terça-feira, 11 de setembro de 2018

DO FIM DA URSS À ATUAL RUSSOFOBIA. NOTAS DE DMITRI ROGOZIN, UM EMBAIXADOR RUSSO JUNTO À NATO (2)

Por: Daniel Vaz de Carvalho

"Uma permanente marca de desonestidade. Esta a essência antinacional dos liberais"
"O cinismo da NATO ultrapassa os piores cínicos deste mundo"
3 - Os "liberais" 4 - As guerras civis 5 - A NATO, a UE e a atual russofobia

3 - Os "liberais"

 Dmitri Rogozin (DR) fala do liberalismo como uma doutrina do roubo.
[1] O nosso Oliveira Martins já havia dito algo semelhante nos finais do século XIX. O mais adequado seria DR referir-se a neoliberalismo, não confundindo a raiz popular e revolucionária do início do século XIX que, inspirada nos ideais da Revolução Francesa, realizou em Portugal a Constituição de 1820 e combateu o absolutismo. O que existe atualmente é o neoliberalismo, a mais completa perversão daqueles ideais sob uma fachada democrática permitida pela social-democracia e o dito socialismo democrático.

Conceitos que eram meras hipóteses no Ocidente foram aceites com toda a fé e indiscutíveis na Rússia. Cada teoria europeia (leia-se UE) era primeiro transformada em axioma, depois em dogma e então em nova realidade política.(44)

Em resultado das privatizações um pequeno grupo de aventureiros que formavam o círculo de "reformadores" de Yeltsin, arrebatou recursos naturais e indústrias. Estes "heróis" eram regularmente convidados para conferências em Londres, Davos, etc, quando o mais apropriado seria ouvi-los no gabinete do procurador e mandá-los para a Sibéria, não para a Suíça.(116)

Os liberais depois de destruírem a URSS provocaram a guerra da Chechénia e empurraram os povos da Rússia uns contra os outros. Destruíram a moral e a ética públicas e corromperam o poder das Forças Armadas. Devido às suas atividades criminosas o conceito de liberalismo, tornou-se sinónimo de traição nacional.(119) Devido aos esforços dos liberais a palavra patriota estava a ser considerada uma palavra suja: "o patriotismo é o último refúgio de um patife".(260)

Os liberais não representavam uma ideologia definida. Os seus apologistas eram jovens e diligentes mediocridades dos anos 80. Doutorados de fresca data que atacavam com toda a segurança a economia política do socialismo e estudos do comunismo. Estavam simplesmente a ser solicitados pelo regime de Yeltsin.(288)

A insídia ia ao ponto de argumentarem perante críticas que "tínhamos de ser amigos do Ocidente mesmo quando eles estão errados".(238)

A imprensa liberal tornou-se uma envenenadora. No início dos anos 90, a anterior imprensa soviética foi deixada sem meios de existência acabando nas mãos dos oligarcas.(104) Jornalistas que em privado não deixavam de lamentar a sua triste sorte, escravizados pelos patrões, em público reagiam com indignação quando as suas "sujas sugestões" eram negadas. Tal é a "liberdade de opinião", fórmula adotada pelos multimédia globais como ferramenta para distorcer os factos, condimentada com veneno vindo de figuras "progressistas". Tal era o jornalismo liberal. A verdade passou a ser uma mentira multiplicada inúmeras vezes pelos pasquins. Desta forma nações inteiras foram (e são!) sujeitas a abusos e insultos.(105)

A mente de milhões de pessoas nos EUA, UE, e no resto do mundo, foram criminosamente manipuladas contra a sua vontade por fazedores de notícias profissionais.(106) Os cavaleiros sem vergonha do jornalismo exploraram trágicos acontecimentos e conceberam o seu próprio ritual de guerra no qual um agressor se torna vítima e uma vítima o agressor.(108)

Agora os nossos liberais preferem viver sob as instruções do Comité de Washington e juntam-se com "ideias originais" à caça de votos. Ora, ora.(120)

4 - As guerras civis

DR descreve as diversas guerras civis, invasões e agressões contra o território russo, em particular as da Chechénia e a sua intervenção como mediador em várias situações com vistas ao restabelecimento da paz e salvaguarda das populações.

As últimas guerras na Europa estão ligadas ao colapso da URSS e da Jugoslávia. A NATO cometeu um ato de agressão selvagem para provocar a desintegração da Jugoslávia.(327)

A história da sangrenta desintegração dos Balcãs que terminou com os bombardeamentos da NATO sobre Belgrado é idêntica ao fim da URSS. A única diferença é que a Rússia possui armas nucleares. Apenas esta circunstância nos salvou de uma intervenção dos "poderes democráticos" que de outra forma ter-se-iam apressado a apoiar os rebeldes da Chechénia.(175)

