Naturalmente, com o passar dos tempos, há mais de uma década para cá, o Partido da Renovação Social viu alargar as suas bases e capturar uma militância com um perfil mais diversificado, contrastando com as tradicionais características quase que homogêneas, quer de sua vanguarda, quer de sua base eleitoral. A homogeneidade em questão não é de natureza étnica. Aprofundo mais adiante. Não é que os renovadores compartilhavam rigorosamente, no passado referido, os mesmos status sociais e econômicos, entretanto a grande parte ocupava a mesma classe socioeconômica. Alias, o partido era rotulado de etnocêntrico, por ser maioritariamente constituído por balantas. Uma bobagem! Na cúpula da agremiação sempre houve fulas, mancanhas (ou brames), manjacos, etc. Mas tudo bem, isso não constitui o tema agora em análise.
O fato é que quando surgiu, o PRS viu o seu tecido sociopolítico ser composto maioritariamente por “tabanqueiros”, tendo sido os filhos de camponeses oriundos das zonas rurais a constituir a base do partido de milho e arroz. À época, os estigmas destilados aos simpatizantes, especialmente aos elementos do corpo diretivo do PRS, se relacionavam essencialmente à natureza e origem social e regional destes, quando a étnica balanta não era mobilizada propositalmente para tentar estigmatizar e desacreditá-los.
Hoje, esses estigmas minimizaram-se substancialmente com a cooptação e adesão de figuras de perfil que outrora dificilmente era encontrado – havia, mas era pouco – no seio dos renovadores, mormente na década de 1990. Méritos ao partido, que logrou uma significativa expansão geográfica e cultural, superando os preconceitos e atraindo figuras e personalidades importantes da praça de Bissau às suas fileiras. E a estas, uma palavra de apreço, por entenderem que o PRS era um projeto político supra-étnico, com propósitos políticos nacionais, à semelhança de outros partidos representados na Guiné-Bissau.
Embora seja razoável reconhecer o papel dos fundadores e dirigentes do PRS em todo esse processo, que completa dois decênios e meio, essas transformações ocorridas neste partido respondem às dinâmicas sociais e culturais da sociedade guineense, cada vez mais aberta e sensível às novas demandas democráticas contemporâneas. A recente adesão, ao PRS, de figuras políticas como Tcherno Djaló e Carmelita Pires, até pouco tempo enfileiradas no PAIGC e PUSD respectivamente, tendo esta última sido inclusive presidente do partido do qual se dissidiou, simboliza a já abordada “metamorfose” pela qual passa o PRS.
Essas transformações oferecem potenciais condições de o partido fortalecer o seu processo de expansão, tentando incorporar à sua organização simpatizantes e militantes de artérias de Bissau, nomeadamente aqueles que tradicionalmente tendiam a ser mais irredutíveis ao partido outrora de “tabanqueiros”. As cíclicas e contínuas crises no PAIGC podem facilitar essa condição. Por outro lado, o PRS tem o desafio de controlar o seu eleitorado tradicional, buscando equilíbrio entre o “novo e o velho PRS”. Haja vista a recente migração de um considerável número de indivíduos para o APU-PDGB, partido fundado por Nuno Gomes Nabiam.
Contudo, o principal desafio do PRS é o futuro de sua liderança, o que está estritamente relacionado ao seu percurso nos tempos vindouros. Não se pode olvidar que a direção cessante constituiu-se antes do falecimento de Koumba Yalá. Portanto, não há ainda uma direção do partido da era pós-Koumba; nesse sentido, não se pode falar ainda da existência de uma liderança legitimada do PRS, sem Koumba. Se Yalá era visto, por muitos, como uma espécie de monarca e consequentemente o partido ser concebido, por alguns, como um órgão quase que monolítico; Koumba simbolizava a união do partido em momentos chaves, era uma peça aglutinadora da agremiação – talvez com a exceção dos últimos contextos precedentes à sua morte. Sem o histórico líder do PRS, abre-se no partido um vácuo político, ao menos subjetivo, o qual vários expoentes procuram ocupar.
A quantidade, sem precedentes, de figuras que apresentaram sua candidatura para a presidência do partido, que realiza o seu V congresso, revela essa tendência. E tratam-se de candidatos que gozam de considerável representatividade política no PRS, mas também no plano nacional. A corrida à liderança do partido de nomes como Ibraima Sori Djaló, antigo presidente do parlamento guineense, Artur Sanhá, antigo Primeiro-Ministro e ex-secretário-geral dos renovadores, Sola N’Quilin, atual ministro da Administração Territorial, Fernando Correia Landim, ex-ministro das Pescas, além do próprio presidente cessante, Alberto Nambeia, talvez expressa um novo cenário político desafiador no partido.
Todo esse processo, contudo, pode representar a expressão de pluralidade de pensamentos dentro da organização e, portanto, um salto democrático; mas, por outro lado, pode simbolizar prenúncio de excessiva luta interna pelo poder, capaz de provocar futuros focos de tensões e instabilidades no partido.
De Gardete poderá sair um partido verdadeiramente mais forte, com vistas aos próximos embates eleitorais; ou de lá sair um partido aparentemente monumental, mas destroçado por conflitos internos, seguindo os caminhos do atual PAIGC, que a quase todos iludiu que tinha lavado de melhor forma a roupa suja, em Cacheu.
Para os propósitos da estabilidade governativa na Guiné-Bissau, necessita-se de um sistema partidário coeso, e para isso é importante que o PRS e os demais partidos estejam coesos e saibam divergir respeitando os princípios estatutários e democráticos que os regulam.
Boa sorte aos renovadores.
Por: Timóteo Saba M’bunde, Mestre em Ciência Política.