantes. Para uns o investimento angolano é bom e bem vindo, ajudou Portugal, quando “em certos momentos foi o único investidor do país”, reconhece António Monteiro, chairman do Millennium BCP. Para outros, o problema é a origem do dinheiro investido em Portugal: “Se Angola foi o front office da corrupção, Portugal foi o back office”, admitiu João Batalha, o presidente da Organização Transparência e Integridade.