quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Domingos Simões Pereira: “GOVERNO DEVE FIXAR E SE CONCENTRAR NA MISSÃO DE REALIZAR AS ELEIÇÕES”

[ENTREVISTA] O líder do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Domingos Simões Pereira, exortou que a responsabilidade da realização das eleições legislativas agendadas para 18 de novembro 2018 deve ser uma questão fundamentalmente nacional, tendo aproveitado a ocasião para apelar ao governo, em particular ao Primeiro-ministro Aristides Gomes, que redobre os esforços na missão de realizar as eleições na data prevista.
“Não há outra prioridade que deva sobrepor-se à preparação das eleições. Descontando os períodos de descanso e de satisfação de outras necessidades, todo o dia ou todas as 24 horas do Primeiro-ministro e de todos os membros do governo e demais órgãos de soberania devem consagrar-se na preparação das eleições”, assegurou o presidente do PAIGC, partido vencedor das eleições de 2014, durante uma entrevista exclusiva ao Semanário O Democrata por telefone, com o intuito de falar da situação política vigente, em particular da questão do processo de recenseamento eleitoral bem como da razão da sua permanência de mais de três meses no exterior, apesar de existir um pedido do Ministério Público para o levantamento da imunidade parlamentar de que goza.
Simões Pereira afirmou que regressará ao país a 7 do mês em curso e prosseguirá com as suas atividades políticas no partido, tendo assegurado que não recebeu nenhuma notificação oficial da Procuradoria-Geral da República sobre qualquer processo em que tenha sido constituído suspeito ou testemunha.
“Enquanto estamos a falar, eu não conheço nenhum processo que tenha sido movido pelo Ministério Público contra a minha pessoa. Não há nada contra mim! Regressarei ao meu país, não temendo rigorosamente por nada”, afirmou o político que, no entanto, sublinhou que ouviu sim através dos órgãos da comunicação social que o Ministério Público teria pedido à Assembleia Nacional Popular o levantamento da sua imunidade parlamentar.
Sobre as eleições e no concernente ao pedido da confiança do povo no programa dos libertadores, Simões Pereira disse que “o povo sabe hoje que o PAIGC é provavelmente o único partido político em condições de garantir que cada voto que lhe for consagrado será um voto a ser respeitado e implementado, de acordo com a sua escolha”.
“A motivação do PAIGC e contrariamente aos outros partidos e elementos que estão a surgir, não é impedir outro partido ou outras estruturas de governar, não! A ambição do PAIGC é transformar a sociedade guineense e promover o desenvolvimento. O PAIGC vai apresentar a sua visão e partilhar o seu projeto de sociedade. Igualmente vai provar a Guiné-Bissau que desta vez não é só pedir quatro anos para implementar o programa político eleitoral. Desta vez vamos dar garantias da capacidade para, uma vez eleito o PAIGC, assegurar a estabilidade e que os quatro anos serão quatro anos de governação e que ninguém terá condições de impedir essa governação”, afiançou.
O Democrata (OD): O Presidente já terminou a defesa da sua tese de doutoramento há mais de um mês. Como ficou o resultado? Domingos Simões Pereira já é titular de um doutoramento em Ciências Políticas?
Domingos Simões Pereira (DSP): Não… terminei o meu mestrado em Ciências Políticas em 2011/2012. Eu defendi o projeto de tese, portanto com a defesa do projeto aguardo a fixação do prazo para a sua apresentação e consequente defesa. Ou seja, como já defendi o projeto da tese, agora estou a desenvolvê-la para apresentar no prazo estabelecido e me submeter ao júri.
OD: Então, o que está por detrás da demora do seu regresso ao país? Tem a ver com o Ministério Público, que pede o levantamento da sua imunidade parlamentar?
