sábado, 19 de dezembro de 2015

Opinião: OS CONDENADOS DA TERRA

imageConcordamos consigo Luís Vicente (LV), mas o PAIGC do seu amigo, DSP,  é responsável pela situação  vigente no país, quem tudo quer tudo perde, o DSP, falhou e continua a falhar, não foi capaz de unir o PAIGC, nem manter a coligação de base alargada com o maior partida da oposição, PRS.  Desde a independência até à data presente, o PAIGC, sequestrou a Guiné-Bissau, considerou-se dono e senhor do país, alegando motivos de ter sido o libertador do povo, como se isso fosse a verdade absoluta e indiscutível. Leia: PAIGC, o sequestrador da Guiné-Bissau
 
O título do presente artigo não é da minha autoria, socorri-me de Frantz Fanon (1961) em “Les condamnés de la terre” para, de certa forma, demonstrar a minha inquietação perante o descalabro e o açambarcamento do poder pela elite política nacional, expelindo a sua total indiferença pelas reais necessidades do povo.
 
Na pátria de Cabral, de alguns anos a esta parte, a qualificação profissional, competência e aptidão técnica para função já não garantem o sucesso para quem almeja cargos de responsabilidade pública. Apolítica passou a ser profissão e enfoque para as constantes derivas no seio da jovem democracia guineense. O que interessa mesmo é estar no poder, não importa a argucia técnica, humana e ou científica, nem experiência profissional relevante e comprovada, mas, apenas e tão só, cumprir o diretório partidário ou de alguém com capacidade de decisão e de intervenção política. Agradar, saber estar e manter o Status Quo, são requisitos fundamentais para se atingir o topo, contrariamente a cultura de serviço, empenho, responsabilidade e sentido patriótico, atributos relegados para aspetos meramente burocráticos, não interessam nem tão pouco contam. Na verdade, é um contrassenso que importa aqui realçar, Cabral defendia que não seria a sua geração a ganhar a luta, mas sim a geração que se seguiria, uma vez que mais importante que a libertação armada era a libertação intelectual, razão pela qual se tornava imprescindível a formação de quadros (Andrade, 1981: 125). Em certa medida, isso não passou de pensamento e de reflexão crítica do pai da nacionalidade.

A garantia de desempenhar cargos altamente remunerados associados aos privilégios da função, é mistura inflamante para as disputas entéricas pelo poder. Tal função que garante uma remuneração mensal, incluindo regalias e ajudas de custo, de ministro, secretário de Estado, assessor, conselheiroe até de presidente ou vogal de conselho de administração de empresas públicas, largamente superior a 2,5 milhões de francos CFA (mais de 3.000,00 euros) num país onde o salário mínimo é de apenas 30 mil francos CFA (cerca de 46,00 euros).
 
O miserabilismo da função pública não motiva, a ineficiência é gritante, a bajulice é demasiada, a corrupção ladeia as paredes escuras e desmascaradas das tintas que teimam em agarrar o tosco das divisões e repartições dos edifícios públicos. No entanto, não há regra sem exceção, ainda existem, aliás, sempre existirão, patriotas guineenses com competências e aptidões técnicas bem sementadas, quadros altamente preparados, que continuam a privilegiar o bem comum emprestando a sua energia, motivação e saber em prol da nação. A esses felicita-se pela coragem, honra e determinação com que têm sabido levar a bom porto os seus propósitos em benefício da pátria-mãe.
 
Verifica-se frequentemente, na administração do Estado onde a deslocação em serviço externo, vulgo missão de serviço, é a razão fundamental para se manter alinhado com as orientações do partido e do poder, valendo das ajudas de custo um complemento às parcas e miseráveis remunerações praticadas para um simples funcionário público, mas uma parcela enorme para quem exerce cargos de responsabilidade pública. Tais missões, ócios do ofício, cujo retorno para a dinâmica do país, em maior parte dos casos, não se traduzem em algo concreto, tangível ou palpável, pois continuam os serviços públicos ineficientes e inacessíveis para o resto das populações, nomeadamente na prestação de cuidados básicos, tais como a saúde, educação, saneamento, abastecimento de água, energia elétrica, entre outros.
 
Nessas «vagarosas» jornadas diplomáticas e intercâmbios sabe-se de lá quê, as populações são informadas dos supostos resultadosalcançados, que advirão dali excelentes soluções para os problemas da pátria, mas, na verdade, não passa de “dejá vu” e, na mente pacata e fiel desse rebanho seguidor, o povo «os condenados da terra», é feita a lavagem cerebral enquanto os cofres do Estado desbloqueiam somas avultadas para “perdiem” da elite cujo produto da missão não viu render o país.
 
Discute-se política, com vigor até, na casa da democracia e, em certa medida, assumem-se compromissos importantes em prol das populações, mas, na hora da verdade, o recuo é a arma para se negociar a consciência dos eleitos e, pelo menos alguns, optam por fazer render os seus bolsos a quem interessar o seu voto. E, ao desbarato, a discussão política com impacto nas decisões públicas em benefício das populações é relegada para o plano inferior, tal a sensação de “nha boca ka sta lá” «não estou nem aí» quem arde fica com a brasa agarrada a mão e que aguente, há de vir o próximo.
 
