domingo, 8 de janeiro de 2017

Entrevista_Embaixador da China, Wang Hua: “É CHEGADA A HORA DE POLÍTICOS ASSUMIREM UM COMPROMISSO QUE COLOQUE O PAÍS EM PRIMEIRO LUGAR”

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O Embaixador da República Popular da China na Guiné-Bissau, Wang Hua defendeu, durante uma entrevista ao semanário O Democrata, que é chegada a hora de os políticos guineenses assumirem um compromisso nacional que coloque o país e o bem-estar do povo em primeiro lugar. Acrescentou ainda que tal compromisso deve ser engajado pelos próprios guineenses, sem que haja uma interferência do exterior.

Wang Hua, que termina a sua missão diplomática no final do mês em curso, concedeu uma entrevista ao Jornal O Democrata [21/12/2016], em colaboração com a Rádio Comunitária Voz de Quelélé, para abordar o estado da cooperação entre o seu país e a Guiné-Bissau, com destaque para a execução de vários projetos.

Durante a entrevista, o diplomata chinês lembrou-se da suspensão das relações diplomáticas entre Bissau e Pequim nos anos 90, quando as autoridades guineenses decidiram reconhecer Taiwan como um país que representa todo o povo chinês.  Para o diplomata, foi o período mais negro nas relações entre os dois Estados, mantidas desde o período da luta de libertação nacional.
“Com o falecido Presidente Koumba Yalá, conseguimos restabelecer um novo tipo de relações. Isto é, o respeito mútuo, independência e auto decisões. Porquê auto decisões? Porque para os países em desenvolvimento, precisamos trabalhar na área política, económica, comercial, educação e saúde. Existe no mundo muitos modelos de desenvolvimento e cada qual escolhe o modelo que quiser”, lembrou o Embaixador da China.
O Democrata (OD): Senhor Embaixador já está no fim do seu mandato, depois de três anos da missão. Como é que encontrou o estado da cooperação entre a Guiné-Bissau e a China, que o senhor ajudou muito dinamizar?
Wang Hua (WH): Eu cheguei a Guiné-Bissau no dia 29 de julho do ano 2013. O país, naquele momento encontrava-se no período de transição, em consequência do golpe de 12 de abril de 2012. Aquele período foi duro mesmo no campo diplomático e político. Depois de cinco ou seis meses, restabeleceu-se a situação política normal através de eleições. Agora já estou na minha última etapa ou no fim das minhas funções de Embaixador da República Popular da China na Guiné-Bissau.
O que posso dizer é que ainda as dificuldades não passaram, mas no momento trata-se de outros tipos de dificuldades. A minha tarefa aqui é especificamente a seguinte: primeiro, fazer todos os esforços para manter uma relação sã entre o povo chinês e o povo guineense. Entre a classe política, governantes e todos os sectores da sociedade. Acho que no exercício desta função, fiz um esforço para manter a boa relação existente entre os nossos dois povos.
O resultado, para mim, não é tão satisfatório, porque? Porque o resultado lógico de um bom entendimento entre ambas as partes precisa terminar ou ser interpretado depois de uma boa reflexão sobre a cooperação bilateral em todas as áreas, designadamente a política, diplomacia, económica, comercial e recursos humanos. Até hoje o resultado ainda não é ideal, apesar de que, da nossa parte e da parte dos guineenses, conseguimos fazer um bom trabalho, mas é preciso fazer ainda mais.
OD: A relação diplomática entre Pequim e Bissau teve momentos amargos. Houve momentos em que não existiu mesmo, porque a Guiné-Bissau resolveu iniciar uma relação diplomática com a China Taiwan. A que se deve essa situação que acabou por complicar a relação entre a China e a Guiné-Bissau, mantida desde o período da luta de libertação nacional?
WH: A crise nas relações diplomáticas entre Pequim e Bissau, na década de 90, foi por causa de uma chamada linha de crédito oferecida pela China Taiwan naquela altura. O governo guineense, na altura, cortou as relações diplomáticas com a República Popular da China, para estabelecer uma relação diplomática com a China Taiwan, graças a tal linha de crédito. Agora, para a vossa informação, ontem (20 de dezembro), o Governo de São Tomé e Príncipe rompeu as relações diplomáticas com as autoridades de Taiwan.