DSP: Não…eu penso que essa possibilidade não convence a ninguém. Quantas vezes é que houve este tipo de ameaças, de impedir-me ou intimidar-me a não regressar à Guiné e que não se concretizou? Saí depois da formação do governo. Primeiro, porque concluí que, a partir do momento em que se formou o executivo, devíamos dar espaço para a sua estruturação e funcionamento, com nenhuma ou o mínimo de interferência, tendo em conta a sua natureza e carácter.
Eu não quis que a minha presença, de alguma forma, pudesse comprometer à vontade dos ministros designados pelo PAIGC. Portanto, foi uma escolha pessoal. Já o havia prometido a mim mesmo e publicamente, tendo em conta todo o imbróglio que tem sido criado a volta da governação e de todo o processo político. Várias vezes disse que se houvesse um entendimento para a viabilização do governo, eu estaria afastado dessa dinâmica, sem deixar de assumir a responsabilidade enquanto (dirigente) de um partido político integrante dessa solução.
Paralelamente a isso, eu tinha outras coisas pendentes e uma delas, que julgo devidamente acompanhado no país, foi o fato de ter-me submetido à uma intervenção cirúrgica a um olho. É algo que já me tinha sido recomendada desde 2014 e 2015, mas que nunca tive o tempo de resolver. Finalmente, o programa de doutoramento, que suspendi desde 2012 porque não tinha tempo. Este conjunto de questões e outros assuntos de natureza mais pessoal justificam o tempo que tirei e que me tem mantido cá fora. Mas posso assegurar que o tenho preenchido principalmente em profunda reflexão e estudos sobre programas para a estabilidade da Guiné-Bissau e o seu desenvolvimento.
OD: Nos últimos tempos desdobrou-se em contactos com os militantes do PAIGC em alguns países da Europa. Como está a estrutura do partido no exterior e o que tem constatado de concreto?
DSP: O PAIGC tem estruturas coesas e a disciplina está a ser respeitada! Os órgãos têm competências e funcionam sem quaisquer ambiguidades. Deixei de sentir qualquer necessidade de marcar presença para que as coisas realmente aconteçam. Um partido é uma estrutura colegial e temos entidades com várias competências. Portanto estou satisfeito por ter verificado que as estruturas estão a funcionar muito bem.
Aproveitei igualmente este tempo para pensar o partido e perspetivar os objetivos que aprovámos. Até ao final de julho, não fiz nada disso. A partir do início de Agosto retomei a minha atividade política. Comecei com os contactos aqui em Lisboa e agora vim recentemente do Luxemburgo onde nos reunimos com os militantes do partido.
A nossa diáspora está muito ativa e quer participar neste processo político na Guiné-Bissau. A minha resposta é incentivar essa postura pois a diáspora é sempre uma importante reserva da nação, que pode e deve jogar um papel central na estruturação do nosso futuro. Estou, portanto, em plena preparação da minha ‘rentrée’ política, através de contactos com a diáspora.
OD: Apesar de ter explicado a razão da sua estadia na Europa ao longo deste tempo todo, circula a informação em Bissau em como Simões Pereira temia regressar ao país para não ser preso pelo seu (suposto) envolvimento em casos de corrupção. Quer fazer um comentário sobre este assunto?
DSP: Nem sei se isso deve merecer um comentário meu. O que eu lhe posso adiantar é que eu vou regressar a Guiné-Bissau a 7 de Setembro. Sobre isso não há grandes questões.
Quero esclarecer que eu não tenho conhecimento de nenhum processo especial contra mim! Ouvi pelos órgãos da comunicação social e acompanhei um conjunto de cartas e as questões que foram colocadas à Procuradoria-Geral e que estiveram a ser discutidas com a Assembleia Nacional Popular.
OD: Então, não chegou de receber pessoalmente nenhuma notificação do Ministério Público?
DSP: Nenhuma! Neste momento em que estamos a falar, não conheço nenhum processo que tenha sido movido pelo Ministério Público. Não há nada contra mim. Eu vou regressar ao meu país, portanto não temo rigorosamente nada.
