O nosso país decidiu abrir-se ao multipartidarismo há mais de 20 anos, através do qual as liberdades de expressão, de manifestação e o pluralismo de informação foram consolidadas como base para cimentar a nossa jovem democracia. Hoje todo o guineense sente-se orgulhoso com a conquista desses valores. Infelizmente depois de vários anos de independência e abertura ao multipartidarismo é triste concluir que o maior legado deixado pelos homens políticos que estiveram nas rédeas da governação do país foram a corrupção, a injustiça e o nepotismo em detrimento da transparência na gestão da coisa pública, da meritocracia e da justiça social, que são valores que deveriam servir de alavanca ou semente para lançar as bases do desenvolvimento sustentável sonhado pelos combatentes. E por mais incrível que pareça esta é a verdade crua que se vive nesta terra.
A dificuldade registada no processo do recenseamento eleitoral para as eleições legislativas de novembro, ilucida claramente a fraqueza deste “Projeto do Estado” que se pretende erguer há 44 anos. Um Estado soberano no verdadeiro sentido de palavra jamais estaria a mendigar nas ruas e nos corredores da ONU, da União Europeia e da CEDEAO com “caneca” na mão a procura de migalhas para realizar as eleições.
A soberania de que tanto se vangloria os políticos guineenses não deve limitar-se no papel. A soberania significa ser forte e capaz de andar com os próprios pés e guiados pela sua própria cabeça, como defendia o “Pai fundador” da nossa nacionalidade, Amílcar Cabral.
Estamos conscientes das dificuldades que o país se depara em todos os sectores da vida política, social e económica, mas se apertarmos o cinto é claro que poderíamos custear as nossas próprias eleições ou suportar mais de 50 por cento do seu orçamento. E isso de facto seria possível, se a gestão da coisa pública fosse transparente! A eleição é um acto nacional, razão pela qual deve ser encarada desta forma por todos órgãos de soberania, partidos políticos bem como por todos os cidadãos guineenses. Estamos a falar de menos de dez milhões de dólares norte-americanos, aliás, pode ser muita coisa, mas para um ESTADO é um valor insignificante.
Houve uma chuvada de promessas da parte dos parceiros internacionais em financiar o processo, mas até agora nenhum franco foi disponibilizado pela comunidade internacional. Aliás, este executivo resultou de consensos alcançados sob a mediação da CEDEAO. Agora a questão que se coloca é a razão da demora dos fundos prometidos pelos parceiros: Seria uma falta de confiança na sua gestão? Não pode ser, porque serão geridos pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD. Os parceiros internacionais estão fartos dos processos eleitorais na Guiné-Bissau, depois de um ano voltarmos de novo à instabilidade política? Ou silenciosamente querem levar-nos para as eleições gerais e aí estariam disponíveis para suportar os encargos de uma só assentada?
Essas questões merecem reposta da parte do governo que até ao momento não recebeu nenhum franco dos parceiros para a realização das eleições. O único dinheiro disponivel é a verba disponibilizada pelo executivo guineense. A falta de condições técnicas e financeiras comprometeu o início do processo do registo eleitoral que deveria começar no passado 23 de agosto.
Este povo precisa de respostas claras através de uma voz firme sobre a realização das eleições que para já, a nosso ver, estão comprometidas! É chegada a hora de o Chefe de Estado e o Primeiro-ministro assumirem as suas responsabilidades de informar ao povo a verdade sobre a realização das eleições. É preciso uma coragem política para repensar o processo e apresentar ao país e aos partidos políticos um novo cronograma do processo na base da orientação do Gabinete Técnico de Apoio ao Processo Eleitoral – GTAPE e da Comissão Nacional de Eleições – CNE.
O atraso verificado no registo eleitoral comprometeu todo o processo, portanto é preciso uma dose de coragem ao governo e o sentido de patriotismo dos políticos para encarrar a realidade. A realização das eleições legislativas ainda este ano não é impossível, mas é complexa e se avançarmos no molde como o processo está a desenrolar, com certeza que iremos para uma situação difícil de prever e quiçá para outra crise pós-eleitoral! Defendemos a reorganização do processo juntamente com a comunidade internacional que obviamente é o financiador. Avançar para as eleições gerais já numa data bem pensada em coordenação com GTAPE e a CNE, sob o comando deste mesmo executivo que já está familiarizado com o processo.
Obviamente que pode não ser a melhor solução, mas é o remédio para evitar “ondas de calamidades” que virão se insistirmos com o processo neste caminho nebuloso e sem condições técnicas e financeiras. Tanto o Presidente da República como o Primeiro-ministro devem ter a coragem e humildade de informar o povo da indisponibilidade do executivo em realizar eleições e chamar os partidos para repensarem o processo. A missão principal do executivo é realizar eleições na data prevista, mas o governo depende de terceiros para obter fundos e kits para o recenseamento eleitoral. A classe política deve priorizar a estabilidade do país que está acima do interesse de qualquer formação política.
Por: Assana Sambú
Chefe de Redação