Há vários meses, a Gâmbia que também mantinha relações diplomáticas com a Taiwan, decidiu cortá-las, para restabelecer relações diplomáticas com a República Popular da China. Até hoje no mundo e para além das Nações Unidas, cerca de 162 países incluindo a Guiné-Bissau reconhecem a existência de uma só China e esta é a República Popular da China, bem como reconhecem ainda que tanto a parte continental como a parte insular (a província de Taiwan), são partes inseparáveis do território da China.
Isto é um princípio que reconhece universalmente e internacionalmente a existência de uma só China. Lamentavelmente até hoje, ainda 21 países no mundo consideram a província de Taiwan como um país que representa 1.300 000 000 (Um bilhão e trezentos milhões) do povo chinês. Isto não é lógico, mas é uma realidade.
Em relação a Guiné-Bissau, que decidiu cortar as relaçõesão diplomáticas com a República Popular da China em 1990 até 1998, foi uma desgraça que ocorreu aqui. O governo guineense também decidiu, na altura, considerar Taiwan como um conjunto de toda a China. Foi essa a razão do corte das relações diplomáticas naquela altura. Felizmente as autoridades guineenses tomaram a iniciativa própria de rectificar o erro cometido naquela altura e decidiu restabelecer as relações diplomáticas com a China Popular, em 1999.
Todos os anos, os embaixadores chinêses têm a missão de organizar uma festa para celebrar o aniversário das relações diplomáticas mantidas com o país onde se encontram. Eu não posso fazer essa festa na Guiné-Bissau, infelizmente. Qual das datas vamos recordar com o povo guineense, se já tínhamos uma relação cortada vários anos e retomadas depois? Será que vamos celebrar as relações diplomáticas estabelecida oficialmente com o Estado da Guiné-Bissau em 1974 ou comemorar as relações diplomatas restabelecidas em 1998? Tivemos oito (8) anos de suspensão das relações diplomáticas e a culpa ou a responsabilidade não é da parte chinesa.
Quase sou o único Embaixador que não pode celebrar essa data. É difícil esta situação, mesmo para nós, mas estamos a trabalhar todos os dias para manter relações diplomáticas sadias com as autoridades guineenses.
OD: Falou da linha do crédito. A Guiné-Bissau precisava de uma linha do crédito, foi por isso que cortou a relação com a China Popular e estabeleceu relações diplomáticas com a China Taiwan?
WH: O Governo guineense foi muito claro na altura. O montante em causa foi estimado em mais de 20 milhões de dólares norte-americanos, em 1990. Foi uma condição para estabelecer relações com essa província da China. Para nós, as relações diplomáticas entre os dois países não podem ser baseadas em dinheiro ou numa linha do crédito, não, não…!
O que quer dizer relações diplomáticas? É uma relação mantida no sentido político, de diplomacia e de um reconhecimento mútuo, de respeitarmo-nos uns aos outros na área internacional, na base de igualdade absoluta. Por exemplo, entre a China e a Guiné-Bissau, a China é um país com muita população e a Guiné tem uma população pequena. A China é um país que representa uma civilização de cinco mil anos e a Guiné tem a sua civilização tradicional própria, mas a China e a Guiné-Bissau são iguais no patamar das Nações Unidas, da África e das relações bilaterais.
Para restabelecer relações diplomáticas os dois países têm que comprometer-se em uma solidariedade ou apoio mútuo em todas as áreas.
OD: Para além do corte de relações diplomáticas entre os dois países no passado. Quais são os outros assuntos ou situações que lhe causaram maiores dificuldades nos seus três anos de missão na Guiné-Bissau?
WH: Não tivemos nenhuma situação assim que pudesse dificultar as relações durante a minha missão.
OD: Costuma-se dizer na Guiné-Bissau que o falecido Presidente Koumba Yalá foi um marco do regresso da China à Guiné-Bissau. Quer fazer um comentário sobre isso?
WH: Koumba Yalá teve a coragem de reconhecer que no mundo existe uma só China, pelo que decidiu cortar com a província de Taiwan e restabeleceu a relação com a República Popular da China. Koumba Yalá foi o primeiro Presidente da República da Guiné-Bissau em exercício a visitar a China, a procura de novas relações de cooperação entre os dois países. Começamos de novo com ele uma cooperação em todas as áreas, nomeadamente agricultura, onde até hoje mantemos uma equipa técnica em Bafatá que trabalha na divulgação dos conhecimentos técnicos nesse sector e preparação técnica a nível das três províncias da Guiné-Bissau.
