Quase 400 adultos saudáveis e 72 macacos foram sujeitos a testes de uma vacina experimental anti-VIH. A vacina provocou respostas imunitárias contra o vírus nos humanos e protegeu dois terços dos macacos.
Estima-se que cerca de 37 milhões de pessoas no mundo vivam com VIH e que haja 1,8 milhões de novos casos de infecção no mundo a cada ano. Contudo, ainda não existe uma vacina que evite a infecção deste vírus. Esforços não têm faltado e a última edição da revista The Lancet traz novidades. Uma vacina experimental contra o VIH-1 teve respostas imunitárias “robustas” contra o vírus em adultos saudáveis. Observou-se ainda que protegeu macacos Rhesus de um vírus semelhante ao VIH. Neste momento, já decorre uma nova fase do ensaio clínico para se perceber se esta vacina experimental consegue proteger os humanos do VIH.
“Embora as terapias anti-retrovirais sejam um sucesso tanto para o tratamento como para a prevenção da infecção do VIH-1, uma vacina segura e eficaz seria necessária para alcançar o fim prático e duradouro da pandemia global de VIH-1”, escrevem os autores logo no início do artigo científico. Contudo, são muitos os desafios a enfrentar, como a grande diversidade genética do vírus. Quanto às vacinas, os cientistas também identificam no artigo um dos principais problemas: “A maior limitação no campo da vacinação do VIH-1 até à data tem sido a falta de comparabilidade directa entre os estudos pré-clínicos e os ensaios clínicos, em termos de vacinas, regimes, programas e análises usadas.”
Nos últimos 35 anos, apenas quatro abordagens de uma vacina do VIH foram testadas em humanos e só uma provou ter alguma eficácia na protecção contra o vírus. Testada na Tailândia durante três anos, os resultados da vacina experimental RV144 contra o vírus da sida foram apresentados em 2009. Na altura, os resultados dividiram os especialistas e, no comunicado da The Lancet sobre este recente trabalho, destaca-se que a vacina RV144 “reduziu a taxa de infecção humana em 31%, mas o efeito foi considerado demasiado baixo para que se avançasse para o uso comum da vacina.”
Agora, uma equipa liderada por Dan Barouch, da Faculdade de Medicina de Harvard (Estados Unidos), desenvolveu uma nova candidata a vacina contra o VIH-1. “A vacina contém um mosaico criado a partir de muitas estirpes de VIH e tem antigénios do VIH Env/Gag/Pol, distribuídos através de um vírus comum não-replicante (Ad26)”, refere-se no comunicado.
Para o estudo, entre Fevereiro e Outubro de 2015, foram recrutados 393 adultos (entre os 18 e os 50 anos) saudáveis e sem VIH de 12 clínicas do Leste africano, África do Sul, Tailândia e dos Estados Unidos. Nesse período, esses voluntários receberam aleatoriamente uma de sete combinações de vacinas ou um placebo. Em 48 semanas, foram sujeitos a quatro vacinações.
Os resultados mostram que todos os regimes de vacinação testados (dos sete existentes) são capazes de gerar uma resposta imunitária contra o VIH. Os efeitos secundários mais comuns nos participantes foram dores leves a moderadas no sítio da injecção, que variou entre 69% e 88% entre os grupos que receberam os regimes de vacinação e de 49% no grupo que foi sujeito ao placebo. Apenas cinco participantes relataram efeitos mais adversos como dor abdominal, diarreia, indisposição ou dores nas costas.
Cautela nas interpretações
Num outro estudo, a mesma equipa testou a vacina experimental em 72 macacos Rhesus (Macaca mulatta) para perceber se protegia estes símios do SHIV, um vírus que é uma combinação de genes do VIH e do SIV (a versão deste vírus em símios). “A vacina deu 67% de protecção contra esse vírus nos macacos”, refere Dan Barouch. Ou seja, cerca de dois terços dos macacos ficaram protegidos.
“Este estudo demonstra que o mosaico Ad26/Env da vacina candidata contra o VIH provocou respostas imunitárias robustas e comparáveis em humanos e macacos”, resume ao PÚBLICO Dan Barouch. “Todos os regimes de vacinação demonstraram confiança favorável e tolerabilidade”, assinala-se no artigo.
Estes resultados levaram a uma nova fase do ensaio clínico: o ensaio de eficácia chamado “HVTN705”, que irá determinar se a vacina protege os humanos de adquirirem VIH. Neste momento, essa nova fase já começou e a vacina está a ser testada em 2600 mulheres em situação de risco nos países do Sul de África. Mas Dan Barouch avisa que só haverá resultados em 2021 ou 2022.
“Estes resultados representam um marco importante”, considera o cientista. Mas, ao mesmo tempo, adverte: “Precisamos de ser cautelosos na interpretação destes resultados, porque não sabemos se a protecção nos macacos poderá ser transferida para os humanos.” Além disso, apesar de se ter observado respostas imunitárias nos humanos, não quer dizer que fiquem protegidos do vírus e ainda se sabe muito pouco sobre o mecanismo de protecção observado.
Num comentário na mesma revista, George Pavlakis e Barbara Felber, do Instituto Nacional do Cancro em Frederick (Estados Unidos), também destacam a importância de uma vacina para o VIH: “Novas abordagens de vacinas estão em desenvolvimento e podem progredir para ensaios eficazes, o que é um processo importante, uma vez que o desenvolvimento de uma vacina contra a sida é urgente. Embora haja avanços inéditos no tratamento do VIH e na profilaxia, o número de pessoas a viver infectadas com VIH continua a aumentar no mundo.” Por isso mesmo, consideram que Dan Barouch e a sua equipa já deram uma ajuda para que um dia esse objectivo seja atingido.
Fonte: https://www.publico.pt