Em 1973, a Guiné-Bissau proclamava a sua independência e no ano seguinte a comunidade global dos Estados o fazia igualmente, reconhecendo a existência soberana deste país africano conforme os marcos legais e costumeiros do direito internacional. Lograda no contexto de uma ferrenha e triunfante luta armada contra o colonialismo português, circunstanciada pela Revolução dos Cravos em Portugal e apoiada pelo espírito de autodeterminação dos povos que ganhou força no pós-Segunda Guerra Mundial, a roupagem da independência da Guiné-Bissau a inseria nos padrões do conjunto de Estados soberanos que se constituiu como tal a partir dos anos 1960, sendo a maioria esmagadora pertencente à África.
A exemplo de praticamente todos os países da região, a imediata inserção internacional do país no pós-independência foi marcada, no plano externo, por uma relação de profunda dependência econômica e consequentemente política. É claro que os países que perfilam o sistema internacional estão permanentemente mantidos em uma relação de interdependência. Aqui me refiro à excessiva dependência estrutural da Guiné-Bissau, consolidada pelo sistema da economia política imposto pelas agências financeiras de Bretton Woods, consubstanciado no Programa de Reajustamento Estrutural.
Todavia, a dependência do nosso país não jorra apenas das fontes da parte exterior dos seus limites fronteiriços. O recurso fulcral da sua exacerbada dependência ou daquilo que alguns estudiosos chamariam “falência de Estado” – termo problemático e limitado – procede da esfera interna. Esta é a unidade analítica que preside a presente análise.
A Guiné-Bissau não logrou a segunda etapa da independência e isto, no meu ponto de vista, em alguma medida compromete a independência (nos seus objetivos traçados) proclamada há 45 anos nas matas da nossa terra. Deste modo, este país não só enfrenta no domínio internacional a dependência internacional, baseada na relação de dependência e exploração conforme a lógica da economia política capitalista, veiculada e intensificada pelas vigentes ondas da globalização.
No plano doméstico, a população guineense permanece mantida em um estado estrutural de dependência socioeconômica plantada e regada durante os longos anos do regime do PAIGC. A injustiça social e o pauperismo que permearam e acompanharam o processo de afirmação do Estado pós-colonial guineense, marginalizando a maioria da população guineense do processo distributivo das benesses materiais de 24 de setembro, em prol de uma ínfima minoria, representam principais legados do PAIGC.
A principal contradição da independência conquistada pelo PAIGC se manifesta do fato de a partir de 1973 (se quiser, a partir de 1974) a oligarquia política deste partido ter inaugurado o processo de produção e reprodução das dependências econômica, social e política dos cidadãos da Guiné-Bissau. A instrumentalização do aparelho de Estado para fins de enriquecimento grupal e pessoal, consubstanciada em uma relação de corrupção endêmica e privação (pela violência e por seleções de conveniência) de acesso às esferas de decisão e aos recursos públicos e coletivos matizou todo esse processo.
A tentativa de dividir com outras formações políticas e outros atores sociais e políticos da Guiné-Bissau a responsabilidade pelo fracasso no desenvolvimento e na tradução real das razões da luta é, a rigor da palavra, uma flagrante desonestidade intelectual e política. Em certos momentos e situações, estes últimos podem ter cometido (e acredito que o tenham feito) equívocos e erros na compreensão e implementação de determinadas medidas políticas, mas de forma nenhuma proporcionais aos fracassos acumulados historicamente pelo partido sediado nas intermediações da Praça do Império.
Passados 45 anos da desocupação colonial da nossa terra, marcados pela instalação efetiva da penúria social e econômica, contrariando flagrantemente os motivos para o 23 de janeiro 1963, a comemoração de 24 de setembro deveria ser inserida nos marcos de reflexão e autocrítica sobre os fracassos nos objetivos do desenvolvimento. Deve-se comemorar e enaltecer o glorioso heroísmo dos nossos combatentes pelas façanhas da guerrilha logradas mediante à inequívoca assimetria armamentista que os distinguiam em relação aos homens armados de Salazar; entretanto, esse não deve constituir o principal aspecto da celebração desta data ou, ao menos, que isto seja relegado aos cidadãos e não àqueles que tinham como a responsabilidade completar com sucesso os desígnios da realização e consecução de 24 de setembro.
24 de setembro se revela uma contradição proporcionada pelo próprio PAIGC, ao traduzir inversamente os objetivos da independência que nortearam a luta em gestação de dependências e insuficiências sociais e econômicas internas que atravessam praticamente todo o tecido social guineense, excetuando uma pequeníssima parcela da população que constitui, desde a emergência da República da Guiné-Bissau, o restrito e privilegiado grupo dirigente e beneficiário do êxodo imposto aos invasores que tinham chegaram neste solo há muitos anos.
Por: Timóteo Saba M’bunde, Mestre em Ciência Política.
Setembro de 2018