1. É preferível deixar cair o discurso de antecipação do final da Nona Legislatura (abril de 2018), pelo menos, por uma boa razão, a saber: a sua duvidosa sustentabilidade técnica. Do meu ponto de vista, não vale a pena precipitar o fim de uma legislatura que, na verdade, já se aproxima do seu fim (abril de 2018). Além de, caso fosse adotado, gerar uma enorme pressão sobre a CNE e o GTAPE, duas estruturas que teriam muitas dificuldades em absorver e monitorizar tecnicamente tal aceleração dos acontecimentos. E mais: tal perspetiva poderia provocar ainda mais stress político, institucional e social, stress esse que seria induzido por um inevitável sobreaquecimento da conjuntura política nacional.
Ora, do que realmente precisamos é de tempo para – antes das eleições – sarar feridas; serenar os ânimos político-partidários (ainda muito exaltados); e restaurar a confiança política, um valor muito importante na relação dos cidadãos com as instituições do Estado. Isto faz-se muito melhor com um governo bipartidariamente inclusivo;
2. Perece-me até mais plausível atrasar o início da X legislatura (de abril de 2018 para abril-maio de 2019), aprazando para 2019 a realização de eleições gerais na sua máxima expressão: eleição Presidencial, eleição Legislativa e eleição Autárquica – todas no mesmo dia.
Note-se que os “ganhos” financeiros desta solução seriam óbvios, o que não é de só menos importância. Além de, eticamente, servir de meio de prova a favor das autoridades políticas nacionais, que, assim, transmitiriam a boa imagem de bom sentido de economia, de bom sentido de racionalidade financeira – note-se -, num país que é muito pobre. País que – pelo menos nos próximos tempos – devia evitar o luxo de gastar “milhões” na Legislativa, “outros milhões” na Presidencial e ainda “mais outros milhões” na eleição Autárquica.
E quanto aos eventuais inconvenientes políticos desta “tripla eleição”, eles não seriam muito difíceis de controlar e minimizar tendo em vista reduzir a sua eventual relevância indesejável. O certo é que os ganhos políticos desta solução, a meu ver, suplantariam todos ou quase todos os seus eventuais inconvenientes;
Mas atenção: não estou propriamente a pedir o adiamento da eleição. O que estou a dizer é que entre a hipótese de “antecipar” e a hipótese de “adiar”, o meu contra-argumento seria a favor de um adiamento da eleição legislativa por um ano, por razões técnicas e políticas que já apontei. Aliás, desde o início desta longa crise política nunca me convenceram da “bondade” de antecipar eleições, cujo argumento pareceu-me sempre indutivamente falacioso: de que a crise resolvia-se antecipando eleições! Num ambiente de crise aguda, de alta tensão política, a fuga para a eleição (antecipada) pode exacerbar a crise, não resolvê-la. Pelo mundo fora, não faltam experiências que corroborem isso mesmo.
3. Se o ponto 2. colher a adesão dos protagonistas, o ponto seguinte seria o de o Presidente da República empenhar-se mais ainda na restauração da normalidade funcional das instituições do Estado, designadamente, recompondo o, ainda desfeito, triângulo estratégico, uma “figura” crucial para a vida do Estado constitucional de direito: a Presidência da República, a Assembleia Nacional Popular e o Governo. Sendo certo que nesse “triângulo estratégico”, o lugar constitucional do Chefe do Estado é o seu vértice superior (e indutor), bem entendido, no sentido de que o Presidente da República é o protagonista de quem a República mais espera.
É claro que o empenhamento do PAIGC e do PRS é indispensável para articular construtivamente a superação desta longa crise político-institucional guineense, nomeadamente, para assegurar a ancoragem parlamentar do Executivo;
4. Seria também um ano de reformas! Um ano para “reformar” a Constituição, a lei eleitoral, a lei dos partidos políticos. Seria a terceira república – por que não? Terceira república, sim: que jamais deixará para trás a democratização do poder local; que saberá racionalizar o sistema partidário; que saberá assegurar uma melhor representação política quer dos cidadãos quer das forças políticas. Uma terceira república virada, finalmente, mais para o desenvolvimento económico e social da Guiné-Bissau do que para as dilacerantes lutas de poder que tanto degradaram a nossa segunda república (1994-2018).
5. Por este roteiro – de ancoragem parlamentar do Governo inclusivo e de reforma política do Estado -, o país teria de contar com um ano inteiro, um tempo precioso para se serenar, apaziguar, reconciliar antes de lançar os contendores na “arena política” da próxima corrida eleitoral;
Enfim, do fundo de uma prolongada crise político-institucional – de muito desânimo, de quebra de autoestima e de muito desperdício de recursos -, eis que teria surgido – na transição da IX para a X Legislatura – uma oportunidade de reforma política do Estado guineense no bom sentido. Nô Pintcha!
Bissau, 04 de julho de 2017
Por: Professor Fernando Delfim da Silva
Filósofo e Analista Político