Negro, quilombola, filho de lavradores e integrante de uma família pobre composta por 11 irmãos, João Costa supera preconceitos e se forma em Medicina. O jovem resolveu contar um pouco de sua história.
por João Costa*
Seis longos anos se passaram desde a minha aprovação em Medicina na UFS Campus de Lagarto, e com a proximidade da colação (faltam exatamente 100 dias) resolvi compartilhar um pouco da minha história.
Eu, João Santos Costa, negro, quilombola, filho de lavradores, nascido e criado na roça, filho do meio e integrante de uma família humilde composta por 11 irmãos e rodeada pela pobreza, chego ao fim de uma enorme batalha!
Atualmente com 24 anos de idade, sou oriundo da cidade de Simão Dias-Sergipe, nascido e crescido no povoado Sítio Alto, uma comunidade autodeclarada quilombola, formada por descendentes de escravos e que desde sua criação foi assolada pela pobreza e por precárias condições de vida e moradia. Desde criança já sabia que para poder melhorar a minha condição social e a da minha família teria que sair do paradigma que era comum onde eu morava (trabalhar na roça para prover o sustento) e me aventurar no mundo da educação e do conhecimento.
Confesso que não foi fácil nascer em uma família grande, pobre, que nem conseguia manter minimamente os filhos com itens básicos como alimentação e vestimenta e ainda conseguir estudar, principalmente para meus pais, analfabetos que mal conseguem assinar o próprio nome. Chegar na faculdade então? Uma utopia. Morava em uma comunidade em que poucos haviam chegado ao ensino médio, quiçá chegar à Universidade Federal.
Lembro-me que haviam momentos em que eu não sabia o que comeria no decorrer do dia, nem o que vestiria para ir estudar, nem se teria sapatos para calçar, mas eu nem pensava em faltar às aulas e muito menos em usar tais obstáculos como empecilhos para não buscar conhecimento e mudar de vida!
Mesmo estudando ainda assim trabalhava na lavoura, principalmente no período das férias escolares. Gostava muito de estudar e de frequentar a escola, porém o que prevalecia no momento era a vontade de sair da labuta desgastante, e mesmo assim louvável, que era a vida na roça. Outro ponto importante era a necessidade de poder proporcionar uma vida melhor e menos sofrida àquelas pessoas que tanto fizeram por mim e por meus irmãos: os meus pais.
Inicialmente sofri um pouco de resistência em virtude da situação familiar e das adversidades financeiras da época, mas me destacava cada vez mais na escola, pois sabia que a única opção para uma ascensão social e financeira era por meio dos estudos. Não desmereço a vida na lavoura pois foi graças a ela e aos esforços dos meus pais que cheguei aqui. Eles foram peças fundamentais para minha vitória! Muitas vezes os presenciei abdicando de suas refeições para proporcionarem o dejejum aos inúmeros filhos, para comprarem materiais escolares e proverem vestimentas, tudo muito simples, mas de coração. Não foi fácil!
Ao contrário de grande parte dos colegas de curso, estudei todo o meu ensino fundamental e médio em escola pública, com suas deficiências estruturais e de corpo docente. Porém, o importante é que nessa caminhada tive a sorte de encontrar pessoas compromissadas e que honraram a profissão. Agradeço de coração a cada um dos professores que conheci, que além de compartilharem seus conhecimentos científicos e materiais didáticos, compartilharam lições de cidadania, comportamento e empatia, e não menos importante, me prepararam para vida! Sem o apoio de cada um de vocês eu não poderia ter alçado meu voo e não teria chegado onde cheguei!
Estudei, estudei, estudei e os resultados chegaram! Aprovado com louvor no ensino fundamental e no médio! Até hoje tenho um amor enorme pelos professores e funcionários das escolas por onde passei.
Consegui meu primeiro emprego no último ano do ensino médio, uma época maravilhosa em minha vida. Vivia a dicotomia entre estudar para o ensino médio e trabalhar meio turno na Promotoria de Justiça de Simão Dias, estágio remunerado conseguido por méritos e fruto do meu desempenho acadêmico na escola estadual Dr. Milton Dortas, lugar onde eu estudava na ocasião. Percebi neste momento que se quisesse realizar o que tanto almejava teria que me esforçar cada vez mais e mais.
Apesar das dificuldades enfrentadas, como a falta de professores, matérias não dadas, calendário acadêmico atrasado e o estágio na promotoria, me aventurei no vestibular na tentativa de realizar meu sonho, que era entrar na universidade. Muitas vezes me questionava se seria possível, se eu era capaz. Recebi muitos comentários desencorajadores, de pessoas próximas inclusive, pelo fato de ser uma pessoa pobre, vindo da roça, negro e proveniente de escola pública.
Conseguir cursar medicina? Muitos consideraram improvável! Mas Deus e o destino foram maravilhosos comigo, proveram pessoas que me apoiaram e me incentivaram, que acreditaram no meu potencial e que me instigaram a provar para mim e para os incrédulos que eu conseguiria, e eu consegui!
