sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Opinião: FRANCO CFA – O VESTÍGIO COLONIAL, FACTOS E PERSPECTIVAS

Será o franco CFA um mal necessário?

Nos últimos meses, o franco CFA constitui um debate cada vez mais intenso no seio da comunidade africana das zonas CEMAC e UEMOA. Os economistas destas zonas encontram-se numa situação paradoxal. Enquanto uns requisitam a saída, outros continuam convencidos que não é a hora certa de abandonar o barco.

O presente artigo destina-se a disponibilizar uma análise simples, útil e comparativa para elucidar o público leigo sobre a problemática e o futuro do franco CFA.  A ideia não é de rejeitar todas as outras explicações, mas sim fornecer uma plataforma de possíveis cenários em caso de abandono ao franco CFA.

Trata-se de uma situação muito delicada que envolve diversos fatores. Numa retrospetiva sintética, salienta-se que o franco CFA é a moeda de troca em 14 países da africa, nomeadamente das zonas CEMAC e UEMOA, compostas por 6 e 8 países respetivamente. As autoridades das antigas colónias francesas, provavelmente, decidiram criar a zona económica e monetária para facilitar as trocas comerciais e eliminar as barreiras burocráticas. Em 1997 a Guiné-Bissau aderiu ao bloco da união económica e monetária da África ocidental e consequentemente, a moeda da comunidade franco africana. De facto, o franco CFA é uma moeda estável com uma credibilidade internacional forte, devido a sua paridade fixa face ao euro. A tal proteção cambial requer a manutenção de 50% das reservas de divisas junto ao tesouro francês além das taxas implementadas sobre a emissão de franco CFA. A estratégia de manter paridade fixa em relação a uma moeda de um espaço económico com baixa taxa de inflação e com qual mantenha forte relação comercial denomina-se âncora cambial.


A eliminação da inflação com os bens transacionáveis com o exterior (basicamente, bens agrícolas e industriais) pode acontecer por duas razões. Por um lado, a fixação da taxa de câmbio faz com que os preços dos bens importados passem a crescer a um ritmo a que crescem do espaço onde são provenientes (um espaço com inflação baixa). Por outro lado, os produtores nacionais de bens concorrentes com os bens importados, para não perderem a quotas de mercado são abrigados a alinhar-se ao ritmo de subida de preços dos produtores da zona com baixa inflação- (LEÃO, LAGOA, & LEÃO, 2011).

Nesse âmbito, pode-se supor que o BCEAO adotou a âncora para atingir o objetivo de baixar a taxa de inflação e atingir a estabilidade de preços. Efetivamente, em termos globais, o nível dos preços da zona UEMOA encontra-se em nível relativamente aceitável.

As reservas de divisas, também chamadas de Forex reserves, são todos os ativos de alta qualidade que estão sob controle das autoridades monetárias em forma de moeda ou título estrangeiro e ouro. A diversificação das reservas constitui uma das prioridades de vários bancos centrais, no entanto, vários países guardam uma grande parte das suas reservas junto ao FMI, tornando-se credor desta organização e outra parte é utilizada para a aquisição de obrigações públicas de outros países (EUA, por exemplo).

Ora, as reservas das zonas CEMAC e UEMOA constituem o saldo global de divisas de cada união monetária, 50% das quais são guardadas no tesouro público francês com o objetivo de sustentar a paridade fixa face ao euro. A questão que se coloca não é da percentagem das reservas, mas sim, do local onde estas são guardadas.

Os defensores anti-franco CFA solicitam a desvinculação total dos países africanos da comunidade franco com a França e requerem a autonomia política e monetária, em razão de que nenhuma decisão isolada da CEMAC, da UEMOA, bem com dos seus bancos são levados em consideração sem a consulta prévia do Banco da França. Eles sugerem a moeda própria – a moeda africana. Entretanto, do cenário atual, poucos desses países apresentam um projeto viável a curto e médio prazo, a decisão política contra o poder hegemónico da França e muito menos para substituir o franco CFA. Neste contexto, destacam-se os possíveis cenários em caso de abandono a moeda FCFA.

O cenário otimista

Imaginemos que os países da UEMOA consigam garantir a sua autonomia monetária, com uma moeda emitida em África. O BCEAO finalmente poderá depreciar a sua moeda propositadamente, para ganhar vantagens competitivas dos produtos exportados. Os países exportadores serão beneficiados, mas por outro lado os importadores serão prejudicados.

