Por: Ismael Sadilú Sanhá, via facebook
Doutorando em Políticas Públicas
Bissau, 13 de Agosto de 2018
Na situação “atípica”, tchebeti mom na barkafon di kumpanher ka mati
Pode até parecer sarcástico ou ainda jocoso, mas de há alguns anos para cá, devido aos momentos atrelados por que a Guiné-Bissau tem passado, apesar de ainda continuar a resistir às intempéries e fortes investidas provenientes de “djundja djundja pulitiku” (disputa política), os ditos eruditos e os políticos tentam encontrar uma palavra-chave ou um rótulo, seja pejorativo ou elogioso, para explicar o descalabro da situação política.
Entre as palavras que mais ouvi vezes sem conta e que, a meu ver, encaixa na perfeição das coisas é palavra “atípica”. Em Portugal, um político de alta craveira apelidou de “geringonça” o actual governo, resultante de uma coligação entre o Partido Socialista (PS) e os partidos da esquerda tidos como radicais, porque a linha que orienta as suas políticas não compagina com o sistema capitalista, em virtude do desmantelamento do “Welfare State” (Estado provedor).
A situação “atípica” e que vive o país revelou ser um arauto de todas as desgraças que pairam sobre a nossa terra, uma vez que jungiu energicamente a parafernália indispensáveis à consolidação da democracia. Em decorrência, tem-se assistido às constantes convulsões políticas, interrupção temporária da Constituição da República, à ineficácia do sector judiciário, ao caos social etc.
Perante está amálgama inerente à conjuntura actual, a única pessoa que ainda resiste às ondas de “atipicidade”é o Presidente da República, por o seu mandato ainda estar em curso nos termos constitucionais. Os Deputados já entraram na “aticipidade” devido à caducidade dos seus mandatos balizados pela lei, mas conseguiram forjar o seu resgatamento e manutenção. Também a justiça passou a ser “atípica”, devido à não observância estrita das leis.
Entretanto, devido à adversidade de “atipicidade”, é assaz cristalina que ir às eleições no dia 18 de Novembro, apesar da obrigatoriedade de se cumprir escrupulosamente com o calendário eleitoral, a curto ou a médio termo, as eleições não serão uma panaceia para mudar o estado das coisas a que chegamos. De facto, só servirão para desempatar a vigente contenda e, sobretudo, demonstrar na prática quem é quem nesta nova configuração política.
Convém relembrar que, a partir do dia em que foram seladas as portas da ANP, iniciaram-se séries de coisas “atípicas”, nomeadamente a tomada de decisões fora do quadro legal, que culminou com a prorrogação do mandato dos representantes da casa do povo. “Atipicamente” também foram sancionados 19 individualidades que, no meu entendimento, tinha como objectivo arredar temporariamente do jogo político os principais decisores envolvidos na tomada de decisão, para assim desbravar o caminho. Por isso, foram implicitamente acusados de causar perturbação para se encontrar uma saída airosa para a crise. Assim ficou mais fácil impedir os 15 deputados expulsos do PAIGC de tomar parte na negociação para formação de um governo inclusivo, tendo sido igualmente invocado que ainda faziam parte da bancada parlamentar do partido porque foram eleitos.
E, nesse vai e vem “atípico”, apesar de não granjear toda simpatia dos autores envolvidos nesta azáfama, com o empurrão da CEDEAO, felizmente, conseguiu-se nomear o Primeiro-ministro, Dr. Aristides Gomes, que tem a tarefa ingente de remover todos os empecilhos à realização de eleições.
Depois da escolha de um novo Primeiro-ministro, de entre todas as questões, a mais importante era “rabata rabata, assumbu lélé di bornal”, ou seja, quem iria ficar com o quê, visto que ninguém queria ficar com “ós di kanela”, tendo em consideração que é deveras paupérrimo para uma dieta alimentar saudável.
Não obstante de se ter procedido a várias, intensas e difíceis rondas negociais, os partidos com mais número de cotação na ANP fizeram finca-pé para ter em suas posses algumas pastas vitais e estratégicas, nomeadamente a do Ministério da Economia e Finanças que, por último, acabaria por ficar com o Primeiro-ministro, e com ambos os secretários de estado pertencentes ao PAIGC e ao PRS, com algumas reservas, foi viabilizado a formação do governo.
Desta feita, o “atchebem di bambo pulitiku” que tinha iniciado apenas 5 minutos, era mais que suficiente para balizar a regra do jogo e o tornou as coisas ainda mais “limpu suma laba di kil djintis”. Cabe aos detentores reais do poder, donos das pastas, a tarefa de geri-lo, exonerando e nomeando para as funções quem lhes convém e apetece, sem interferência externa. Isto quer significar que numa situação “atípica” ninguém mas ninguém pode meter “mom na barkafom dici kumpanher”.