Fazem-se ameaças em tons agressivos. Têm sido veiculados por entidades que tinham obrigações de garantir a segurança e justiça a todos os cidadãos, porque protegidos pela lei e que, em caso de necessidade têm condições para demostrar a sua inocência. Infelizmente, não é o caso, mas vindo de que vem, eu não quero fazer qualquer tipo de comentário.
OD: A missão do governo de consenso formado pelos partidos com assento no parlamento é realizar eleições legislativas a 18 de novembro. Todavia, o registo eleitoral que deveria ter se iniciado a 23 de agosto, não teve lugar devido à falta de kits. Acredita na realização das eleições na data prevista?
DSP: Eu tenho que acreditar enquanto for materialmente possível. A nossa Constituição fixa um prazo de 90 dias na eventualidade da queda do Governo e a necessidade de realizar eleições antecipadas. Eu só posso acreditar que esse prazo de 90 dias foi fixado com base numa avaliação técnica objetiva que terá concluído ser esse o período mínimo necessário para criar as condições de realização das eleições.
Ora, o dia 18 de Agosto que seria o período desta contagem acaba de ser ultrapassado. Porém, com algum empenho, dedicação e a determinação de todos, penso que é possível cumprir essa data e prazo. Mas, eu não tenho estado no terreno…tenho recebido alguma informação,pouca, mas assim que voltar, vou estar na posse de mais informações e melhor posicionado para avaliar.
Aquilo que me parece evidente é que existem entidades que acham ter o direito de simplesmente exigir e pensam que vão poder aproveitar de qualquer desvio no cumprimento deste prazo para benefício próprio. Isto inclui gente que provocou o próprio quadro de bloqueio e a crise institucional que se viveu este tempo todo. É inacreditável…!
O governo que agora formado é um governo que resulta de consensos estabelecidos entre os principais partidos, à margem de uma Cimeira dos Chefes de Estado da Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO), mas é um governo provocado pelo impasse criado à governação normal. Portanto, em vez de estarmos empenhados a tentar encontrar como responsabilizarmo-nos uns aos outros, como tirar o proveito desta situação, todos nós atores políticos, deveríamos sentir-nos responsáveis pela situação. Todos os partidos políticos deveriam comprometer-se em trabalhar para a criação de condições para a realizações das eleições. Não há aqui mais responsáveis ou menos responsáveis.
Há sim, uma situação de impasse que foi criada de forma desnecessária! Uma crise completamente absurda, insisto em dizer isso. A retoma da normalidade passa pela devolução da palavra ao povo, para a escolha dos legítimos representantes, o que deve ser uma responsabilidade de todos e todas as entidades políticas nacionais. Acredito e ainda insisto. Naquilo que for da minha competência, pessoal e institucional, continuarei a dar o meu apoio para que a data marcada se concretize.
E até que as entidades competentes confirmem a sua impossibilidade, continuarei a acreditar em como 18 de novembro será o dia em que se realizarão as eleições.
OD: O Governo depara-se com muitas dificuldades financeiras e técnicas que podem comprometer a realização das eleições legislativas.  O PAIGC tem alguma proposta em manga como alternativa para viabilizar o processo? 
DSP: Não há alternativa a realizações das eleições. As eleições são, na democracia, o momento em que o povo tem o direito de escolher os seus legítimos representantes. A democracia é o poder do povo. Ela consubstancia-se, primeiro, na realização das eleições e depois no exercício democrático por parte das instituições. É verdade que estamos habituados ao apoio da comunidade internacional para a criação de condições e pressupostos para que essa ida a urna possa acontecer.
É muito bom e é legítimo esperar que este apoio possa permitir a criação de todas essas condições. Mas a grande verdade é que a responsabilidade da realização das eleições deve ser uma questão fundamentalmente nacional. Por isso, exorto ao governo em particular ao Primeiro-ministro que redobre os esforços no sentido de se fixar e concentrar-se quase que exclusivamente nessa missão.