Abrimos a solidariedade e de apoio da nossa parte à Guiné-Bissau na área da medicina. Até hoje mantemos duas equipas médicas neste país e apenas a Guiné-Bissau que beneficia de duas equipas. Para todos outros países africanos com quem temos relações de cooperação na área de saúde, apenas disponibilizamos uma equipa médica e com a exceção da Guiné-Bissau, onde temos duas equipas médicas. Uma equipa em Canchungo e outra aqui em Bissau, no hospital Amizade China e Guiné-Bissau (Hospital Militar Principal).
No sector da educação é bom lembrar que desde 1998, cada ano cerca de 20 estudantes guineenses beneficiam de uma bolsa para a China. Hoje mais de 200 jovens guineenses estão a estudar na China.
OD: Senhor Embaixador, quer dizer que o Presidente Nino Vieira não visitou a China?
WH: Quero lembrar aqui uma história de relação entre os dois países. Logo depois das duas visitas importantes do Secretário-geral do PAIGC, Amílcar Cabral, à China que estava a procura de apoio militar, político e financeiro junto das autoridades chinesas na altura, o primeiro Presidente em exercício que visitou a China foi Koumba Yalá. Foi através dele que começamos a entrar ou traçar uma nova etapa nas nossas relações bilaterais.
OD: A China é um parceiro da Guiné-Bissau desde o período da luta de libertação nacional. Porque é que depois da independência não foi possível continuar essa relação, sobretudo da parte das autoridades guineenses? Senhor Embaixador, quer fazer um comentário sobre isso?
WH: Essa é uma decisão das autoridades guineenses, sobretudo de definir as suas prioridades e como pretendem manter as relações diplomáticas. A China sempre mostrou-se aberta para uma relação diplomática e política com todos, desde os comunistas, ocidentais. Até ajudava as forças das guerrilhas que lutavam para a independência.
Essa abertura é mantida até hoje e para todos os países que privilegiaram a China como um parceiro, por isso é que estamos na Guiné-Bissau para manter essa relação de diplomacia e política sã, para o bem do povo guineense e do povo chinês.
OD: Então, o Presidente Koumba Yalá marcou a vossa presença na Guiné-Bissau?
WH: Com o Koumba Yalá conseguimos estabelecer um novo tipo de relações. Isto é o respeito mútuo, independência e auto decisões. Porquê auto decisões? Porque, como países em desenvolvimento, precisamos trabalhar na área política, económica, comercial, educação e saúde. Existem no mundo muitos modelos para o desenvolvimento e cada qual escolhe o modelo que quiser.
Os Estados Unidos da América tem o seu caminho para desenvolver-se, a Rússia tem o seu e a China tem também o seu caminho de socialismo com a particularidade chinesa. Qual é o caminho escolhido pelo Estado da Guiné-Bissau para materializar o seu crescimento económico, estabilidade política e a unidade nacional? Isto para nós é uma decisão que deve ser tomada pelo povo guineense.
É importante para nós o respeito mútuo entre os membros da comunidade internacional. Consideramos isso muito fundamental para a nossa relação. Isto é, não impor as nossas próprias ideias nem o esquema e muito menos falar do tipo de democracia que um país deve adoptar. Porque cada país tem a sua realidade e a sua própria história e a sua cultura que deve ser respeitada.
OD: A China demostrou ser o maior parceiro estratégico de desenvolvimento da Guiné-Bissau. Nessa hora de despedida, que leitura pode fazer do estado da cooperação atual entre os nossos dois países?
WH: Você mencionou relações estratégicas. Uma vez o Presidente José Mário Vaz perguntou-me sobre o tipo de relações estratégicas que existem entre a China e a Guiné-Bissau. Eu quero aqui recordar que num passado recente, os Chefes de Estado do Senegal, Mali, Serra Leoa e outros países vizinhos da Guiné-Bissau, nas suas visitas de Estado e nos encontros mantidos com o nosso Presidente Xi Jinping, ressalvaram todas as coisas que se devem fazer para manter e desenvolver as relações estratégicas bilaterais.
Durante os meus três anos da missão neste país, ainda não fui informado sobre uma iniciativa das autoridades guineenses de definir uma relação ou um projecto estratégico claro na sua relação diplomática e política com o governo chinês.