O ápice foi a aprovação aos 17 anos de idade, em terceiro lugar, no curso de medicina da Universidade Federal de Sergipe, campus de Lagarto; curso que estou terminando com louvor e colhendo os frutos da minha dedicação e empenho. A aprovação no vestibular foi “O marco” em minha vida! Muita coisa estava em jogo, não só o meu futuro, mas também o da minha família.
Hoje em dia as coisas estão um pouco melhores, mas a minha família ainda passa por dificuldades, já que o sustento ainda é provido pelo trabalho na roça e por benefícios sociais de distribuição de renda. Sabia que cursar medicina teria seus custos, mas não me deixei abalar, corri atrás dos meus direitos sociais e me inscrevi no programa de residência universitária disponibilizado pela UFS e na bolsa permanência disponibilizada pelo MEC. Tenho o orgulho de dizer que não estressei meus pais com despesas nesses anos longe de casa, pois sabia que eles não teriam condições de arcar e que eu estaria tirando recursos que poderiam ser utilizados na criação dos meus irmãos.
Foram seis longos anos cheios de experiências agradáveis e desagradáveis, além de quatro greves, pois nada na vida é fácil. Conheci pessoas fantásticas, professores maravilhosos e assimilei lições importantes. Apanhei muito, não fisicamente, mas mentalmente. Horas de sono perdidas, matérias infinitas, tutoriais complexos. Mas tentei sempre extrair o que de bom existia nas adversidades, pois sabia que o mais difícil era conseguir passar no vestibular.
No pouco que vivi aprendi que quando as dificuldades baterem na sua porta deixe-as entrar! Nada melhor que os desafios para instigar a evolução humana. Acredito que se eu não tivesse tantas dificuldades não estaria me graduando em medicina, curso ainda elitizado e estereotipado em nossa sociedade. Mas a vida apenas está começando, o aprendizado sempre continua e nada é como antes.
Consegui suplantar os entraves proporcionados pela pobreza e pelo preconceito e hoje tenho orgulho de dizer que graças aos meus esforços e ao apoio de pessoas maravilhosas o negro saiu da “senzala”, o pobre saiu da roça e o aluno de escola pública está se formando em medicina em uma Universidade Federal.
Espero que este relato sirva de incentivo para aqueles que desejem realizar seus sonhos, por mais que pareçam impossíveis. Muito obrigado a todos que fizeram parte deste caminho até aqui, sem vocês e sem Deus eu não conseguiria.
Leia também:Alunos indígenas e quilombolas perdem programa de bolsas de estudos
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*João Costa, Povoado Sítio Alto, Medicina, UFS Lagarto-SE. O jovem resolveu contar um pouco de sua história.
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por João Costa*
Seis longos anos se passaram desde a minha aprovação em Medicina na UFS Campus de Lagarto, e com a proximidade da colação (faltam exatamente 100 dias) resolvi compartilhar um pouco da minha história.
Eu, João Santos Costa, negro, quilombola, filho de lavradores, nascido e criado na roça, filho do meio e integrante de uma família humilde composta por 11 irmãos e rodeada pela pobreza, chego ao fim de uma enorme batalha!
Atualmente com 24 anos de idade, sou oriundo da cidade de Simão Dias-Sergipe, nascido e crescido no povoado Sítio Alto, uma comunidade autodeclarada quilombola, formada por descendentes de escravos e que desde sua criação foi assolada pela pobreza e por precárias condições de vida e moradia. Desde criança já sabia que para poder melhorar a minha condição social e a da minha família teria que sair do paradigma que era comum onde eu morava (trabalhar na roça para prover o sustento) e me aventurar no mundo da educação e do conhecimento.
Confesso que não foi fácil nascer em uma família grande, pobre, que nem conseguia manter minimamente os filhos com itens básicos como alimentação e vestimenta e ainda conseguir estudar, principalmente para meus pais, analfabetos que mal conseguem assinar o próprio nome. Chegar na faculdade então? Uma utopia. Morava em uma comunidade em que poucos haviam chegado ao ensino médio, quiçá chegar à Universidade Federal.
Lembro-me que haviam momentos em que eu não sabia o que comeria no decorrer do dia, nem o que vestiria para ir estudar, nem se teria sapatos para calçar, mas eu nem pensava em faltar às aulas e muito menos em usar tais obstáculos como empecilhos para não buscar conhecimento e mudar de vida!
Mesmo estudando ainda assim trabalhava na lavoura, principalmente no período das férias escolares. Gostava muito de estudar e de frequentar a escola, porém o que prevalecia no momento era a vontade de sair da labuta desgastante, e mesmo assim louvável, que era a vida na roça. Outro ponto importante era a necessidade de poder proporcionar uma vida melhor e menos sofrida àquelas pessoas que tanto fizeram por mim e por meus irmãos: os meus pais.
Inicialmente sofri um pouco de resistência em virtude da situação familiar e das adversidades financeiras da época, mas me destacava cada vez mais na escola, pois sabia que a única opção para uma ascensão social e financeira era por meio dos estudos. Não desmereço a vida na lavoura pois foi graças a ela e aos esforços dos meus pais que cheguei aqui. Eles foram peças fundamentais para minha vitória! Muitas vezes os presenciei abdicando de suas refeições para proporcionarem o dejejum aos inúmeros filhos, para comprarem materiais escolares e proverem vestimentas, tudo muito simples, mas de coração. Não foi fácil!
