sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Secretário-geral da UNTG: “SITUAÇÃO DE FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS GUINEENSES É PIOR DO QUE NO PERÍODO COLONIAL”

[ENTREVISTA] O Secretário-geral da União Nacional dos Trabalhadores da Guiné – Central Sindical (UNTG-CS), Júlio Mendonça, afirmou que a situação laboral de funcionários públicos guineenses é pior do que no período colonial, facto que esteve na origem do levantamento dos trabalhos naquela altura para a reivindicação de aumento salarial. Acrescentou ainda, durante a entrevista exclusiva ao semanário “O Democrata” para abordar as razões que motivaram a organização sindical a lutar pelo reajusto salarial e o aumento do salário mínimo, que são questões defendidas pelas leis do país.
“A razão da nossa luta atual é igual a da luta em 1959, no período colonial! É verdade que no período colonial o salário não era assim tão famoso, mas os salários que os trabalhadores ganhavam davam para sobreviver com a família durante um mês e recebiam assistência médica e medicamentosa bem como tinham todo o apoio enquanto servidores do Estado. Hoje não há um salário que permita a um servidor público viver com a sua família durante um mês. Aliás, nem sequer chega para viver uma semana”, espelhou o sindicalista, que entretanto avançou ainda que os funcionários públicos não beneficiam da assistência medica e medicamentosa, muito menos recebem bonos de família.
Júlio Mendonça assegurou que a Central Sindical não participará na cerimónia oficial da celebração de 03 de agosto em homenagem aos mártires de Pindjiguiti. Disse que a UNTG apenas tomará parte na cerimónia, se o executivo aplicar a nova grelha salarial, que considera “de justa e que garante aos servidores públicos uma vida com os seus familiares”.

O Democrata (OD): A União Nacional de Trabalhadores da Guiné tem vindo a reivindicar, nos últimos tempos e através de paralisações (Greve), para exigir melhores condições de trabalho e reajuste dos salários dos funcionários públicos. Secretário-geral, qual é a verdadeira situação dos servidores públicos guineenses?
Júlio Mendonça (JM): Falar em concreto da situação dos servidores públicos guineenses é dizer que efectivamente está na situação caótica. Significa que nenhum servidor público sente-se dignificado por parte do próprio Estado enquanto beneficiário direto do serviço e, contudo é sabido que o país, na verdade, tem condições objetivas e financeiras para dignificar todos aqueles que efectivamente servem o Estado. Mas os políticos que o país teve durante os 44 anos não contribuíram de maneira alguma na promoção dos direitos sociais laborais, consequentemente na dignificação dos servidores do Estado.
Essa conduta negligente dos sucessivos governos tem impacto negativo na vida dos cidadãos guineenses. A luta que a UNTG iniciou desde 2016 é consequência da não aplicação das leis laborais no país, porque existem leis concebidas pelo próprio Estado e que os sucessivos governos não cumprem. Por exemplo, o diploma que regula a relação entre o Estado (administração) e os servidores públicos e o Estatuto do Pessoal da Função Pública, não são aplicados pelo próprio governo. Mas o governo foi o actor deste diploma desde 1994, isto é, antes da democratização do país, antes das primeiras eleições legislativas e presidenciais no país.
OD: A UNTG exige do governo a aplicação dessas leis. Acha que a sua aplicação mudaria a situação dos funcionários públicos?
JM: Exatamente! Defendemos a aplicação dessas leis, porque entendemos que a falta de aplicação desses diplomas fez com que hoje estamos a exigir o reajuste salarial. Se tivesse havido aplicação, não estaríamos a falar de reajuste, porque o diploma defende a promoção na carreira de todos os servidores do Estado. De três em três anos o Estado é obrigado a avaliar os seus funcionários e ver o desempenho de cada um e, consequentemente, promove-lo na carreira.
Quando digo promover na carreira, significa dar algumas vantagens ou acréscimos salariais às pessoas que beneficiaram dessa promoção. O Estado não faz isso. É gravíssimo porque em todos os países do mundo que pretendem desenvolver-se deve imperar o princípio da legalidade e da administração que corresponda com os princípios da legalidade. E como se sabe, na Guiné não se pode falar da administração, porque praticamente não existe! Pode imaginar, num Estado onde não há promoção, também não se promove o princípio da igualdade.