Quando o Presidente José Mário Vaz me perguntou sobre que tipo de relações diplomáticas existem entre a China e a Guiné-Bissau, a minha resposta foi que existe uma amizade histórica e tradicional muito especial entre a China e a Guiné-Bissau. Temos uma relação de cooperação na área de agricultura, saúde, educação, recursos humanos entre outras. Ainda não chegamos, ou melhor, não estabelecemos uma relação de parceira estratégica. Porque os dois governos ainda não tiveram a oportunidade de manifestar um ao outro os compromissos que possam ajudar no desenvolvimento de relações bilaterais sobre um patamar estratégico.
Isto é uma realidade clara. O Presidente José Mário Vaz manteve um encontro com o Presidente Xi Jinping em dezembro do ano passado e eu acompanhei-o também. No encontro mantido com o nosso Presidente, ambas as partes manifestaram os seus desejos de promover ainda mais as relações entre os dois países e focaram os sectores da agricultura, educação, saúde, recursos humanos. Falaram pela primeira vez dos esforços que ambas as partes podem fazer a procura de uma cooperação mutuamente vantajosa. Isto até hoje é um sonho, portanto não foi ainda traduzido em realidade.
Durante os meus três anos de mandato, tive uma relação de trabalho com seis primeiros-ministros e os seus respectivos governos. Cada vez que me encontro com um primeiro-ministro em representação do governo chinês, sempre repetia-lhe a mesma mensagem que é a vontade do governo chinês de aprofundar uma cooperação real com o executivo guineense. Eu lamento e muito essa mudança de governos, porque também dificulta e muito o nosso trabalho.
OD: Até que ponto essa situação de instabilidade política e governativa está afectar a cooperação entre a China e a Guiné-Bissau?
WH: É claro que está afectar. Se ontem acordamos com um primeiro-ministro guineense um projecto e hoje ele foi mudado, havendo um novo primeiro-ministro ele precisará de inteirar-se melhor do projecto e mais outras coisas…falta a continuidade governativa, provocada pela instabilidade política e governativa. Essa situação de facto é muito lamentável!
Vários primeiros-ministros guineenses sugeriram-nos que organizassemos uma ‘Mesa Redonda’ entre a Guiné-Bissau e a China, porque agora a mesa redonda é que está na moda. A minha resposta é que não precisamos de mais mesas redondas entre a Guiné-Bissau e a China. Aliás, lembro que no passado mês de Abril organizamos, num dos hotéis de Bissau, o primeiro encontro empresarial entre a China e os países de língua portuguesa.
Os empresários chineses manifestaram todo a sua disponibilidade para trabalhar aqui e de colocar os seus investimentos aqui, sobretudo de cooperar realmente com os seus parceiros guineenses aqui. Isso foi em Abril deste ano, com o executivo liderado pelo Engº. Carlos Correia. Já no mês de Junho, o país conheceu outro primeiro-ministro que era o Dr. Baciro Dja e agora temos mais outro primeiro-ministro que é General Umaro Sissoco Embaló.
A minha resposta sempre é que não precisamos da realização de uma mesa redonda, porque os empresários chineses estão do outro lado da porta e só esperam duas condições para entrarem e fazer grandes investimentos.
OD: Quais são essas condições?
WH: Uma e a mais importante é a estabilidade política e governativa do país, porque sem a estabilidade é difícil fazer negócios. O problema da madeira aqui foi uma lição muito pesada, porque pela mesma mercadoria os chineses pagaram duas vezes.
OD: A Guiné-Bissau considera a China como o seu parceiro de desenvolvimento, tendo em conta os grandes investimentos feitos pelo governo chinês nesta terra. Até hoje o Estado da Guiné-Bissau não conseguiu definir um projecto do desenvolvimento estratégico para a sua relação de cooperação com o Governo da China. Essa situação deveu-se a falta de vontade política da parte das autoridades guineenses ou o quê, no seu entendimento?
WH: Entre o povo chinês e o seu irmão guineense sempre existiu um bom entendimento, porque precisamos trabalhar de mãos dadas para o desenvolvimento deste país e não só, como também partilhar a prosperidade. Agora, a nível do governo é preciso definir as coisas muito claramente, sobretudo as estratégias de parceria para o desenvolvimento. A Guiné-Bissau perdeu duas grandes oportunidades durante o ano 2016, que podia ganhar no âmbito da sua relação de cooperação com a República Popular da China.
