sexta-feira, 13 de julho de 2018

Exploração conjunta de hidrocarbonetos: EX-SG AFIRMA QUE A GUINÉ-BISSAU PODE ATINGIR 46 POR CENTO NA NEGOCIAÇÃO DE CHAVE DE PARTILHA

[ENTREVISTA] O ex-secretário-geral da Agência da Gestão e Cooperação da Zona Marítima de Exploração Conjunta entre o Senegal e a Guiné-Bissau, Júlio Mamadu Baldé, afirmou que estrategicamente a Guiné-Bissau pode atingir 46 por cento na negociação sobre a chave de partilha dos lucros provenientes da exploração conjunta de hidrocarbonetos com a vizinha República do Senegal.
Baldé justificou que, para a constituição da zona de exploração conjunta, cada país cedeu uma parcela do seu território, tendo assegurado neste particular que a Guiné-Bissau concedeu 46 por cento do seu território marítimo e o Senegal 54, pelo que as autoridades guineenses podem usar o critério de contribuição do espaço territorial na negociação para chegar ao consenso sobre a famosa chave de partilha.

Contudo, advertiu que o governo guineense deve ser “muito inteligente” na negociação com os senegaleses, acrescentando que a negociação deve ser feita com estratégias políticas e técnicas, sobretudo no âmbito de uma boa relação de vizinhança entre os dois Estados.
O governo da Guiné-Bissau e do Senegal rubricaram um acordo para a criação de uma zona de exploração conjunta de hidrocarbonetos e dos recursos haliêuticos em 1993, que comporta cerca de 25 mil quilómetros quadrados da plataforma continental. A zona é gerida por uma Agência de Gestão e Cooperação, baseada em Dacar (Senegal). Os dois países chegaram a entrar em conflito armado que durou alguns dias pela disputa daquela zona, mas depois recorreram ao Tribunal Penal Internacional que deu razão a República do Senegal.
A Agência trabalha sob a orientação da Alta Autoridade, que é uma espécie do comité dirigido pelos Chefes de Estado de dois países, através de um mandato rotativo de dois anos. Os então Presidentes dos dois países, João Bernardo Vieira da Guiné-Bissau e Abdou Diouf do Senegal, optaram pela partilha dos recursos existentes na zona, ficando os senegaleses com 85% de hidrocarbonetos e os guineenses com 15%.
A zona é igualmente rica em recursos haliêuticos, cuja partilha foi determinada em 50 por cento para cada um dos Estados. Em 2001, o Presidente Wade do Senegal manifestou a vontade de conceder a Guiné-Bissau 20% e ficando o Senegal com 80%, mas não existe nenhum documento oficial sobre o assunto. Segundo os especialistas, o documento deveria passar nos parlamentos de dois países para depois produzir um acordo oficial a ser assinado pelos dois Chefes de Estado.
Entretanto, o Presidente da República, José Mário Vaz, não concordou com o acordo sobre a divisão da chave de partilha, sobretudo no concernente aos hidrocarbonetos, denunciando formalmente o entendimento a 29 de dezembro de 2014, tendo proposto ao governo senegalês a reabertura de negociações para a fixação de novas bases de partilha. Desde aquela altura até a data presente realizaram-se várias rondas de negociações e as partes não conseguiram alcançar nenhum compromisso.
JÚLIO BALDÉ DEFENDE A REVISÃO DA CHAVE DE PARTILHA E PEDE SERIEDADE DO PAÍS
Em entrevista exclusiva ao nosso semanário O DEMOCRATA, o especialista guineense em assuntos ligados aos hidrocarbonetos e que dirigiu a agência durante cerca de 20 anos e que agora trabalha como consultor para as grandes companhias de exploração de petróleo explicou que, como cidadão guineense e técnico da área, fez um trabalho que entregou às autoridades guineenses no qual definiu as estratégias que podem ser usadas para conseguir um aumento da percentagem dos lucros em favor da Guiné Bissau nas negociações.
Júlio Mamadu Baldé lembrou que não era a sua obrigação, porque não fazia parte do seu mandato, que era o de gerir a zona comum e defender os interesses dos dois Estados.
“O que fiz foi demostrar às autoridades guineenses que é possível subir a percentagem da partilha e muito mais do que se esperava. Fiz o trabalho a favor da Guiné-Bissau. O acordo chegado de 15 contra 85 em 1993, foi porque naquela altura havia apenas a prospeção em águas rasas, o que representa quase 1.860 quilómetros quadrados na zona de ‘Don flor’. Era uma coisa muito pequena, mas que tinha investimentos de grandes envergadura feitos apenas pelo Senegal, através de empréstimos contraídos ao Banco Mundial”, precisou.