Não há outra prioridade que deve sobrepor-se à preparação das eleições. Descontando os períodos de descanso e de satisfação de outras necessidades, todo o dia ou todas as 24 horas do Primeiro-ministro e de todos os membros do governo e demais órgãos de soberania devem consagrar-se na preparação das eleições.
Se chegarmos ao fim de tudo e as eleições se realizarem, então faremos uma avaliação positiva do seu desempenho. Se deixarem que algo lhes distraia e, como se sabe há muitas entidades interessadas em perturbar, para depois poder reclamar, a avaliação poderá ser negativa.
Acho que é importante que o primeiro-ministro e o governo em geral se focalizem nesse objetivo como única razão da sua existência e aquilo que poderá permitir uma avaliação positiva do seu desempenho.
OD: O atraso registado no início do processo do registo eleitoral levou algumas formações políticas a questionar a competência do primeiro-ministro em prosseguir com a liderança do governo. Até há vozes críticas que pedem a demissão do Governo. O PAIGC mantém a confiança no Governo de Aristides Gomes ou junta-se às vozes criticas?
DSP: Nós não temos elementos para pôr em causa o empenho deste governo na realização das eleições. Este governo resulta de um consenso estabelecido para ultrapassar o impasse que se criou e que paralisou o funcionamento das instituições….
Este não é um governo ideal obviamente! O único governo ideal seria aquele que resultasse do voto popular e isso aconteceu em 2014. Esse governo devia ser constituído pelo PAIGC que é o partido que ganhou as eleições em 2014.
Criou-se uma situação de instabilidade e uma situação de impasse político. Graças a negociações com a comunidade internacional, conseguimos encontrar esta solução que é um remendo a nossa constituição, ou seja, uma espécie de “tchapa-tchapa” de todas as formações políticas. Pronto, aceitámo-la porque pareceu-nos ser a única via para podermos devolver a normalidade constitucional ao nosso país. Perante uma eventual situação de dificuldades, devíamos nos concentrar a procurar soluções e alternativas, e não tentativas de aproveitamento. Contudo, como eu já disse e volto a repetir, eu não estou no país e sigo as informações pelos órgãos de comunicação social, portanto pode-me estar a escapar algo que espero auferir logo que cheguei ao país.
Assim que eu voltar, estarei em condições de aceder a mais informações e poder avaliar. Neste momento não tenho razões para pôr em causa o funcionamento deste governo no cumprimento dos seus objetivos. Continuo a achar que todas as entidades, a começar pelos partidos políticos, bem como pelo próprio Presidente da República e a Assembleia Nacional Popular, devem trabalhar no sentido de viabilizar este processo. Este processo não foi criado pelo governo, aliás, o próprio governo é uma tentativa de encontrar solução aos problemas criados.
OD: Uma das razões do atraso neste processo tem a ver com a falta dos kits. Depois das eleições de 2014, chefiou o governo durante algum tempo. Como encontrou os kits doados por Timor Leste e que tratamento o seu governo tinha ordenado para a sua conservação?   
DSP: Quatro anos depois da realização das eleições, eu não possuo o nível do rigor técnico que seria necessário para responder a essa questão. O que eu lhe posso garantir se refere a contactos então estabelecidos durante a nossa governação, numa viagem que fiz a Timor Leste. Como deve lembrar-se, fui portador de uma condecoração que o Estado da Guiné-Bissau atribuiu ao governo de Timor Leste à entidade que apoiou a realização das eleições no nosso país em 2014.
Isso permitiu-me ter uma reunião com os membros do governo de Timor Leste sobre a transferência dos dados e conhecimentos para a sua gestão pelos técnicos nacionais. Fizemos então questão de insistir no controlo bem como na preservação destes Kits, mas também estava programada uma formação para um conjunto de pessoas que iriam trabalhar para que o Estado da Guiné-Bissau estivesse em condições de manter e atualizar permanentemente um banco de dados fiável.