A primeira foi no mês de julho, quando cerca de 50 países africanos, com propósito de concretizar e materializar o consenso alcançado na última cimeira do fórum de cooperação entre a China e África, onde os países africanos levaram os seus projectos estratégicos de cooperação. No encontro entre a China e os países africanos realizado no mês de julho último, foram apresentados mais de 300 projectos novos de cooperação da parte dos países africanos, estimados numa soma que ultrapassa 50 mil milhões de dólares norte-americanos.
Actualmente vários projectos aprovados nesta conferência estão em execução. A convite do governo chinês, a Guiné-Bissau foi também à China neste âmbito. Mas infelizmente por falta de uma definição clara da política de cooperação com a China, não apresentou uma ideia concreta, específica e viável para a cooperação entre os dois países.
Porém o governo chinês tomou a iniciativa de propor a assinatura de um documento com a delegação do governo guineense que se encontrava em Pequim.
Foi a partir dali que decidiu-se mudar o antigo esquema de cooperação e estabeleceu-se um acordo de cooperação no campo agrícola, para dois anos. Depois vamos fazer outro acordo de cooperação de três anos e que terá um maior investimento do governo da China.
E com mais donativos em instrumentos agrícolas, estou a falar de tractores, sementes, fertilizantes, entre outros. Esse foi o único acordo que assinamos em Pequim. Mas isso não se trata ou se compara com os investimentos dos empresários chineses, ou seja, a economia privada, onde se movimenta muito dinheiro.
A segunda oportunidade desperdiçada pelo Estado da Guiné-Bissau na cooperação com a China, foi aquando da realização, em outubro último, de uma conferência ministerial do Fórum de Cooperação da China e os Países da Língua Portuguesa, em Macau.
A convite do Governo chinês, o primeiro-ministro na altura, Dr. Baciro Dja, levou uma importante delegação de seis ou sete ministros, mas não levou um projecto viável capaz de mobilizar os fundos do sector privado chinês para a Guiné-Bissau. E mais uma vez o governo chinês tomou a decisão de perdoar o crédito ao Estado da Guiné-Bissau que se estima em mais de 30 milhões de dólares norte-americanos.
Logo depois de perdoar essa divida do Estado guineense, o governo da China decidiu oferecer outro apoio financeiro à Guiné-Bissau, que ronda os 100 milhões de Yuan, moeda chinesa. Este valor é destinado a apoiar um novo projecto de infraestrutura, em particular a construção de uma auto-estrada que liga a pequena cidade de Safim e Bissau.
Um donativo ao nível governamental não se compara com a participação do sector empresarial. É verdade que há uma empresa na província de Futching que manifestou o seu interesse em investir no sul do país, onde pretende abrir uma zona de desenvolvimento e da exportação.
Em três etapas do projecto, a primeira vai avançar com um valor de 400 milhões de dólares norte-americanos. Na véspera de entrar com o projecto no país e acabamos por descobrir que aqui não existe as leis de protecção para os investidores estrangeiros. Então, este empresário chinês não tem outra saída se não esperar até quando houver as condições necessárias para investir o seu dinheiro na Guiné-Bissau.
OD: Senhor Embaixador falou do donativo do governo chinês para a construção de uma auto-estrada que ligue a pequena cidade de Safim à capital Bissau. Para quando o início do projecto de construção de 16 quilómetros da auto-estrada  Safim/Bissau?
WH: O problema não é da parte chinesa, porque nós simplesmente temos essa intenção e até já mandamos uma equipa de peritos para visitar o sítio. O que falta é uma estabilidade política e governativa que permita que o Estado guineense dê o seguimento ao projecto.
Estávamos avançar para assinatura do acordo que permitisse o levantamento daquele dinheiro e iniciar o projecto, mas agora o país conta mais com um novo primeiro-ministro e consequentemente um novo ministro das Obras Pública, que certamente pedirá tempo para se inteirar bem do projecto. A estabilidade política e governativa é fundamental, sobretudo para um país em desenvolvimento e que não tem um capital tão sólido como um país Europeu.
Para a China e a Guiné-Bissau, o fundamental é a estabilidade. O importante é a continuidade das nossas políticas. Se todos estivermos mergulhados em intermináveis lutas pelo poder ou pela mudança de um governo atras doutro, então como vamos trabalhar ou pôr ‘Mão na Lama’ para desenvolver o país?