Para ter acesso a função pública, tem que se afiliar num partido político. Isso é gravíssimo! Isso põe em causa um dos princípios plasmados na lei, que diz que qualquer entrada na função pública tem que basear-se num concurso público. As violações dessas normas põem em causa a dignidade do próprio Estado e prejudica consideravelmente os cidadãos, porque todos são iguais perante o princípio da igualdade plasmado no artigo 24 da Constituição da Guiné-Bissau.
O Estado da Guiné-Bissau viola esse princípio! E a UNTG, enquanto Central Sindical e pessoa colectiva que tem a legitimidade de promover e defender os interesses dos trabalhadores, não pode ficar silenciosa a essas violações gravíssimas que o Estado administrador tem vindo a praticar. Nós exigimos não só o cumprimento escrupuloso do Estatuto Pessoal de Administração Pública, mas também todos os decretos emanados pelo Governo e promulgados pelo Presidente da República.
Estou a referir-me do decreto n° 01/2017, ao Estatuto de carreira docente que foi aprovado pela Assembleia Nacional Popular desde o ano 2011, bem como ao Estatuto Orgânico das Alfândegas que são também diplomas que o próprio governo criou, mas desde 2014 não está a cumprir. Para nós, isso é grave e, sobretudo para um Estado que diz que é social de direito. Então se é social de direito tem que pautar-se pelo princípio da legalidade. Infelizmente não tivemos sorte de ter políticos coerentes que correspondam às expectativas, razão pela qual iniciamos essa luta e exigimos que todas essas faltas sejam corrigidas.
Todos os governos foram alvos dessas reivindicações…Posso dizer que o governo de Umaro Sissoco, não obstante ter certas limitações, mas fez algo de concreto. Foi ele o autor do decreto n° 01/2017 que está a ser aplicado pelo actual governo.
OD: Esse decreto refere-se a quê exactamente, pode explicar…
JM: O artigo 15 deste decreto fala do controlo de toda administração indirecta do Estado por parte do Governo. Porque o que se nota é que há uma desorientação total e falta de cumprimento de princípios escrupulosos por parte das empresas, institutos públicos e fundos autónomos, porque fazem gestão como se estivessem noutros países, mas são todas pessoas colectivas criadas pelo Estado e com fundos do Estado e devem respeitar o princípio da legalidade também na gestão dos fundos.
Essa discrepância na gestão dos fundos acaba por prejudicar de que maneira em termos financeiros o próprio Estado, porque cai em dificuldades financeiras e acaba por assumir a responsabilidade por essas dívidas. Por exemplo, Os Correios e a Guiné Telecom, entre outros, são consequências da má gestão. Agora o Estado é obrigado a indemnizar todos os trabalhadores pelos prejuízos causados. O artigo 15 é muito claro nesse aspecto, recomendando a intervenção do Estado no controlo financeiro.
O atual governo já o fez. O artigo 16 vem demostrar como o Estado deve gerir os fundos públicos com base na retribuição que deve fazer. Há uma grelha para uniformização do salário a nível da Função Pública. O artigo 16 impõe a instituição de uma nova grelha salarial até ao final do ano económico de 2017. O Governo cessante, autor do decreto, não cumpriu a sua aplicação.
O actual governo teve a coragem de aplicar esse decreto, mas só que não faz sentido aplicar o decreto de uma forma parcial. O governo de Aristides Gomes está aplicar o decreto no aspecto do controlo financeiro das entidades públicas menores.
OD: O que falta, então?
JM: Falta aplicar a nova grelha salarial e consequentemente a uniformização do salário a nível da Função Pública, logo não há aqui lógica ou coerência, porque os decretos são para serem aplicados no seu todo…
OD: Esse é o motivo que levou a UNTG a levantar-se?
JM: Não, a UNTG já se tinha levantado desde 2016 e na base daquelas reivindicações assinamos um memorando do entendimento. Em consequência desse memorando de entendimento é que surgiu o decreto n° 01/2017, que fala justamente do reajuste salarial na função pública. E depois tivemos uma adenda que pedia uma moratória para poder facilitar a emanação das diferentes tabelas.
OD: Com base em que dados que a UNTG defende o reajuste salarial e o aumento do salário na função pública, neste momento?