As entidades responsáveis afirmaram que havia condições para a realização das eleições. E eu acredito que há essas condições. Afirmamos muitas vezes que somos soberanos, mas quando chega o momento de exercermos a nossa soberania queremos transferir essa responsabilidade a outras pessoas ou organizações. Eu penso que todos devíamos compreender a gravidade de não sermos capazes de criar condições para que o povo possa exercer o seu direito fundamental.
OD: O PAIGC elegeu nas últimas eleições 57 deputados, dos quais 13 mulheres. Um número significativo de deputados possui formação superior, mas há deputados na bancada parlamentar do PAIGC com apenas certificados do ensino básico. O seu partido admite a lógica de eleger um “analfabeto” como deputado da Nação na sua lista?
DSP: A pergunta assim colocada leva a uma interpretação que é ilusória e nem sempre traduz da forma mais fiel aquilo que deve ser a nossa compreensão dos factos. Estamos num país com mais de 60 por cento dos analfabetos e não podemos pretender que o exercício do poder seja da responsabilidade exclusiva dos letrados. Tudo depende, no entanto, da natureza das instituições que criarmos. Se queremos ter uma ANP com vocação de legislar, como é o caso, então necessitamos desenvolver um perfil de deputado que corresponda a essa capacidade de produzir leis e saber respeitar a sua aplicação. Mas, tendo em conta a nossa especificidade e mantendo as devidas proporções, podíamos nos inspirar de vários modelos existentes e por exemplo, dividir o parlamento em duas câmaras, em que uma (normalmente a baixa) legisla e a outra (superior) constituída por senadores, com o objetivo exclusivo de representação, incluindo sobretudo os mais velhos, capazes de aconselhar e pacificar todo o debate e disputa política.
OD: O partido reuniu o seu Bureau Político recentemente para analisar e definir os critérios da candidatura para o cargo de deputado. Qual seria o perfil de um deputado do PAIGC?
DSP: Temos repetido várias vezes que o PAIGC está num processo de profundas reformas e que estão repondo o partido na sua linha ideológica e programática. Estamos regressando à posição em que, perante cada grande decisão, o partido questiona, quais os seus militantes melhor posicionados para assumir essa missão e interpretar as aspirações do povo guineense, e não aquela situação terrível que ameaça desmoralizar a nossa sociedade, em que todos pensam que o partido existe para eles poderem subir na vida e viverem bem.
Por esse motivo, o Bureau político estabeleceu como principais critérios para a escolha dos candidatos a deputado, a condição moral e cívica dos nossos militantes; a sua identificação com as estruturas de base e com os problemas da população; e o carácter nacional e inclusivo de toda a representação. Todos os guineenses, de todas as raças, de todas as confissões religiosas podem ambicionar ser deputados da nação por listas do PAIGC, mas para tal têm de merecer a confiança e preferência do povo e respeitar a disciplina interna e as orientações do partido. Também o Bureau Político deixou claro a necessidade de maior rejuvenescimento da nossa classe política e o respeito da igualdade de gênero, a começar com a cota mínima estabelecida pela ANP.
OD: PAIGC faz parte do Coletivo de partidos políticos que recentemente defendeu a instauração da democracia, ou seja, a demissão do governo de Sissoco Embaló. Fala-se numa coligação entre os partidos que constituem o referido coletivo. Admite a possibilidade do PAIGC coligar-se com outras formações políticas nestas eleições?
DSP: O PAIGC é um partido muito grande e com um historial muito rico, para além de uma sigla e um símbolo com o qual este povo muito se identifica. Nós teremos dificuldades em prescindir desses elementos que para muitos até transportam valores sentimentais. Mas o PAIGC é também uma formação progressista e a cada momento se predispõe a interpretar os momentos e as suas exigências. Sei que há diálogos em curso e saúdo esse exercício a favor de uma simplificação dos processos, para que o povo possa saber claramente a diferença entre os grupos e formação e fazer sua escolha em consciência. Lamentamos que algumas formações se esforcem por serem assemelhadas e confundidas exatamente pelos partidos que dizem combater, copiando cores e formas. Mas subestimam a capacidade deste povo, que vai mostrar que tal como a música “povu ca burro”.