Ao contrário de grande parte dos colegas de curso, estudei todo o meu ensino fundamental e médio em escola pública, com suas deficiências estruturais e de corpo docente. Porém, o importante é que nessa caminhada tive a sorte de encontrar pessoas compromissadas e que honraram a profissão. Agradeço de coração a cada um dos professores que conheci, que além de compartilharem seus conhecimentos científicos e materiais didáticos, compartilharam lições de cidadania, comportamento e empatia, e não menos importante, me prepararam para vida! Sem o apoio de cada um de vocês eu não poderia ter alçado meu voo e não teria chegado onde cheguei!
Estudei, estudei, estudei e os resultados chegaram! Aprovado com louvor no ensino fundamental e no médio! Até hoje tenho um amor enorme pelos professores e funcionários das escolas por onde passei.
Consegui meu primeiro emprego no último ano do ensino médio, uma época maravilhosa em minha vida. Vivia a dicotomia entre estudar para o ensino médio e trabalhar meio turno na Promotoria de Justiça de Simão Dias, estágio remunerado conseguido por méritos e fruto do meu desempenho acadêmico na escola estadual Dr. Milton Dortas, lugar onde eu estudava na ocasião. Percebi neste momento que se quisesse realizar o que tanto almejava teria que me esforçar cada vez mais e mais.
Apesar das dificuldades enfrentadas, como a falta de professores, matérias não dadas, calendário acadêmico atrasado e o estágio na promotoria, me aventurei no vestibular na tentativa de realizar meu sonho, que era entrar na universidade. Muitas vezes me questionava se seria possível, se eu era capaz. Recebi muitos comentários desencorajadores, de pessoas próximas inclusive, pelo fato de ser uma pessoa pobre, vindo da roça, negro e proveniente de escola pública.
Conseguir cursar medicina? Muitos consideraram improvável! Mas Deus e o destino foram maravilhosos comigo, proveram pessoas que me apoiaram e me incentivaram, que acreditaram no meu potencial e que me instigaram a provar para mim e para os incrédulos que eu conseguiria, e eu consegui!
O ápice foi a aprovação aos 17 anos de idade, em terceiro lugar, no curso de medicina da Universidade Federal de Sergipe, campus de Lagarto; curso que estou terminando com louvor e colhendo os frutos da minha dedicação e empenho. A aprovação no vestibular foi “O marco” em minha vida! Muita coisa estava em jogo, não só o meu futuro, mas também o da minha família.
Hoje em dia as coisas estão um pouco melhores, mas a minha família ainda passa por dificuldades, já que o sustento ainda é provido pelo trabalho na roça e por benefícios sociais de distribuição de renda. Sabia que cursar medicina teria seus custos, mas não me deixei abalar, corri atrás dos meus direitos sociais e me inscrevi no programa de residência universitária disponibilizado pela UFS e na bolsa permanência disponibilizada pelo MEC. Tenho o orgulho de dizer que não estressei meus pais com despesas nesses anos longe de casa, pois sabia que eles não teriam condições de arcar e que eu estaria tirando recursos que poderiam ser utilizados na criação dos meus irmãos.
Foram seis longos anos cheios de experiências agradáveis e desagradáveis, além de quatro greves, pois nada na vida é fácil. Conheci pessoas fantásticas, professores maravilhosos e assimilei lições importantes. Apanhei muito, não fisicamente, mas mentalmente. Horas de sono perdidas, matérias infinitas, tutoriais complexos. Mas tentei sempre extrair o que de bom existia nas adversidades, pois sabia que o mais difícil era conseguir passar no vestibular.
No pouco que vivi aprendi que quando as dificuldades baterem na sua porta deixe-as entrar! Nada melhor que os desafios para instigar a evolução humana. Acredito que se eu não tivesse tantas dificuldades não estaria me graduando em medicina, curso ainda elitizado e estereotipado em nossa sociedade. Mas a vida apenas está começando, o aprendizado sempre continua e nada é como antes.
Consegui suplantar os entraves proporcionados pela pobreza e pelo preconceito e hoje tenho orgulho de dizer que graças aos meus esforços e ao apoio de pessoas maravilhosas o negro saiu da “senzala”, o pobre saiu da roça e o aluno de escola pública está se formando em medicina em uma Universidade Federal.
Espero que este relato sirva de incentivo para aqueles que desejem realizar seus sonhos, por mais que pareçam impossíveis. Muito obrigado a todos que fizeram parte deste caminho até aqui, sem vocês e sem Deus eu não conseguiria.
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Em pleno 2017, negros são amarrados em poste de Comunidade Quilombola
Filme argentino incentiva debate sobre novas formas de educação
Entenda as diferenças entre preto, pardo e negro
Superação: Primeiro médico indígena se forma na UnB
Primeiro aluno da UFG com Síndrome de Down comenta experiência universitária
*João Costa, Povoado Sítio Alto, Medicina, UFS Lagarto-SE. O jovem resolveu contar um pouco de sua história.
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