A produção legislativa vai ficando reduzida ao gabinete dos mandantes do povo, encolhido em gavetas que já não suportam tanta poeira e papel que vai humedecendo com o passar do tempo. Veja-se e questiona-se, por exemplo, sobre a iniciativa legislativa com resultados concretos em matéria de revisão constitucional no que tange aos limites e competências dos órgãos de soberania, que no atual modelo de governação ainda permite que a presidência do conselho de ministros seja presidida, quando bem entender, pelo primeiro magistrado da nação. Alguém acredita que as medidas com o intuito de redução de poderes e competências do mais alto magistrado da nação serão aceites e promulgadas quando o país ainda não assumiu plenamente as suas responsabilidades com o regime semipresidencialista? Claro que não, antevejo até a questão da revisão da carta magna, poderá vir a ocorrer, mas acredito que não chegará a ser promulgada, pelo menos nos próximos anos, coincidentes com o limite de mandatos, foi assim com os anteriores presidentes da república e não será diferente no atual contexto político. A tendência é secundarizar a discussão em torno dos poderes repartidos e reformar o país, à semelhança dos outros Estados da sub-região, num regime presidencialista com poderes reforçados.
Mas será que a Guiné-Bissau está preparada para isso? É uma pergunta que merece ampla discussão.
 
É transmitida, com ênfase, a informação, mas isso sempre foi assim, desde que me lembro, para o alcance das massas, que em termos da dinâmica económica o país cresce acima de 3% ou 4%, ora 5% etc., para o efeito confirmado pelos parceiros internacionais. O que não se fala é dos Estados frágeis, a seguir a conflitos e ruturas constitucional a economia tende a crescer acima dessa percentagem em resultado, por um lado, da retoma da normalidade e dinâmica natural do país e, por outro, porque a economia funciona em muito pelo chamado princípio dos vasos comunicantes.
 
Contudo, é deveras importante realçar o excelente trabalho feito, pelo menos até aqui, nesta conjuntura da retoma de confiança institucional, parcerias estratégicas articuladas com os organismos internacionais, mas, o essencial, é a manutenção da dinâmica e reformas em matéria económica, social e, especificamente, em finanças públicas, trunfo maior para quem tem responsabilidades na governação e na definição das políticas públicas, nomeadamente em matéria do controlo das despesas e arrecadação das receitas do Estado, combate a corrupção, evasão e fraude fiscal.
 
Constantemente as massas são bombardeadas com notícias sobre os programas financiados pelos organismos internacionais, empréstimos concedidos,assistência oficial para o desenvolvimento garantido, etc., efetivamente, dinâmicas importantes para se alavancar a nação apostando no desenvolvimento e nos projetos geradores de riqueza nacional, mas, o que não se informa a população é que o país, desde a independência até à data presente, acumulou ações da dívida externa na ordem dos 24 mil milhões de dólares (Fonte: World Bank, World Data Bank) mas devido aos alívios da dívida obtidos no âmbito da Iniciativa para os Países Pobres Altamente Endividados (HIPC) tem vindo a ser perdoado e parte significativa da mesma é considerada donativos; que no mesmo período referido anteriormente beneficiou de assistência financeira para o desenvolvimento no montante de 3,5 mil milhões de dólares, mas espremido não resulta em benefício concreto para as populações, pois na pátria de Cabral continua a faltar tudo e a todos; que cerca de 58,4% da população continua a viver em situação de pobreza extrema; que é 10º país menos desenvolvido do mundo de acordo com os dados do PNUD 2015; que as massas não se apercebem das iniciativas e projetos financiados por organismos internacionais e que resultam, em maior parte dos casos, em estudos e consultadoria que chegam a representar mais de 80% do investimentoe cujos consultores são a maior parte expatriados; mas, para um empresário honesto, uma pequena empresa, um pequeno negócio familiar, não existe qualquer tipo de financiamento a fundo perdido para a sua atividade, é de bradar aos céus.
 
A seguir às eleições livres, justas e credíveis, que ocorreram em 2014, no espaço de um ano assistiu-se a formação de três governos constitucionais, lograra ou não apontar um dos governos inconstitucional pelo supremo tribunal de justiça, o facto é que existiu e não se pode furtar. O que se estranha nisto tudo é a evidência de um governo de base alargada não ter conseguido manter a unidade e coesão nacional que se pretendia em torno de um projeto, mesmo tendo sido aprovado por unanimidade e com duas moções de confiança o programa de governação e o orçamento de Estado, concludentemente resultar em divórcio e acumular de declarações típicas de “chutar” de responsabilidades por parte de alguns órgãos de soberania e de parceiros de coligação.
 
Se na altura da integração no governo de base alargada tais parceiros não se furtaram às discussões e debate de ideias na casa da democracia e, também, em negociações partidárias, dos documentos que orientam a vida de uma nação, como poderá, após a convivência sã e pacífica, pelo menos aparentava, vir tecer duras críticas ao governo suportado pelo partido vencedor das eleições? Se de facto havia dificuldade de relacionamento e falta de articulação política e programática entre os parceiros, porque não se evidenciou os debates políticos na casa da democracia com a perceção das populações? O que me parece é que a resolução das necessidades prementes do povo não é mantida como prioridade num país onde tudo parece passível de acontecer quando tudo parece resultar. Na verdade, as populações, e as suas necessidades concretas, devem constituir o motor das políticas e das medidas a tomar, não mais do que isso.
 
Consequentemente tem-se veiculado vários escritos e discursos citando Cabral e os seus ensinamentos, por conseguinte, não se vê aplicação da sua teoria em prática política. Socorrendo-me das palavras do Fanon (1961: 71) diria que “os dirigentes políticos, nos seus discursos, nomeiam constantemente a nação. Não há conteúdo, não há programa político e social. Os homens políticos que tomam a palavra, que escrevem nos jornais, fazem sonhar o povo. Eles evitam a subversão mas, na verdade, introduzem terríveis fermentos de subversão na consciência dos ouvintes e dos leitores”. Na verdade, qualquer paralelismo com o quadro vigente no país é pura coincidência.
 
Na pátria de três agendas políticas, órgãos de soberania de costas voltadas, pergunta-se: qual é a agenda do país?

 Luís Vicente
16/12/2015