Julgo que não é demais recordar o genocídio étnico engendrado contra os tutsi no Ruanda. Sem distinção de "raça", hutus e tutsi eram e são ruandeses. Mas, o populismo, com a sua capacidade de dano separou-os. É preciso sublinhar, também, que os ruandeses viviam em situação de extrema pobreza, realidades, portanto, que, em parte, terá potencializado ideias revanchistas e xenófobas.
Portanto, em apenas cem dias, em 1994, cerca de 800 mil pessoas foram massacradas por extremistas étnicos hutus. Eles vitimaram membros da comunidade minoritária tutsi, assim como seus adversários políticos, independentemente da sua origem étnica. O pretexto para o genocídio foi o derrube do avião na noite do dia 6 de Abril de 1994, que transportava os então presidentes de Ruanda, Juvenal Habyarimana, e do Burundi, Cyprien Ntaryamira, ambos hutus. Extremistas hutus culparam, de pronto, a Frente Patriótica Ruandesa (RPF) e imediatamente começaram a caça às bruxas bem organizada contra os tutsi. Isso não são dramatismos, mas sim realidades que deveríamos ter em mente.
Entre nós, o que mais vagueia atualmente na boca dos lacaios são ideias tribalistas, populistas e ilusionistas capazes de causar danos sociais irreversíveis. Algo que não tem nada que ver com a nossa cidadania como um povo. São arquétipos e estereótipos ou matrizes que se instalam na consciência e principalmente no inconsciente e influenciam mentalidades, julgamentos, valores e procedimentos. As construções instaladas na consciência das pessoas favorecem ou bloqueiam a cidadania. Para que a cidadania prospere há que desbloquear arquétipos que alienam e subordinam a sociedade, tais como as que dizem respeito a raças, sexo, idade, crenças religiosas ou filosóficas, etc. Na verdade esses arquétipos "discriminatórios" vêm de civilizações antigas e perduram até hoje. Na Grécia e em Roma havia grande distância entre nobres e plebeus.
As elites eram cortejadas, e o povo depreciado. O povo simples era tido como incapaz para decidir e dirigir. A elite corrupta era mais valorizada do que o trabalhador honesto. No colonialismo implantou, na nossa terra, a distinção entre civilizados que eram considerados cidadãos e os indígenas, os que não tinham história ou povos atrasados e incultos.
Ora, porque a cidadania é um fenómeno antropológico, algo que emana da pessoa humana, era fundamental acabar com insolências. Foi nesse quadro que se insurgiu a nossa Constituição para eliminar a assimetria social, em que os poderosos só tinham direitos e os fracos só obrigações, e todas as demais implicações e diferenças sociais, de género e de ordem filosófica que a inibiam e bloqueavam.
A cidadania é compromisso histórico. É participação pluridimensional, consciente e em liberdade nas decisões e ações da sociedade, tais como política, econômica, social, psíquica, cultural e ética. Ninguém é cidadão sozinho ou apenas para si. É cidadão com os outros. Todo cidadão é con-cidadão. Não quero imaginar o que seria de nós, se os guineenses, constitucionalmente, "não fossem todos considerados iguais perante a lei e se praticássemos distinção de raça, sexo, nível social, intelectual ou cultural, crença religiosa ou filosófica? "