Assegurou que o governo senegalês tomou em conta os investimentos feitos, razão pela qual determinou a chave de partilha de 15% para a Guiné-Bissau e 85% ao Senegal. O especialista guineense esclareceu neste particular que o acordo de 15 contra 85 vale exclusivamente para águas rasas, tendo acrescentado ainda que “hoje em dia no mundo do petróleo grandes prospeções não são feitas em águas rasas, mas nas águas profundas”.
“A partir de 2000 começou-se a registar grandes descobertas no mundo em águas profundas, graças à evolução da tecnologia. Existem actualmente tecnologias que permitem a prospeção e descoberta do petróleo nas águas profundas. A prospeção era de quase dois mil quilómetros quadrados, mas hoje conseguimos fazer mais de 20 mil quilómetros quadrados de prospeção. É preciso de facto rever a chave de partilha, porque o acordo assinado entre as partes ressalva que em caso de descobertas é possível renegociar a chave de partilha. É preciso rever a chave de partilha neste momento, antes de chegarmos à descoberta propriamente dita”, observou.
Explicou ainda que a zona de exploração conjunta foi criada através de contribuições territoriais de cada país e que conta com dois paralelos. A zona é limitada a Norte pelo azimute 268 e a Sul pelo 220, tomando o Cabo Roxo como ponto de rotação.
“A fronteira marítima fixada pelo Tribunal Penal Internacional na altura, aquando do diferendo entre os dois Estados, era nos 240. Significa que de 220 até 240 é a contribuição da Guiné-Bissau e de 240 até 268 é a do Senegal. Se fizermos os cálculos deste triângulo de 220 até 240, veremos que representa quase 46% da área total da zona de exploração conjunta e enquanto 268 representa 54%. Não havendo outros critérios, então é possível usar a via de contribuição territorial para chegarmos ao consenso sobre a chave de partilha. Mas isso já é uma questão política”, espelhou o especialista.
Baldé disse que este é um argumento que armou para a Guiné-Bissau apresentar como base nas negociações. Disse ainda que entregou um documento ao Presidente da República, onde delineou as estratégias das negociações, que em sua opinião poderiam surtir efeitos, se forem bem exploradas. Isso permitiria desbloquear a situação e permitir a retoma dos trabalhos da prospeção que estão paralisados neste momento devido à denúncia do acordo pelas autoridades guineenses.
Defendeu ainda que é urgente desbloquear a situação para permitir avanços dos trabalhos, porque, “não vale a pena ficarmos aqui sentados há 50 anos com expectativas que temos petróleo e sem explorá-lo. Acima de tudo deixando o país com enormes dificuldades a nível de saúde, educação e infraestruturas rodoviárias”.
Sugeriu as partes que cheguem ao entendimento na base das boas relações de vizinhança entre os dois Estados, porque é possível conseguir resultados positivos naquela zona em termos de prospeção e eventualmente de descobertas dos hidrocarbonetos.
Relativamente aos recursos haliêuticos, asseverou que o acordo chegado para a partilha a nível destes recursos é normal.
“É normal esse acordo, como se diz, o peixe não conhece a fronteira. Por exemplo, se diz que a sardinha sai do nosso território e as vezes é apanhado na zona do Marrocos ou Portugal, portanto é difícil definir que os peixes ficarão apenas num espaço. Esse acordo de 50% por país é normal”, esclareceu.
BALDÉ: “ESTADO DEVE DESPOLITIZAR A PETROGUIM E CRIAR CONDIÇÕES TÉCNICAS PARA QUE ELA FUNCIONE”
Solicitado a pronunciar-se sobre a expectativa do país na prospecção e eventual exploração de hidrocarbonetos nas outras regiões, assegurou que a Guiné-Bissau dispõe de uma empresa encarregue deste sector (PETROGUIM). No seu entender, devem ser criadas todas as condições técnicas necessárias que a permitam fazer um bom trabalho na selecção de melhores empresas e investidores para o bem-estar do país e dos guineenses.
“As grandes dificuldades em África são a mistura de política com trabalhos técnicos de pesquisa. Sabemos que existem aventureiros que sempre querem colar-se aos políticos para tirar proveitos e criar riquezas. Aconselho os governantes a deixarem os técnicos bem preparados nesta área assumirem a empresa e criar-lhes as condições técnicas necessárias”, notou.
O especialista avançou que a PETROGUIM tem técnicos com reconhecidas capacidades nas suas áreas de formação, ressalvou contudo, que precisam apenas da oportunidade para aplicar os seus conhecimentos técnicos e científicos.
Acrescentou ainda que a PETROGUIM precisa de mais independência técnica para funcionar, mas também deve ter menos intervenções políticas. Sublinhou que as empresas de pesquisas não precisam muito de intervenções políticas, porque “na fase de pesquisas determinantes predominam mais as decisões e visões técnicas”.