Como algumas cedências são impreteríveis para viabilizar o que está em jogo, sobretudo numa situação “atípica, dolorosamente as pastas almejadas tiveram que ir parar às mãos dos adversários e vice-versa. Para contornar esta situação e tirar dividendo, foram posto em marcha a estratégia “pa solfa”, seja algumas direcções ou entendidas autónomas, para assim materializar o desejo incipiente.
Assim, entre o PAIGC e o PRS foi assinado um acordo de princípio, cujo conteúdo só eles sabem. Mas tudo indica que o PAIGC esperava recuperar a ARN e afins, em contrapartida cedia alguns lugares de governadores e administradores regionais ao PRS, uma vez que este ultimo estava interessado na manutenção dos seus para assim poder acompanhar o recenseamento eleitoral de perto. Acontece que, o PAIGC foi apanhado na contra-curva, e não esperava que o PRS tivesse uma posição benevolente com os 15 deputados ao ponto de garantir a sua manutenção em algumas pastas.
Para aferir este axioma, em jeito de “revanche” e obrigar o PRS a cumprir com o que foi acordado, como sendo o detentor da pasta da Administração Territorial, o PAIGC decidiu apenas nomear os seus, deixando de lado os do PRS, o que provocou uma cólera na Direcção Superior do PRS.
Reagindo a esta situação, numa entrevista, o líder de bancada do PRS, Certório Biote, disse “ (…) Nem discutimos ainda o formato de distribuição das regiões e sector, mas alguém já está a actuar à margem desse princípio”. (Fonte: http://www.odemocratagb.com/?p=16795).
A vez, o porta-voz do PAIGC, João Bernardo Vieira, durante uma conferência de imprensa, afirmou que “o consenso chegado nesse acordo de princípio é de que dentro das competências que o PAIGC irá exercer, se o PRS quiser nomear os seus dirigentes como governadores em algumas regiões, pode solicitar e em contrapartida deve ceder ao PAIGC a direcção da ARN ou qualquer direcção-geral que está sob a sua responsabilidade. No entendimento do PAIGC, essa ideia foi ignorada pelo PRS, que acusa de querer tomar governadores de borla, sem dar nada em troca, (…)”. (Fonte:http://www.odemocratagb.com/?p=17076).
Essa troca de palavras, entre os dois grandes partidos, só veio a reforçar a tese que, a conjuntura hodierna é “atipicíssima”, porque ficou implícito, nas comunicações acima referenciadas, que foi feita a tentativa de negociar até os lugares que deviam ser preenchido via concursal.
Por esse motivo, não vejo como, por exemplo, obrigar um PAIGC ou PRS a nomear uma pessoa que não é da sua confiança, nos pelouros que lhes pertencem, mesmo perante um mandato judicial.
Por isso, tendo conhecimento que o momento é “atípico”, fico incrédulo e estupefacto, ao ver o PM a tentar permear o espaço que lhe é reservado, pela força do Decreto que o nomeou e que foi muito peremptório em atribuir-lhe a missão, para tomar medidas que ultrapassam o âmbito da sua competência, desfocando do essencial ao ponto de correr o risco de não poder organizar as eleições.
Igual a todos os cidadãos guineense, também sou contra a precariedade que a função pública vinha enfrentando ao longo desses anos, mas o momento não é adequado para fazer qualquer alteração na grelha salarial. Os parcos recursos financeiros que o país dispõe, neste momento, podia servir para tapar enormes buracos em distintas instituições emergentes e contribuir para a realização de eleições.
Durante uma entrevista, o próprio Dr. Aristides Gomes, “ lembrou que a missão do seu governo é essencialmente organizar as eleições. Mas somos interpelados no terreno de acção para o qual não estávamos legitimamente armados, porque somos os resultados dos acordos internacionais assinados por diferentes intervenientes e a nossa missão principal é organizar eleições” (Fonte: Jornal O Democrata).
Para concluir, no actual ambiente político, o guineense só tem uma alternativa para expurgar o clima “atípico”: encurtar o enorme fosso de dissenso existente e criar um amplo consenso entre os principais players. Só isso vai permitir assentar a poeira e inibir a lavra da persistente ignição, com magnitude imensurável, para assim viabilizar o resgate sincero da guinendadi.
Ignorar o momento e as circunstâncias pode nos induzir a tomar decisões desenquadradas e extemporâneas, e colocar em perigo a alternativa “atípica” encontrada para permitir o país aliviar desta persistente picardia política.