O mercantilista Thomas Mun (1571–1641), no seu trabalho intitulado “A Discourse of Trade from England unto the East Indies” sobre a teoria de balança comercial multilateral defende que não é mal ter défice da balança comercial com um país quando esse saldo negativo é compensado nas exportações dos produtos finais para outros países. O Mun defendia uma empresa Inglesa que gastava o seu ouro para comprar matérias primas da Índia, mas que exportava o produto final para outros países da Europa.

O cenário pessimista:

Imagine-se que na UEMOA circula uma moeda comum que não é franco CFA. Certamente que a acumulação de divisas será desproporcional entre os países membros – Destaca-se o caso da Costa de Marfim que exporta uma variedade de matérias primas desde cacau, castanhas de caju, óleo de palma, algodão e etc. Atualmente o país é um dos maiores exportadores do mundo, o maior exportador de óleo de palma e o terceiro produtor de algodão. Esse facto permite a Costa de Marfim acumular mais divisas comparativamente com a Guiné-Bissau. Repara-se num exemplo prático:

Supõe-se que a Guiné-Bissau importa cada vez mais, bens ou capitais provenientes da zona euro em volume correspondente aos 100€, enquanto que a Costa de Marfim importa menos volume de produtos e capitais (50€). No lado das exportações, as matérias primas da Guiné-Bissau e a Costa de Marfim são exportadas para ásia (60 e 40 dólares, respetivamente). Consequentemente, a balança de transações de divisas entre a Guiné-Bissau e a zona euro será altamente deficitária, enquanto que a Costa de Marfim terá um saldo global positivo. Por outras palavras – A Guiné-Bissau vai encaixar 40 dólares (correspondentes ao volume da exportação) em divisas e vai gastar 100 euros das suas reservas (correspondentes ao volume de importação). Nota-se que a reserva de divisa é criada com a exportação de bens e capitais, e é destruída com o aumento da importação.

Na segunda fase – a Guiné-Bissau vai esgotar as suas reservas de divisas, o que obrigará o BCEAO a utilizar as reservas da Costa de Marfim para cobrir a posição da Guiné-Bissau face a zona euro para sustentar a paridade cambial. Caso contrário:

Na terceira fase – com a moeda da zona UEMOA depreciada em 30%, por exemplo, os guineenses vão precisar de mais dinheiro para pagar os 100€ (o correspondente a 130€ no câmbio da segunda fase).

Na quarta fase – os produtos importados da zona euro custarão mais caro e os cidadãos guineenses vão precisar de mais dinheiro para passar as férias na Europa. A inflação vai agravar-se e haverão muitos críticos da moeda única. Mas por outro lado, a longo prazo, a subida de preços dos produtos importados da zona euro poderá reduzir o volume da importação, o que permitirá os produtores nacionais e regionais a ganhar o poder de mercado para expandir os seus negócios e consequentemente, gerar empregos. E mais, muitos cidadãos guineenses vão optar por passar as suas férias no território nacional ou regional porque é menos custoso – as ilhas da Guiné-Bissau poderão ser o destino.

Na quinta fase – os cidadãos dos países com maior autonomia monetária (a Costa de Marfim, por exemplo) vão sair nas ruas para pedir o abandono da zona de moeda única.
Na sexta fase – a UEMOA cai…

O cenário Alternativo

Esse é um possível cenário a implementar para cada país em caso de queda da união monetária. As autoridades fiscais e monetárias poderão implementar política cambial, fiscal e laboral mais adequada ao seu modelo de desenvolvimento. Tais políticas poderão permitir a cada país controlar a sua massa monetária, a taxa de juro, os salários e o nível dos preços.

A Guiné-Bissau terá que processar reformas profundas para seguir o seu próprio rumo. Refere-se a uma reforma da legislação laboral, fiscal e principalmente monetária, para garantir o equilíbrio macroeconómico.

Recomenda-se a Guiné-Bissau adotar modelos de substituição de importação no sentido de poupar as suas divisas. Isto é, a produção de bens que podem ser produzidos no território nacional sem recursos a importação de mesmos. Há que alimentar os mecanismos de agregação do valor ao produtor rural, isto é, vários produtos alimentícios (peixe, mariscos, bolachas, conservas, doces de leite, milho e etc.) poderão ser produzidos e acompanhados em escalas para consumo interno e posteriormente, poderão ser exportados para os países da sub-região e mundo fora.

O banco central da Guiné-Bissau poderá adotar o modelo de consumo com a facilitação de crédito para a implementação de novos projetos.


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Por: Suleimane Djalo
Mestre em Economia Monetária e Financeira