OD: A Realização do IX Congresso Ordinário foi ensombrada por muita disputa judicial e política que podia pôr em causa a realização do conclave em Bissau. A invasão da sede pelas forças de segurança, entre outros aspetos que aconteceram. O que estava em causa que criou toda essa situação?
DSP: Não quero voltar ao passado e evocar aqui todas as coisas que aconteceram. Consideramos que foi uma fase de grande aprendizagem em que essas ocorrências reforçaram o PAIGC, que é hoje um partido muito mais coeso, um partido muito mais unido e focalizado no seu trabalho para o desenvolvimento do país. Hoje a situação permitiu que todo o povo guineense saiba quem é quem e como nos posicionamos em relação ao contexto político nacional. Portanto, eu não pretendo abordar esta questão porque, em política eu não me arrependo, limito-me a aprender. E aprendi muito nestes quatro anos.
OD: Como define a nova direção do PAIGC, constituída por quatro vice-presidentes?
DSP: O PAIGC tentou corresponder à organização administrativa do país, em que temos quatro grandes centros administrativos, nomeadamente, o Sector Autónomo de Bissau e Biombo (zona centro), depois temos províncias de norte, sul e leste.
Tentamos que a nossa estrutura também se constitua na base dessa lógica administrativa e foi com base nisso que estamos a definir a nossa estratégia. Deve compreender que temos muito mais pormenores em relação a isso, mas isso corresponde a uma estratégia de gestão que aqui não pretendo discutir.
OD: Então, cada vice-presidente e inclusive o presidente vão encarregar-se de uma determinada zona?
DSP: Eu não vou entrar em mais pormenores. Registo com satisfação que outras formações políticas se tenham inspirado desse exercício do PAIGC para tentarem replicar. Isso é normal e não nos perturba em nada, pois o PAIGC é o partido referência e é normal que os demais copiem o que o PAIGC faz, desde que copiem bem e deem o melhor usso a essa referência.
Infelizmente outros partidos já tinham realizado os seus congressos e não puderam seguir algumas dessas lições, mas isso também é normal na vida.
OD: Algumas vozes críticas entendem que a composição da direção poderá provocar no futuro próximo um novo “Grupo 15”, ou seja, dissidentes. Quer fazer um comentário…
DSP: Um partido político é uma dinâmica, é um corpo vivo. Portanto o objetivo de um partido não é tomar uma decisão de tal forma que consiga prever o futuro e resolver por antecipação todos os problemas. Esse não é nosso objetivo! Não criamos essa estrutura do partido e tomamos a decisão que tomamos, convictos de que a partir deste momento não haverá mais problemas.
A forma como estruturamos o partido e as decisões que estão a ser tomadas são para garantir que o partido tenha uma linha de conduta, um princípio orientador, uma conduta muito clara e regras disciplinares para o efeito. Parece que o que me está a dizer é que pode vir a acontecer outras situações de indisciplina e outras que não coadunam com as orientações do partido. Espero que não! Mas se acontecerem, o partido está munido de instrumentos necessários e suficientes para poder tratar dessas situações de forma expedita, aplicando critérios objetivos e transparentes.
OD: E se acontecer situações de indisciplina partidária, o partido adotará as mesmas medidas?
OD: As estruturas competentes tomarão as medidas necessárias, se vier a acontecer alguma situação de indisciplina partidária, ou seja, situações que vão contra as orientações da direcção do partido. Disso pode estar claro e seguro que é o que irá acontecer. Se houver situações da indisciplina partidária, mas estou seguro que cada vez mais, os nossos militantes percebem que os princípios e a disciplina não se negoceiam aqui e, portanto, se abstêm de experimentar essa postura. Cada vez mais, nos aproximamos daquela situação em que não será necessário tomar medidas, porque todos sabem a que se sujeitam em caso de infração.