JM: Nós nunca falamos de aumento salarial, mas sim do reajuste. Sabemos que a consequência desse reajuste vai reflectir-se positivamente na vida daqueles que ganham menos. Julgamos que a omissão praticada pelo Estado da Guiné há muito tempo em não promover ninguém na carreira, deve ser corrigida com base neste reajuste salarial, porque também existem discrepâncias na distribuição de riqueza na função pública. Por exemplo, os ministros têm um salário e são-lhes atribuídos igualmente subsídios, o que não é concebível num país como o nosso que tem um índice de pobreza extrema e com necessidades de varia ordem, inclusive na saúde.
Nada justifica que os titulares de cargos de soberania tenham subsídios que não correspondem com a expectativa do povo, quando se diz que o Estado não tem condições para fazer um hospital de referência, isso já é grave…
Atribuir um subsídio de 10 milhões ou 7 milhões de francos cfa por mês à uma única pessoa, isso para nós é um insulto ao povo guineense, em particular aos combatentes da liberdade da pátria que deram as suas vidas para a libertação da Guiné-Bissau do jugo colonial! Subsídios aos titulares dos órgãos públicos é um insulto. Imagina um Estado que não consegue criar bem-estar ao próprio povo, nem sequer boas estradas, infraestruturas habitacionais e muito menos um hospital de referência para diagnosticar doenças e incluindo o paludismo, dar-se ao luxo que esses políticos têm…
Por isso nós achamos que não é possível continuarmos com esse sistema de governação. É preciso que algo mude e que mude com base na justiça. É isso que estamos a exigir. Esperamos doravante que os políticos compreendam em como não devem continuar com esse nível de vida. Agora devem virar o paradigma da governação, o que significa usar a governação para servir o povo, porque é para o povo que estão a governar.
Queremos também ter um hospital de referência. Os cidadãos não podem continuar a morrer nos hospitais por falta de meios para diagnosticar doenças ou a gastar o pouco de dinheiro que ganham em consultas num hospital regional de um país vizinho. Temos um hospital que deve ser equipado e criar-lhe condições para trabalhar normalmente no sentido de dar tratamento àqueles que servem o Estado. O que estamos a exigir neste momento é o começo de muitas reivindicações que temos em manga e que são consequências das leis e decretos que foram aprovados pelo Estado da Guiné-Bissau, mas guardados nas gavetas.
OD: Quais são as revendições que a Central Sindical pretende exigir no futuro?
JM: Estamos a falar da assistência técnica e medicamentosa a que todos os servidores públicos têm direito, mas que o Estado não garante. Estamos a falar do fundo de pensão que o Estado tem o dever de instituir porque todos os meses os servidores públicos sofrem descontos nos seus salários, mas as Finanças não instituiu um fundo para gerir aqueles valores descontados aos funcionários. E utiliza-o de uma forma desorientada sem fundamentos e quando as pessoas vão a reforma outros nem conseguem receber o que descontaram durante muitos anos de trabalho.
OD: Depois do reajuste salarial, a UNTG vai avançar com outras exigências?
JM: Nós temos tudo calendarizado, porque temos um plano estratégico bem definido e o que estamos a fazer é cumprir esse plano estratégico. O nosso objetivo é alcançar todos os pontos, o que passa naturalmente pelas exigências que faremos ao governo para que cumpra toda a legislação laboral do país.
OD: O governo tem condições para cumprir essas exigências todas?
JM: O país tem condições mais que suficientes para fazer cumprir todas essas reivindicações. O fundo de pensões não é do Estado, é do servidor público. O dinheiro deve ser gerido bem para servir aqueles que vão à reforma. Sobre o reajuste salarial, é bom dizer que o Estado da Guiné faz receita e está em condições de fazer o reajuste sem nenhuns problemas.
Imagina um governo que diz não ter condições para fazer o reajuste, mas está a promover despesas desnecessárias na compra de viaturas para os membros do governo. Isso é um insulto e ainda mais um menosprezo aos sacrifícios que muitos cidadãos fazem!
O D: O Primeiro-ministro alega que as referidas despesas estão na lei…
JM: Está na lei, mas também está na lei dignificar aquele que presta o serviço ao Estado deve ser pago de acordo com o rendimento da prestação do serviço. Para nós é contraditória essa afirmação. Não deve ser uma afirmação de uma pessoa lúcida e que tem a responsabilidade de gerir a coisa pública.