OD: Como será executado este projecto orçado em mais de 13 milhões de Euros? Será entregue ao governo ou será executado pelo governo chinês como sempre foi?
WH: Até agora apenas chegamos à etapa de solucionar o problema financeiro. Ainda não entramos na fase seguinte, isto é: como concretizar o projeto. É preciso que ambas as partes descutam para analisar esses promenores.
 OD: A crise política abalou de novo a Guiné-Bissau, depois de um período conturbado de transição política. Como analisa actual situação política do país?
WH: É dificíl a situação política vigente na Guiné-Bissau…dificíl, porque os partidos políticos não chegaram a um consenso de como ter um governo que represente a vontade de todo o povo guineense. Mesmo a última conferência da CEDEAO registou-se várias interpretações do comunicado final.
Até hoje se discute ainda a questão do nome de consenso para o cargo do primeiro-ministro…!  Essa situação, de facto, é difícil. É muito importante que os políticos saibam pensar e obter uma saída da crise que afeta a população guineense.
É chegada a hora de os políticos guineenses acordarem um compromisso nacional que coloque o país e o bem-estar do povo em primeiro lugar. Esse compromisso deve ser engajado pelos próprios guineenses sem que haja uma interferência do exterior.
O Democrata (OD): Apesar dos recuos no plano de cooperação com a Guiné-Bissau, a Embaixada conseguiu fazer avançar algo?
Wang Hua (WH): Continuamos a fazer avançar todos os projetos acordados pelas ambas as partes. Doamos materiais para agricultura, contribuímos na preparação de jovens guineenses na China nas técnicas avançadas para o cultivo do arroz, sobretudo o arroz híbrido.
Dois grupos de jovens guineenses selecionados pelo próprio Presidente José Mário Vaz e pelo Ministério da Agricultura encontram-se numa província da China, uma importante localidade produtora de arroz, cujo professor é um académico chinês de excelência chamado mundialmente “pai do arroz híbrido”.
Para este ano, com o produto do professor, o rendimento por hectar já ultrapassa as dezasseis toneladas. Os jovens guineenses que foram a China dizem que, hoje, na Guiné-Bissau, um hectar rende entre 0,5 para 1,2 toneladas. Estou seguro que com o apoio desse professor e a participação dos jovens guineenses, com a vontade de desenvolver o sector da agricultura, a Guiné-Bissau vai ter um bom futuro. Portanto, não é justo transformarmos esse momento num campo de discussões, mas sim de trabalho.
Para este ano através desta cooperação, estamos a cumprir com um dos legados de Amílcar Cabral: ‘aprender, aprender e mais aprender’. O povo chinês espera partilhar essas experiências positivas com o seu irmão guineense, sobretudo nesta àrea da agricultura.
OD: No campo da saúde, há novos planos?
WH: Nos últimos dias chegou à Guiné-Bissau uma equipa médica chinesa que integra dezasseis técnicos de saúde para trabalhar gratuita e voluntariamente para o povo guineense. Cada ano o Governo chinês doa medicamentos aos guineenses. Na educação, há anos, ultrapassam duzentos os estudantes guineenses, entre civis e militares, que vão cada ano para china frequentar o ensino superior e pós-graduação.
Como sabem, a Guiné-Bissau está comprometida com a reforma nas Forças Armadas e cada ano há perto de dez militares jovens a serem preparados  na China. Essa iniciativa permite trocar experiências  como os homólogos militares na China e será muito bom para consolidar a nossa defesa nacional  e permitir, igualmente, que os nossos militares participem, de forma ativa, no desenvolvimento e construção económica e social dos nossos países bem como no capítulo de preparação dos recursos humanos.
A República Popular da China está sempre a aprofundar a sua cooperação em outras áreas com a Guiné-Bissau. A China também está determinada em aprofundar o seu conhecimento mútuo com os Governos da Guiné-Bissau, porque, neste ano, houve mudanças desde Domingos Simões Pereira até Umaro Sissoco, mas isso é um assunto meramente doméstico da Guiné-Bissau. A China respeita qualquer vontade e decisão do povo guineense, sobre as suas estruturas e mudanças políticas. Acreditamos que o povo guineense vai encontrar da melhor maneira as soluções para os seus problemas domésticos.