OD: O Presidente tem a intenção de liderar a lista à deputados da nação do partido ou há hipótese de uma candidatura presidencial?
DSP: Não estamos na fase das eleições presidenciais. Nós estamos em vésperas de eleições legislativas e eu sou o presidente do PAIGC, vou ser a cabeça de lista do partido para essas eleições legislativas e, portanto, o primeiro candidato a chefe do governo em caso de vitória.
O PAIGC é uma entidade política, com estruturas vocacionadas para tratar de todas as situações pelo que, quando se colocar a questão das eleições presidenciais, irá convocar os seus órgãos competentes e dará a conhecer a sua posição em relação à questão…
Neste momento não se coloca a questão das eleições presidenciais. Não está em debate. Não há uma decisão superior do PAIGC que eu lhe possa transmitir sobre este assunto. Apenas posso dizer que estamos a trabalhar para as eleições legislativas de 18 de novembro.
OD: PAIGC está fraturado em três blocos, nomeadamente MADEM – G 15, FREPASNA e a própria direção do PAIGC. Não teme que o surgimento dessas duas formações políticas  constituidas essencialmente por antigos dirigentes e militantes dos libertadores poderá levar o PAIGC à derrota eleitoral?
DSP: Talvez já tenha feito uma avaliação e provavelmente estará na posse de mais elementos do que eu. Os elementos que eu tenho vão noutro sentido, ou seja, no sentido de que hoje o PAIGC está bastante mais unido, bastantes mais coeso, mais disciplinado e, por tudo isso, atraindo uma maior e crescente adesão de novos militantes e simpatizantes.
E os militantes do PAIGC revêm-se melhor neste PAIGC e nesta forma de existência e de orientação do partido. Estamos convictos de que não há partido nenhum que consiga mobilizar a opinião pública e tenha a capacidade de garantir ao povo que uma vez eleito, pode cumprir o mandato para o qual foi eleito.
Hoje é muito corrente os partidos pretenderem atirar tudo para cima do PAIGC. Desde a abertura à democracia em 1994, conclui-se que houve sempre indisciplina interna e montagens no sentido de inviabilizar a governação. Isso aconteceu com o PAIGC. E aconteceu também em 1999, quando a coligação PRS, Movimento Bafatá e outras formações políticas assumiram a governação.
E a seguir o que foi que se fez sempre?! Mais um golpe de Estado que inviabilizou essa governação. Portanto, essa questão da indisciplina interna é algo que confronta toda a classe política e a sociedade guineense como um todo. O PAIGC está a fazer a sua parte, ou melhor, a purificar as suas estruturas. Não purificar com base noutro tipo de critérios, mas exclusivamente nos critérios de observância dos nossos estatutos bem como da observância da nossa perspectiva interna e da orientação superior do partido e nas decisões dos seus órgãos competentes.
Hoje essa mensagem não é valida só para dentro do PAIGC. Essa mensagem é valida sobretudo para fora do PAIGC! O povo sabe hoje que o PAIGC é provavelmente o único partido político que está em condições de garantir que cada voto que lhe for consagrado será um voto a ser respeitado e implementado de acordo com a sua escolha, a escolha do povo.
OD: É verdade que o PAIGC negoceia secretamente com o ministro Conselheiro Botche Candé, de forma a contornar o MADEM-G 15 na zona leste?
DSP: Não tenho essas informações. Mais uma vez é daqueles assuntos em que é normal que quem está no terreno tenha mais informações do que quem está aqui fora. O que lhe posso dizer é que desde que saí de Bissau, dei plenos poderes às entidades que estão no país para dirigir o partido. E mantêm-me informado sobre as grandes decisões que estão a tomar e da forma como estão a conduzir o partido.
