Em plena luta entre o governo ruandês, de etnia hútu, e a Frente Patriótica Ruandesa, tutsi, os extremistas hútus assassinaram mais de 800 mil pessoas, das duas comunidades, em 1994, no espaço de 100 dias. O ritmo dos assassínios superou os piores dias do Holocausto. O Tribunal Penal Internacional para o Ruanda (TPIR) abriu portas logo em 1995, e chegará ao fim a 31 de dezembro deste ano. Julgou os principais autores do genocídio.
Vinte anos depois, escreve o El País, as últimas apelações reduziram as penas de seis acusados, determinadas em 2011. Há 61 condenados, entre antigos líderes militares ou religiosos, governantes, empresários, milicianos e responsáveis de órgãos de comunicação social. Ouviram-se 3 mil testemunhos. 14 pessoas foram absolvidas; dez enviadas para tribunais ruandeses; três morreram durante o processo e três mantêm-se em fuga.
Com o TPIR, os ruandeses perceberam que a pena máxima aceite no mundo é a prisão perpétua, e não a pena de morte. Por outro lado, o TPIR destacou-se por der criado expressamente para castigar responsáveis por genocídio, e por ser a primeira instituição a reconhecer a violação como uma forma de o perpetrar.
O tribunal fixou-se nos principais causadores do genocídio – entre eles o antigo primeiro-ministro Jean Kabanda, o antigo chefe de Estado-Maior do Exército Agustín Bizimungo ou o antigo ministro da Defesa Théoneste Basogora.
A Human Rights Watch, que acompanhou de perto o trabalho do TPIR, diz que este devia ter julgado mais elementos da Frente Patriótica Ruandesa – o partido de Paul Kagame, o atual Presidente. Mesmo acusados de crimes de guerra e/ou contra a humanidade, «menos de 40 foram julgados», diz a HRW. Kagame diz que se tratou de vinganças isoladas. E, por outro lado, a passividade inicial da comunidade internacional custou milhares de vidas.
O governo ruandês também desempenhou o seu papel em termos de justiça, recorda o El País, com tribunais locais e tradicionais. Estes, chamados «gacaca», são semelhantes a um conselho comunitário, e a HRW elogia o seu esforço, julgando quase 2 milhões de casos até serem encerrados, em 2012. «Ajudaram as vítimas a encontrar formas de conviver com os seus carrascos», diz. No entanto, critica «a sua parcialidade, a intimidação e a corrupção constatadas e a tomada de decisões inadequadasdevido à falta de formação dos juízes».
Para além do TPIR e dos gacaca, pelo menos 10 mil pessoas foram julgadas por crimes ligados ao genocídio nos tribunais nacionais ruandeses. No estrangeiro, houve julgamentos na Bélgica, na Alemanha, na Suíça, na Noruega, na Finlândia, na Holanda, na Suécia, em França e no Canadá.
O Ruanda é um país marcado pela violência étnica. Foi um protetorado alemão antes da I Guerra Mundial e depois ficou sob administração belga. Tem três grupos étnicos. Os hútus (85% dos 7 milhões de habitantes em 1994) e os tutsis (14%) foram ganhando e perdendo o poder político e social já antes do período colonial. O terceiro grupo, os twa, corresponde a apenas 1% da população. E décadas de choques violentos entre as duas principais etnias desembocaram numa guerra civil, em 1988.
Já em 1994, o genocídio foi «detonado» pelo atentado mortal contra os Presidentes do Ruanda, Juvenal Habyarimana (um hútu que marginalizava os tutsi), e do Burundi, Cyprien Ntaryamira. O derrube do avião em que viajavam foi o mote para os assassínios étnicos a grande escala, e com uma crueldade sem precedentes. Morreram 300 mil crianças; 95 mil ficaram órfãs; e muitos milhares de mulheres (não é possível determinar o número certo) foram violadas – daí que o TPIR tenha aberto o precedente de considerar a violência sexual um crime de genocídio. Fonte: Aqui