Será oportuno neste momento a compra de viaturas para os membros do governo, quando faltam poucos mais de quatro meses para irmos às eleições e ter um outro governo?! Se está na lei, também é um dever do governo criar as condições para que as pessoas não morram nos hospitais. Quando um hospital central fica um mês sem o oxigénio… Quanto custa o oxigénio? Não se compara os balões de oxigénio com o preço de viaturas que o primeiro-ministro pretende comprar para todos os membros do governo…
Isso digo com todas a sinceridade, só na Guiné Bissau! Num país organizado, onde a população tem a noção de cidadania e espírito de reivindicar o seu direito, digo que esse primeiro-ministro não teria a coragem de pronunciar essas palavras. Compreendemos que um povo que ficou oprimido durante mais de 40 anos, não é fácil de acordar num um mês ou dois meses, mas nós vamos fazer o nosso trabalho de acordar o povo e mostrar-lhe que o dinheiro do Estado é para o povo e não para políticos e governantes.
Não é normal usar mais de 200 milhões de francos cfa para a compra de viaturas para os membros do governo, numa altura em que o país se encontra com problemas socias sérios. Estamos a falar de um país que tem falta das infraestruturas escolares, hospitalares e ainda tem dívidas com todos os funcionários públicos. Por isso o governo não pode priorizar a compra de viaturas de luxo para os membros do governo. Num país onde os políticos pensam no povo, isso não teria lugar nem sequer se falaria nesse assunto.
OD: Qual é a razão da disparidade salarial na função pública?
JM: Nepotismo! As pessoas fazem o trabalho igual e têm salários diferentes. Isso é inconcebível para um Estado que diz é social de direito. Existe um estatuto orgânico que impõe a justiça e que o governo não quis aplicar, portanto vamos exigir a sua aplicabilidade.
OD: O ministro da Função Pública anunciou ontem (segunda-feira) a proposta de aumento de salário mínimo para 50 mil francos aos servidores públicos. A UNTG, subscreve a proposta?
JM: Ouvimos isso pela rádio, mas infelizmente o ministro da Função Pública não se sentou connosco para formalizar isso. Mas também posso garantir que recebemos algumas versões de tabelas ontem mesmo, portanto esperamos que tenha a coragem de aplicar isso, porque é um dever que lhe assiste. Estamos de acordo e pelo menos que se faça esforços neste sentido, de minimizar o sofrimentos dos servidores públicos guineenses.
O aumento do salário mínimo é um começo e até dá para resolver alguns problemas, mas pretendemos que todas as categorias da função pública sejam dignificadas. Por isso vamos dar a nossa contra proposta e esperamos que o governo cumpra esse dever de dignificar os servidores públicos. E banir de uma vez por todas aquela história de subsídio de representação. Em nenhum país do mundo o subsídio de um servidor do Estado deve ultrapassar os 20 por cento do salário.
A Guiné-Bissau é um país atípico, onde o subsídio de membro do governo ultrapassa mais de 300 por cento do seu salário. O salário de um membro do governo é de mais de 300 mil francos cfa, enquanto recebe um salário de três milhões de francos cfa. O Presidente de Transição, Manuel Serifo Nhamadjo, foi quem reduziu os subsídios para 50 por cento. Se o Presidente de Transição pode fazer isso, então o Presidente eleito que promulgou um decreto não pode exigir ao governo o cumprimento do decreto, ou seja, a reposição da justiça na folha salarial do Estado?
OD: O Presidente tem uma quota de culpa neste caso?
JM: Tem mesmo culpa, porque ele é o autor e foi ele quem promulgou o decreto n° 01/2017. Devia ser o primeiro a impulsionar o governo para cumpri-lo, mas ficou em silêncio absoluto.
Outra situação ainda é que os legisladores da Guiné não têm responsabilidade. Por exemplo, a Assembleia Nacional Popular caiu na omissão, preocupando-se mais em promover os direitos dos deputados do que os do povo que representam. Foram os autores do estatuto de carreia docente e não exigiram ao governo desde 2011, a sua implementação.
Achamos que os políticos devem assumir as suas responsabilidades. O papel da UNTG continua a ser o de exigir o cumprimento da legalidade. Ainda melhor quando se trata de diplomas que vem trazer vantagens aos servidores do Estado. Nós vamos exigir tudo que é o direito que assiste o trabalhador e defender o interesse legítimo de cada cidadão que trabalha e paga os seus impostos.