ESPECIALISTA DEFENDE EXPLORAÇÃO DOS RECURSOS DO PAÍS PARA MELHOPRAR A VIDA DOS GUINEENSES
Em relação à visão partilhada por alguns guineenses, em particular pelo próprio Chefe de Estado, José Mário Vaz, que alega que a Guiné-Bissau não dispõe de condições para a exploração dos seus recursos naturais, Júlio Baldé afirmou que é normal que haja vozes que defendem que o país não tem condições para explorar os seus recursos, mas questionou os apologistas dessas ideias, se vale a pena deixá-los e continuarmos a viver na extrema pobreza.
“Podemos e devemos explorar os nossos recursos naturais que vão permitir que tenhamos meios para formar quadros e criar condições para os sectores do ensino, da saúde e dinamizar outros sectores. Apenas explorando os nossos recursos é que poderemos ter esses meios para reestruturar e equipar as nossas forças da defesa e da segurança. Defendo sim, uma exploração racional que nos permita preservar o nosso meio ambiente”, aconselhou.
Lembrou ainda que no momento das grandes descobertas do petróleo no mundo não havia grandes condições, mas a exploração desse recurso levou aqueles países a melhorarem as suas condições de vida e sair da situação da extrema pobreza.
“Esta é a visão do Presidente da República e não quero dizer que não tem razão, mas é a visão dele e, eu respeito. Enquanto técnico da área e com muita experiência, penso que é possível explorar os recursos e criar as condições para garantir a estabilidade política e governativa paralelamente”, observou.
Baldé recordou que iniciaram os trabalhos na agência de zero em 2000, quando foi nomeado para exercer a função do Secretário-geral, tendo asseverado que na altura havia um trabalho em termos de sísmicas especulativas que permitiram a delimitação de zonas em blocos. Frisou que foram definidos três blocos, um nas águas rasas e dois nas águas profundas, nomeadamente o “Cheval Marin – Cavalo-marinho” que está na parte norte de águas profundas e outro denominado de ‘Croix du Sud – Cruz do Sul’, situado ao sul de águas profundas.
“Começamos assim e fizemos a promoção destes blocos para conseguirmos parceiros. E foi desta forma que conseguimos a primeira companhia que decidiu trabalhar connosco, a italiana ‘ENI’ e assinamos um contrato de prospeção nas zonas de águas profundas no bloco ‘Cheval Marin’. No sul fizemos um contrato com uma companhia australiana ‘FUSON’. Portanto, a parte de águas rasas levou muito tempo sem encontrarmos um parceiro que queira operar naquela zona”, explicou.
Afiançou que fizeram muitos trabalhos sísmicos que permitiram a agência ter o conhecimento sobre a situação das estruturas geológicas da parte de águas profundas, tendo lembrado que esses trabalhos foram feitos entre o ano 2000 a 2006. Avançou que várias companhias passaram na zona de jurisdição da agência e inclusive acabaram por conseguir companhias interessadas em operar nas zonas de águas rasas.
“Conseguimos fazer muitos trabalhos na zona de exploração conjunta em termos de prospeção que se avalia em centenas de milhões de dólares norte-americanos, que foram investidos pelas diferentes companhias petrolíferas. Fez-se ainda um furo, ‘Furo Cora 1’ em 2011, que hoje permitiu todas essas descobertas registadas naquelas zonas, ou seja, na bacia que começa da Mauritânia e até a Guinée-Conakry. Até em 2011 não havia nenhum furo nas águas profundas e os furos que existiam eram nas águas rasas. O primeiro furo feito foi na zona da agência em 2011  e custou vários milhões de dólares. Graças a este furo hoje, há toda uma expectativa nesta zona desde a Mauritânia, Senegal, Gâmbia, Guiné-Bissau e até a Guinée-Conakry”, informou.
A nível da zona de exploração conjunta entre o Senegal e a Guiné-Bissau, disse que há uma grande perspectiva, porque geologicamente demostra que tem muita prospetividade. Sustentou ainda que actualmente algumas companhias chinesa e canadiana operam naquela zona no sentido de tentar desenvolver os trabalhos de prospeção.
“Existe uma enorme perspectiva naquela zona por causa da sua configuração geológica e da quantidade da informação que tem. Nós devíamos fazer um furo em 2014 com ‘WOODSIDE’ nas zonas de águas profundas, mas a 29 de dezembro do mesmo ano houve denuncia da parte do Presidente da República da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, do acordo de gestão e cooperação entre os dois países. Fomos obrigados a parar toda aquela operação e até hoje grandes trabalhos de prospeção não foram retomados e muito menos do furo, porque espera-se o entendimento entre os dois Estados”, espelhou.

Por: Assana Sambú  
Foto: AS
Julho 2018