As calamidades começaram no Ngorno-Karaback, Geórgia, Republicas Bálticas e Uzbequistão e depois por toda a parte. Em meados dos anos 90, no Tajiquistão. 1500 russas foram literalmente feitas em pedaços pelos islamistas. Mulheres foram obrigadas a despir-se completamente e a andar em círculo acompanhadas por tiros e risadas dos agressores. As vítimas em vão esperaram solidariedade de Yeltsin. (ou do Prémio Nobel da Paz, Gorbachov) Os noticiários omitiam os factos para "não excitar ódios étnicos". A verdade foi escondida para que a nação não exigisse uma ação de resposta.(24)

Antes de ser iniciada a guerra na Chechénia bandidos de todas as nacionalidades foram acolhidos (tática semelhante seguida na Síria e na Líbia) , ante a passividade das autoridades. Em 1992, generais russos, cometeram um ato de traição sem precedentes entregando a unidades ilegais armamento, aviação, mísseis.(143, 147)

Durante os quatro anos de regência do separatista Dudayev na Chechénia, procedeu-se à aniquilação da população russa. Em 1994 registou-se o assassinato de 2000 cidadãos. A propaganda ocidental retratava estes "senhores da guerra" como "combatentes da liberdade". (146, 149) Apesar do rapto de mulheres, de crianças e adolescentes torturados e mortos pelos "combatentes da liberdade" e isto ser do conhecimento de Yeltsin e da sua equipa nada foi feito. Nem uma palavra contra Dudayev lhes saiu da boca.(150) A Arábia Saudita financiava estes gangs.(167)

Milhões de toneladas de petróleo foram roubadas e o lucro depositado nas contas pessoais de Dudayev e dos seus apoiantes clandestinos em Moscovo (governo "liberal reformista" de Gaidar). (148)

DR foi acusado criminalmente de fazer propaganda da guerra ao propor a intervenção armada para defender cidadãos russos, o que está previsto na ordem internacional e foi usado inúmeras vezes pelos países da NATO.(261)

Jaba Iosseliani, um ladrão de bancos, tornou-se líder de um grupo paramilitar na Geórgia pesadamente armado, famoso pelos massacres na Abkásia.(95)

Em 2002 comandos dos EUA participaram nas agressões da Geórgia, deteriorando de forma grave as relações entre a Rússia e os EUA. (261) Em 2008, tropas da Geórgia treinadas por instrutores dos EUA atacaram a Ossétia do Norte expulsando a população russa. Em Beslan 350 crianças de uma escola foram mortas.(213 e 340).

As tropas russas intervieram e em cinco dias o exército georgiano põe-se em debandada "para vergonha dos seus instrutores". Toneladas de mentiras foram debitadas no Ocidente, acusando a Rússia de uso de força desproporcional como se os bombardeamentos da NATO sobre a Jugoslávia (ou sobre o Iraque, Líbia, etc) fossem "proporcionais".(341) Nas capitais europeias foram organizadas manifestações contra a Rússia supervisionadas pelos serviços secretos da Geórgia.(342)

Filofascistas declarados assumiram o poder na Roménia com apoio do Ocidente(74). A ordem do governo de Moscovo para o exército estacionado em Tiraspol foi: "não se envolver" perante a agressão fascista romeno-moldava na Transnítria. Foi como proferir uma sentença de morte para 150 mil habitantes. Em 22 de junho de 1992, comemorando a agressão nazi contra a URSS a aviação moldava bombardeou território russo.(83, 84). Nos Estado Bálticos realizavam-se marchas de nazis e veteranos das Waffen SS. (89) Em 2009, o presidente da Roménia, Besesku, assumia como seu ídolo o ditador nazifascista Antonescu.(77)

Enquanto todas estas tragédias se desenrolavam o "Ocidente" olhava para o lado e os "enviados especiais" dos media teciam loas ao fim da URSS e acusavam – e acusam – o poder soviético de todas as malfeitorias.

5 - A NATO, a UE e a atual russofobia

Em 24 de maio de 1941 escrevia Goebbels no seu diário: "A Rússia deve ser dividida nos seus componentes. Não se pode tolerar a existência a Oriente de um Estado tão vasto".
[2]

Este texto exprime o pensamento da atual russofobia, De facto, as teses de Goebbels fazem escola no mundo dirigido pelo imperialismo.

Nos Estados Bálticos instaurou-se desde logo um poder fascizante, assumindo-se não apenas contra a URSS, mas desde logo a russofobia retirando direitos aos cidadãos russos, privando-os de direitos políticos, fechando escolas, proibindo às crianças falarem russo nas escolas.(86) Como afirmou a DR um diplomata de um dos Estados Bálticos, seria uma forma do "seu pequeno país obter apoios do Ocidente e da UE". Isto vai para além do cinismo.(89)

Em visita que realizei recentemente à Estónia, a guia turística referiu-se assim à história do seu país: "fomos independentes entre 1917 e 1944, quando fomos invadidos pelos russos". Omitia que o seu país esteve ocupado pela Alemanha nazi, donde partiram ataques à URSS e foram formadas unidades locais SS e realizados massacres sobre a população. Na Finlândia, que foi base nazi e participou na agressão contra a URSS, foi dada a mesma versão da "invasão russa" em 1944. É esta a visão NATO da 2ª Guerra Mundial: a libertação dos povos da agressão e da barbárie nazi é transformada em "invasão russa"...