É bom informar que recebemos três versões da tabela salarial que vamos analisar e apresentar a nossa contraproposta ao governo. Todas as três versões têm quase o plafom mínimo igual, mas precisamos que a justiça seja feita em todas as categorias. Não é justo dizer que vai dar o salario mínimo 50 mil francos cfa e deixar como estão todas as outras categorias…
Não dignificar os Engenheiros, os Médicos (curso superior) e não dignificar os professores, então ainda não fez nada. Queremos que todas as categorias sejam dignificadas e o governo tem que fazer isso na base da justiça, porque não pode haver uma diferença abismal de mais de 100 por cento entre um director-geral e um director do serviço e, se assim for, é porque estamos numa brincadeira.
O director do serviço também é coluna dorsal de um Ministério. Nessas versões da tabela salarial que recebemos, a diferença está acima de 100 por cento. Portanto vamos propor a correção disso e que seja uma diferença razoável e que va estimular ainda mais na produção. Caso contrário não haverá a produção, porque quem trabalha são os directores do serviço em colaboração com os directores gerais.
OD: Qual é a opinião da UNTG em relação a aprovação do Estatutos dos Magistrados pela Assembleia Nacional Popular?
JM: Dissemos que nunca fomos contra a dignificação de qualquer servidor público. Os magistrados têm um regime próprio, aliás, em toda parte do mundo existe um certo privilégio aos magistrados, porque são pessoas que vão fazer a justiça em nome do povo. Agora, quando se decide fazer a dignificação de uma categoria é preciso tomar em conta outros sectores importantes, inclusivos sectores primários que produzem a riqueza. De outra forma, não haverá produção e nem como pagar aquela categoria que se pretende privilegiar.
Por isso estamos a exigir que haja justiça! Que os magistrados sejam promovidos e dignificados com base naquilo que é o nível da vida na Guiné-Bissau e de acordo com a capacidade financeira do Estado, mas também com o devido respeito a outras categorias que são fundamentais para que haja o bem-estar do próprio magistrado. Se o governo não fizer isso e esquecer-se da área sanitária do país é muito grave. Se o magistrado falhar, a vítima vai para a cadeia e recebe assistência médica e medicamentosa na cadeia.
Mas quando falha um médico, a vítima vai para o cemitério, o que significa que aquela pessoa pode estar perdida. E por isso é que o Estado deve ter a capacidade de avaliar e atribuir as vantagens de acordo com as especificidades de cada setor, sem prejudicar outro.
Não estamos contra a dignificação dos magistrados, mas também devem fazer o trabalho deles que é fazer a justiça em nome do povo. Não chantagear os deputados para não cumprirem os deveres deles enquanto magistrados, só para tirarem vantagens. Nós somos contra essas políticas de oportunismo, queremos que os magistrados sejam responsáveis no exercício das suas funções, que sejam dignificados, mas que correspondam com a expectativa do povo.
OD: Algumas organizações sindicais de base, sobretudo de transportes ficaram a margem das vossas paralisações, a que se deve essa indiferença?
JM: Acho que isso tem a ver com o nível de compressão de cada dirigente sindical. Nós sentimos e percebemos o défice de espírito de sindicalismo de vários dirigentes sindicais. É o mesmo com o sindicato de transporte. No sector de transportes existem três sindicatos e em vez de preocuparem-se com os direitos dos seus associados, entraram em brigas internas.
Se tivesse havido responsáveis com noção de sindicalismo, enquanto dirigentes sindicais, estariam nesta greve. Porque o sector mais marginalizado é o dos transportes, e independentemente das cobranças ilícitas de que são alvo. Também não existem infraestruturas rodoviárias e logo têm prejuízos a dobrar, por isso deviam ser os primeiros a reivindicar para exigir os seus direitos porque pagam o fundo rodoviário todos os meses. Nós não culpamos os motoristas, mas os dirigentes sindicais, pessoas que alegam ser legítimos representantes que não têm percepção nenhuma do sindicalismo.
OD: A UNTG desencadeia uma luta para o reajuste salarial dos funcionários públicos, mas também nota-se que a Confederação Geral do Sindicato Independente da Guiné-Bissau não se juntou a vossa exigência para fazer uma única frente. Quer fazer um comentário sobre isso…
JM: A verdade é que a confederação é uma entidade autónoma e tem a sua personalidade jurídica e de certeza tem também um plano estratégico, que define a forma como pensam fazer as suas revindicações. Achamos que todos os trabalhadores públicos estarão a altura de tirar as ilações e perceber afinal, qual é a central que está a defender os direitos dos trabalhadores.
