sábado, 22 de setembro de 2018

Editorial: DISPUTAS POLÍTICAS DESVIRTUAM MISSÃO DA AUTORIDADE REGULADORA NACIONAL

Assistimos, nas últimas semanas, da Autoridade Reguladora Nacional das Tecnologias de Informação e Comunicação (ARN) do país, a mais uma demonstração pública daquilo que vem sendo um “desvio do norte” da missão de departamentos governamentais que gerem receitas, em consequência de permanentes disputas políticas para a liderança.
 
Ouvimos, numa conferência de imprensa, a pouca vergonha do presidente cessante do Conselho de Administração de ARN, ao fazer um ‘balanço’ do seu mandato de 19 meses a frente da importante instituição reguladora das TIC. Talvez, para tentar impressionar o Zé Povinho da Guiné em como estava a fazer  um excelente trabalho comparativamente às direções anteriores. Pura manipulação e politiquice.
O ‘balanço’ populista feito pela direção cessante centra-se exclusivamente nas receitas coletadas (para o tesouro público ?). Orgulha-se e se vangloria de ter faturado aos operadores da telefonia (essencialmente) biliões de francos CFA, valores proporcionalmente superiores ao período anterior de 5 anos. Em nenhuma passagem do ‘balanço’ esse administrador (PCA) trouxe elementos que denunciem uma eventual omissão de faturação legalmente correcta pelas antigas direções, ou ainda a entrada de novas empresas no setor das TIC durante o seu mandato, que explicasse o aumento das receitas.
A verdade é que em finais de 2016 (vésperas no início do mandato da direção que reclama ter efetuado muito progresso) foram aprovados decretos-leis sobre taxas (criadas, atualizadas) aplicadas às entidades licenciadas no setor das TIC, o que quase duplicou a faturação da ARN. O que é que se fez com esse dinheiro? Qual o impacto no desenvolvimento do setor das TIC ou no Tesouro Público? Não se sabe!
Outrossim, além de comparativos em relação às receitas geradas, o conteúdo do ‘balanço’ é vergonhoso, uma vez que a missão principal da ARN não é coletar dinheiro para o tesouro público. A performance de uma instituição regulatória não é apreciada com base nos indicadores financeiros, lucros. Sob pena de chegar a conclusão que existe uma deliberada intenção e má fé de governantes e políticos guineenses em desvirtualizar e empobrecer, para benefícios próprio, todas as instituições de Estado ainda em fase de maturação.
A regulação teve a sua génese no mundo nos anos 1996 a 2000, depois da liberalização do setor das telecomunicações por recomendação do Banco Mundial, até aí gerido exclusivamente pelo Estado. Para regular um mercado de forte concorrência e assegurar a aplicação de um conjunto dispositivos jurídicos, económicos e técnicos que permitissem que as atividades reguladas fossem exercidas eficazmente e satisfizessem os interesses dos consumidores, do crescimento económico e do emprego, idealizou-se a criação de uma estrutura pública, dotada da personalidade jurídica e de autonomia financeira. As taxas que cobra às entidades reguladas servem essencialmente para cobrir as despesas de funcionamento da Autoridade reguladora, evitando a dependência do Orçamento do Estado e da grelha salarial da função pública comparativa às empresas de telecomunicações. Por isso, segundo a lei de base das TIC, o remanescente das receitas de taxas anuais deve ser encaminhado para o tesouro público e para o fundo do serviço universal.
Os políticos guineenses devem deixar a ARN trabalhar convenientemente, recrutando pessoas com mérito técnico para constituir uma equipa competente para, de um lado, fazer face aos profissionais de multinacionais que operam no mercado nacional e de outro lado,  acompanhar a dinâmica das TIC que cresce à velocidade de cruzeiro, atavés das as funções de regulação, de supervisão, de fiscalização e de aplicação de sanção pertinente.
Qual é a qualidade do serviço que ARN pode prestar ao país, se nos últimos 7 anos tem feito alguns recrutamentos na base de recomendações políticas? Como a ARN pode discutir tecnicamente e controlar os operadores, ou propor ao governo ideias, políticas estratégicas das TIC na Guiné-Bissau, se, além das competências nos domínios económicos, jurídicos e finaceiros,  98% do seus quadros técnicos nunca trabalharam numa empresa de telecomunicações?
Esse ‘balanço’ forçado, com dose de populismo político na ARN, feito pela direção cessante, espelha a tendência desta importante casa de regulação do setor das TIC – novo areópago do desenvolvimento sócio-económico e cultural – em preocupar-se mais servir agendas de políticos: sacar dinheiro, sufocar empresas licenciadas com taxas, fazer negόcios com fornecedores internacionais de equipamentos e prestadores de serviços.
Ainda é tempo de o Estado ajudar a ARN a recentrar as suas ações no estrito cumprimento da sua missão, propondo ao executivo leis e regulamentos, animar o mercado das TIC, promover o desenvolvimento digital. Recrutar quadros qualificados, não sό para fazer face à dinâmica tecnológica vis-à-vis de operadores e fornecedores de equipamentos, mas também participar ativa e qualitativamente nos projetos de diretivas e regulamentos comunitários da CEDEAO e da UEMOA que vinculam a Guiné-Bissau, uma vez assinados e ratificados pelos Estados membros.
Quando é que a Guiné-Bissau vai conceber e aprovar o documento orientador do governo sobre ‘Política nacional de desenvolvimento das TIC’ ?
 
Por: Redação