A NATO assumiu pela primeira vez na sua história o direito de conduzir operações fora da sua zona de responsabilidade. O papel da ONU em todo este processo foi lamentável.(180)

As tropas da NATO despejaram na Sérvia 23 toneladas de urânio 238 empobrecido (depleted uranium), causando doenças por radiação a meio milhão de pessoas. Porque é que os seres que protegiam as suas casas da violência são levados a tribunal e não a NATO ou os terroristas do Kosovo, verdadeiros criminosos.(185) A prisão de Milosevic e Karadzic, deixa os liberais de Belgrado com uma permanente marca de desonestidade. Esta a essência antinacional dos liberais.(186)

No final do século XX os EUA posicionaram-se a si próprios como um hiperpoder que aspira a ter o monopólio sobre a regulação global de processos de autodeterminação e direitos de soberania. Washington empreendeu reajustar o mapa político global atomizando grande países ou então diluindo a sua soberania com organizações internacionais de cariz imperial, de que a NATO é um exemplo.(329)

A expansão da NATO para leste é um projeto de natureza essencialmente trotsquista que mina a Europa mais do que se nenhuma ação fosse feita. O domínio sobre os países do leste europeu não teve impacto positivo. A UE não está a crescer, pelo contrário, está a reduzir-se num genérico sentido cultural e espiritual. A segurança não foi reforçada, pelo contrário saiu enfraquecida. Qualquer ação é suposta ter um sentido e um objetivo. Qual é o objetivo da expansão a leste: "Democracia, reforço dos direitos humanos, etc?" Tudo isto é demagogia. A NATO é uma aliança militar. Veja-se a crise permanente na Ucrânia e a falência da Geórgia.(317, 318)

Os EUA e aliados assaltaram o Iraque provocando a morte a imensas pessoas. Porquê? Será que podemos aceitar como razão para uma guerra que uma nação não goste da outra? Esta guerra evidenciou que se Saddam possuísse efetivamente armas de destruição maciça os EUA nunca teriam enviado a sua tropa para lá. (319, 320)

Quanto à UE contemporânea, caracteriza-se por fraca força de vontade e ausência de princípios. Os seus dirigentes são apenas bombeiros que tentam apagar fogos políticos quando e se se desencadearem. Têm falta de visão quanto ao futuro e de memória histórica também.(47)

No conflito da Chechénia o Conselho da Europa e o Parlamento Europeu assumiram o papel de instigadores do conflito.(237) Embora a contribuição da Rússia correspondesse a 13% do orçamento do Conselho da Europa limitava-se a poder enviar uma delegação de 36 membros quatro vezes por ano, ás suas custas, e serem tratados como colegiais sucessivamente falhados. A russofobia levou mesmo a que fossem feitas propostas em diversas circunstâncias para impedir a Rússia de votar e mesmo de falar da tribuna.(317)

A atitude de confronto, a cruzada em curso contra a Rússia não ajudou a resolver um único problema internacional do Ocidente. Excesso de fluxos de emigrantes, drogas ilegais, máfias, problemas ambientais, desintegração moral.(323)

Não importa quão intensa seja a campanha para retratar o nacionalismo russo como ameaça fascista. No meu país a ideologia nazi nunca terá lugar: pagou um preço terrível – 27 milhões de vidas humanas – para libertar o mundo da peste castanha. (117)

O nosso objetivo é prevenir a restauração do poder dos anos 90 e da sua liberal roubalheira. (283) A Rússia tem os seus próprios meios e métodos independentes de assegurar a sua segurança. Não temos intenção de ceder a nossa soberania nem entregar a salvaguarda da nossa independência a um tio do outro lado do Atlântico.(321)

As relações de cooperação entre Estados têm de se basear em princípios de igualdade, integridade, segurança e confiança mútua. (322) A visão hipócrita da comunidade global liderada pelos EUA deve ser tomada por aquilo que é: uma manifestação de hipocrisia e um acessório das ações de política estrangeira.(77) Na verdade, o cinismo da NATO ultrapassa os piores cínicos deste mundo.(341) Contudo a NATO nunca entrará em guerra contra a Rússia. Mas certamente há um "se": se a Rússia permanecer um poder forte e soberano. (326)


[1]
The hawks of peace , Glagoslav Publications, Londres, 2013. Entre parêntesis os números da páginas a que se referem os textos. Em itálico algumas notas ou comentários aos textos de DR.
[2] Elena Rzhevskaia, O fim de Hitler, Ed. Arcádia, p. 50

A primeira parte deste artigo encontra-se em
https://v_carvalho/rogozin_resenha_1.html

Este artigo encontra-se em
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