É verdade que não podemos imiscuirmo-nos nos assuntos internos da Confederação, mas só que também ficamos estranhados quando vemos e acompanhamos alguns sindicatos filiados na confederação a fazerem a greve, por exemplo, o sector da Comunicação Social. Pergunta-se se o momento era oportuno para a reivindicação ou não? Isso cabe aos sindicatos filiados na Confederação tirar as ilações…
A UNTG, enquanto central sindical com a sua personalidade jurídica e autonomia, também vamos fazer o nosso trabalho. Cada um que faça o que lhe apetece, de acordo com o seu estatuto e o plano estratégico definido. É isso que simplesmente estamos a fazer e não podemos atribuir a culpa a ninguém, porque cada um tem a sua forma de revindicar.
OD: Qual é a sua maior motivação a frente da Central Sindical?
JM: A minha maior motivação, primeiro é porque sou patriota. Sou guineense, julgo que tenho deveres, enquanto cidadão, de dar a contribuição para o meu país. Sou fruto desta terra. Entretanto, só aqui posso dar também a minha contribuição. A segunda motivação são os meus colegas sindicalistas que estão determinados também nessa luta e que significa que não estou sozinho.
Isso me estimula bastante e me deixa muito tranquilo, saber que não estou sozinho nesta caminhada. Essas são as motivações importantes e sei que é possível trazer o sorriso aos cidadãos desta terra.
OD: Existem vozes críticas que associam a vossa revindicação com motivações políticas, ou seja, que são influenciados pelos políticos. Quer fazer um comentário sobre isso…
JM: Apenas lamento que continue a haver pessoas que ainda pensam desta forma! Pessoas que são autores destas palavras se calhar não têm auto-estima, ou melhor, não confiam nas suas capacidades e julgam que todo o mundo é igual a elas. Infelizmente o país foi concebido durante esses anos com essa mentalidade, aliás, é por isso que os políticos não deixaram que os cidadãos pensassem com as suas cabeças e andassem com os próprios pés.
Eu, particularmente, não admiro nenhum político e por isso não, posso ser orientado por nenhum político. Candidatei-me a esse cargo sem apoio de nenhum partido ou políticos e ganhei o congresso porque as pessoas confiarem no meu projecto, aliás, sabem que eu já tinha demostrado a minha capacidade anteriormente. Tudo aquilo que estamos a fazer nessa direcção é consequência das promessas do nosso programa e, por isso estamos com a consciência tranquila.
E definimos aqui que nunca iremos reunirmo-nos com nenhum partido e qualquer partido que pretende solidarizar-se com a nossa revindicação, que o faça na sede do seu partido. A UNTG é a casa dos trabalhadores e deve preocupar-se mais em promover os direitos dos mesmos.
OD: Comemora-se na próxima sexta-feira o dia dos mártires de Pindjiguiti, 03 de agosto. A UNTG mantém a sua posição de não participar nas cerimónias comemorativas organizadas pelo governo? 
JM: Achamos que é incoerente e contraditório. A razão da nossa luta actual é igual à razão da luta em 1959. A situação dos funcionários públicos guineenses é pior hoje do que o período colonial! É verdade que no período colonial o salário não era assim tão famoso, mas os salários que os trabalhadores ganhavam davam para sobreviver com a família durante um mês e recebiam assistência médica e medicamentosa bem como tinham todo o apoio enquanto servidores do Estado.
Hoje não há o salário que permita um servidor público viver com a sua família durante um mês. Aliás, nem sequer chega para viver uma semana. Os funcionários públicos não beneficiam da assistência medica e medicamentosa e muito menos recebem abonos de família. A resposta que demos ao ministro da Função Pública é que se o governo quiser que participemos nas suas comemorações, que aplique a nova grelha salarial justa e que garanta aos servidores públicos viverem com os seus familiares.
Nós vamos fazer a nossa manifestação paralela. Vamos iniciar a manifestação na Chapa de Bissau e vamos até à nossa sede para exigir os nossos direitos. O governo tem dinheiro para organizar esse evento, mas não tem dinheiro para comprar oxigénio para o hospital Simão Mendes…
Quero apelar aos servidores públicos guineenses que venham juntar-se a nós, porque apenas unidos é que poderemos conquistar os nossos direitos! Que venham manifestar-se para demostrar o descontentamento e repudiar aquela exploração que são vítimas faz anos.

Por: Assana Sambú
Foto: AS