OD: Continua a correr rumores de um eventual apoio da China no futuro, para a construção de barragem electrica de Saltinho. Senhor Embaixador, confirma a existência deste projecto? 
WH: A Embaixada da China espera que na área energética haja avanços na cooperação entre o Governo da China e da Guiné-Bissau, isso é uma vontade fundamental. Antes de iniciar-se com trabalhos deste tipo e nesta área, sobretudo precisa-se solucionar vários problemas técnicos. O projeto ainda não começou, mas as reclamações já se fazem sentir.
Há comentários que alegam que este tipo de projetos não combina com a protecção ambiental. Fala-se ainda que este tipo de projecto vai afectar a população que vive naquela zona.
Para fazer funcionar uma empresa hidroelétrica, é preciso armazenar grande quantidade de água. Quando sobe o nível da água, as casas ou terras cultivadas serão afectadas todas. E há outro problema. Os ecologistas estão reticentes quanto à implementação do projecto em Saltinho o que demostra que, no caso da Guiné-Bissau, ainda não há consenso sobre o projeto da eletricidade desta envergadura, apesar de falta de luz que o país tem. É claro que quando um país depara-se com problemas de eletricidade, a solução pode ser de mil maneiras. A hidroelétrica é uma das soluções.
Mas, antes de aprofundar as discussões sobre o projeto, tem que se solucionar alguns problemas que afetam a população e a ecologia. Acredito que a parte chinesa tem suficiente paciência para que o próprio povo guineense, através estudos, reflexões e considerações chegue à a conclusão se construir uma hidroelétrica em Saltinho é favorável ou não para a Guiné-Bissau. Se a conclusão for positiva, eu acho que da parte chinesa não haverá problemas.
Porque, como sabem, a maior usina hidrolectrica do mundo é da China. Isso demostra que a China tem experiências suficientes nesta àrea. Tecnicamente a China não tem problema e financeiramente a China tem essa capacidade de construir uma barragem hidroelétrica em Saltinho. Mas o importante é que o Governo da Guiné-Bissau deve estar bem preparada para determinar o que quer, na base da cooperação entre os nossos dois países.
OD: O senhor é considerado um amigo da Guiné-Bissau, graças aos apoios que tem a prestado aos órgãos da Comunicação Social guineense e aos outros sectores. Já terminou a sua missão. Pensa apoiar a Guiné-Bissau através de projectos particulares?
WH: Seja a trabalhar aqui em Bissau ou viver na minha casa em Pequim, a Guiné-Bissau, de duas maneiras, vai ser parte da minha. De longe ou de perto, acompanharei tudo que acontecer na Guiné-Bissau. Três anos de trabalho como Embaixador do meu país na Guiné-Bissau permitiram-me viver, pensar e refelectir não simplesmente como um chinês, mas também como um meio guineense.
Espero continuar junto dos meus amigos guineenses o que nos deixou ‘Mao TséTung e Amílcar Cabral, isto é, partilhar as nossas experiências positivas e negativas para trabalhar ao bem dos nossos povos’. Isso vai ser uma missão permanente para mim, até à morte.
OD: Como senhor Embaixador vê a eleição de Donald Trump na Presidência dos Estados Unidos da America e o futuro de relações entre  as duas maiores economias do mundo?
WH: Ele ainda está no estado do presidente eleito. Foi e até hoje é um empresário de sucesso. Tem negócios em mais 50 (Cinquenta) países no mundo, mas tudo indica que lhe falta muita experiência para ser um dirigente ou um governante de superpotência número um (01) do mundo.
O Presidente da China, Xi Jinpíng, via telefónica, já manifestou a vontade da parte chinesa de trabalhar com o presidente eleito, Donald Trump. Esperamos fazer esforços comuns para construir um tipo de parceria nova entre um país desenvolvido e considerado mais poderoso do mundo e um país número 01 (um) do grupo dos países em desenvolvimento.
Os Estados Unidos é um país poderoso, rico e a primeira superpotência e a China, como representante do mundo em desenvolvimento. Economicamente, os Estados Unidos é número no mundo, a China agora ocupa a segunda posição a nível mundial, mas esperamos estabelecer um tipo de parceria especial. Isto é, não substituirmo-nos um ao outro, não atacarmo-nos militarmente um contra outro apenas para manter a nossa supremacia ou hegemonia no mundo.