Uma das orientações que estão consagradas é que o partido deve estar em condições de dialogar com todo o mundo, sobretudo com os seus militantes, mesmo que estejam em situação de suspensão e de algum sancionamento. Mas sobre a questão concreta que acabou de colocar e dos dados que acabou de me dar, de facto não chegaram ao meu conhecimento e não posso confirmar.
OD: Como o partido pretende gerir os casos dos dirigentes suspensos ou a quem tenham sido aplicadas outras medidas, incluindo o caso de deputado Botche Candé, tendo em conta que caminhamos para as eleições? 
DSP: Os militantes suspensos e contrariamente àquilo que acontece eventualmente noutros partidos, conhecem muito bem o quadro dessas suspensões. Portanto eles não podem ser escolhidos ou eleitos. Mas são militantes do PAIGC e sabem o que podem fazer pelo PAIGC e como podem contribuir para o partido. Obviamente todos os sancionados sabem que estão a ser acompanhados.
Há estruturas competentes do PAIGC que têm a vocação de acompanhar a actuação dessas entidades. Portanto, vão poder auferir em função dos seus comportamentos se estiverem a dar mostras de merecer um atendimento favoravel, não haverá novidades em relação a isso. Aliás, não só o PAIGC, como os próprios militantes sabem quais devem ser os limites da sua conduta durante o processo de suspensão.
OD: Pediu aos guineenses para sonharem em 2014, mas tudo acabou numa frustração total. Acha que merece perdão dos guineenses pela frustração causada pelo seu partido por causa de disputas internas?
DSP: Acha que o PAIGC é que criou essa situação? Acha que o povo guineense considera o PAIGC responsável pelo facto de haver um grupo de deputados que votou contra o programa do seu partido? Acha que o povo guineense responsabiliza o PAIGC pela decisão do Presidente da República de invocar uma nova maioria e criar a crise? Acha que o povo guineense responsabiliza o PAIGC por não poder governar durante esses quatro anos?
Acha que o povo responsabiliza o PAIGC por estar a disciplinar os seus órgãos e criar condições para que possa ter uma governação estável no futuro… então, de facto se assim fosse, o PAIGC não mereceria a confiança do povo. Mas acho que não! O povo acredita no PAIGC e confiará de novo no PAIGC. Eu tenho uma avaliação muito positiva. Eu comecei a inteirar-me junto da diáspora guineense aqui na Europa, vou voltar ao país nos próximos dias.
E como se sabe, logo depois do congresso fizemos um périplo pelo país. Ouvimos o povo guineense e aquilo que nós sentimos da parte do povo foi uma avaliação diferente. É uma avaliação que se congratula com o facto de, finalmente, uma entidade política tão importante como o PAIGC decidir responsabilizar-se a si próprio, porém respeitando aquilo que foi a escolha soberana do povo guineense.
OD: PAIGC voltará a pedir a confiança ao povo?
DSP: A luta política não devia ser a comparação entre Domingos e Agostinho, mas sim a comparação dos projetos de sociedade. Aquilo que as entidades têm para apresentar à Nação. Penso que o povo guineense sabe neste momento aonde é que o PAIGC quer levar a Nação guineense.
A motivação do PAIGC e contrariamente aos outros partidos e elementos que estão a surgir, não é impedir outro partido ou outras estruturas de governar, não! A ambição do PAIGC é transformar a sociedade guineense e promover o desenvolvimento. O PAIGC vai apresentar a sua visão e partilhar o seu projeto de sociedade. Igualmente vai provar a Guiné-Bissau que desta vez não é só pedir quatro anos para implementar o programa político eleitoral. Desta vez vamos dar garantias da capacidade para, uma vez eleito o PAIGC, assegurar a estabilidade e que os quatro anos serão quatro anos de governação e que ninguém terá condições de impedir essa governação.
Será que os outros partidos têm capacidade de fazer isso? É muito curioso perguntar, e será que algum partido terá a capacidade de o fazer sem implementar a disciplina interna.
 
 
 
Por: Assana Sambú
28.08.2018