Esperamos ainda que os Estados Unidos e China sejam mais dois membros da comunidade internacional que querem contribuir para o sucesso do mundo com a coexistência pacífica.
Apesar das nossas diferenças ideológica e socioeconómica, mas  a coexistência pacífica surge como um elemento fundamental para cada país, porque vivemos nessa  realidade. É a nossa esperança relativamente aos Estados Unidos da América e para com o novo presidente Donald Trump.
OD: A China tem apoiado a Guiné-Bissau em vários sectores. Neste momento tem um grande desafio, a sua participação no CAN Gabão 2017. O seu país estará disposto a ajudar, se for solicitado?
WH: Se houvesse comunicação entre governos neste sentido a China poderia ter apoiado. A Guiné-Bissau perdeu duas oportunidades. A cooperação China-Guiné-Bissau e a cooperação China e os países da Língua Portuguesa. Mas os Governos da Guiné-Bissau não aproveitaram esse canal e qualquer ajuda que se queira fazer ou implementar tem que ser rigorosamente na base de um acordo entre Governos.
Palácios da República, da Assembleia Nacional Popular, do Governo, da Justiça e outras infraestruturas que poderemos construir na Guiné-Bissau são resultados de uma discussão e decisão entre dois Governos.
No memento de colocar a primeira pedra para construção do Palácio da Justiça, defendi que tanto a China como a Guiné-Bissau querem tornar-se em Estados de direito. Eu estava justamente a mostrar que qualquer despesa necessita de um orçamento e cada orçamento precisa ser discutido, aprovado, sancionado pelas nossas Assembleias de República. Na China, o poder máximo e o órgão supremo é a Assembleia Popular Nacional da República Popular da China que toma a última decisão.
E qualquer problema deve ser solucionado pela Assembleia Nacional Popular, portanto é possível apoiar financeiramente a participação da Guiné-Bissau no CAN, mas através dos canais próprios. Tudo o que se possa pretender que a China faça aqui será sempre necessário usar canais próprios, ou seja, estabelecer um acordo entre os dois Governos sobre uma determinada matéria.
OD: Como é que explica o facto ter sido a Guiné-Bissau da Língua Portuguesa que não soube aproveitar as oportunidades da China?
WH: A China experimentou uma etapa histórica de dez anos, de 1966 a 1976. Quem tenha lido a nossa história pode evoluir com essa ideia. Todo o mundo estava mergulhado em intermináveis lutas políticas para que? Para intensificar-se como um revolucionário que os outros são falsos, reacionistas e reacionários e criou-se uma guerra civil de dez anos.
Em 1978 pomos fim à revolução cultural. A tarefa prioritária da China passou a ser a construção económica, a menos que nos imponham uma guerra. Se gente inimiga de fora atacar o nosso país, é claro que não vamos poder continuar a nossa construção económica. Vamos resistir e lutar em defesa nacional.
O desafio da China é a construção económica e trabalhar para o seu povo. Por exemplo, na reforma feita em 1979, o Produto Interno Bruto percapita do meu país era  de duzentos dólares, mas em trinta anos mudamos a situação para uma China diferente e tornamo-nos, economicamente, número dois do mundo, graças à evolução do povo.
OD: Se tivesse que aconselhar os políticos guineenses, que recomendações faria à classe política da Guiné-Bissau?
WH: Precisamos de um compromisso de todos os políticos para com o povo, dos economistas. Um compromisso que deve ter um único lema: “servir de todo o coração o nosso povo”.
OD: Embaixador tem considerações que quer deixar?
WH: A mesma coisa, a unidade nacional. Uma superação nacional e não limitar-se apenas a falar das potencialidades do país, mas torná-lo num país de prosperidade. Essas potencialidades de que falamos existiram desde a era do Amílcar Cabral. Quando um povo pensa de igual maneira, tem o mesmo sonho e a mesma esperança, esse povo está unido.
A Guiné-Bissau tem uma média de 39 partidos políticos juridicamente inscritos. Mas se todos os partidos políticos quisessem unir esforços para uma luta comum, nada seria impossível. A China, por exemplo, tem 09 partidos políticos e cada formação política tem a sua própria ideologia; os comunistas querem implantar comunismo e os outros querem a democracia enquanto programa máximo e o mínimo seria o de trabalhar todos unidos para salvar o país.
Por: António Nhaga, Assana Sambú e Sene Camará
Foto: Marcelo Ncanha Na Ritche