O continente africano tem registado diversos conflitos armados desde a II Guerra Mundial. Entre guerras de libertação, confrontos internos e quezílias entre Estados, têm sido múltiplas as ocasiões em que seu deu uso às armas, com África a aumentar em mais de 90% os gastos em despesas militares desde o início do século. Um palco privilegiado para as pequenas indústrias de armamento, mas não só.
Num mundo em que os Estados Unidos da América apresentam atualmente um orçamento de defesa superior a 40% dos gastos totais mundiais na área, e em que os dez países que mais despendem na sua defesa totalizam cerca de 70% dos gastos de todas as nações do mundo, África destoa, e continua a absorver uma quantidade reduzida da produção de armas no mundo. Mas os tempos são de mudança, e o comércio de armas ligeiras, por exemplo, já encontra em África um mercado privilegiado, que vale aproximadamente 7% do negócio a nível mundial.
Embora seja um continente onde se registaram nas últimas décadas diversos conflitos armados, a verdade é que a vulnerabilidade das economias e as deficiências em formação das forças armadas não têm permitido a aquisição de equipamentos militares de última geração. Por outro lado, os principais fabricantes e exportadores de armas, nomeadamente os Estados Unidos, Rússia, França ou Inglaterra, também têm demostrado pouco interesse e disponibilidade para colocar em África versões mais recentes dos seus sistemas bélicos.
As armas ligeiras acabam desta forma por se apresentar como a grande arma do continente africano, e o tráfico de armas uma das formas mais usadas para abastecer todos os canais, dos próprios exércitos às guerrilhas e mesmo associações criminosas. Estima-se mesmo que cerca de 30% do comércio esteja assente em transações ilegais, facto a que a Convenção de Palermo, a primeira especificamente sobre o assunto, não conseguiu ultrapassar, com os principais países envolvidos no negócio a literalmente assobiarem para o lado.
Também os arsenais da guerra fria, hoje inúteis na Europa e norte da américa, acabam por ir parar, através de meios oficiais ou paralelos, aos exércitos africanos e guerrilhas (e muitas vezes ao mesmo tempo às duas partes diretamente em conflito), alimentando máfias do crime organizado, altas figuras de alguns governos e os cofres de países e empresas com problemas de liquidez e que encontram neste desfazer de armas hoje desnecessárias e desatualizadas uma oportuna fonte de rendimento.
Mas nem só de armas tecnologicamente ultrapassadas vivem os exércitos africanos. Além de alguns países já possuírem uma indústria própria, assente essencialmente em armas ligeiras e munições, há diversos Estados que encontraram em África um destino para as suas crescentes indústrias de armamento. É o caso do Brasil, hoje um dos grandes mundiais (e por vezes esquecido) no comércio de armas, mas também países como a China, Chile, Coreia do Norte ou Irão, que de certa forma complementam nos armamentos mais ligeiros a colocação de armas mais pesadas dos Estados Unidos, França ou Rússia. Segundo números do exército brasileiro, que fiscaliza e controla as exportações de armas, o Brasil exportou quase quatro milhões e meio de armas ligeiras entre 2005 e 2010, o equivalente a cerca de 2500 armas por dia, para países como a Costa do Marfim, Egito, Gana, Guiné, Senegal, Tanzânia, Zâmbia, Zimbabwe, Madagáscar, Argélia, África do Sul, Mauritânia, Namíbia, República do Congo ou Angola. Aliás, o Brasil acabou de vender para Luanda um lote de seis aviões Tucano, usados essencialmente em missões de vigilância, num negócio fechado já este ano, e que no futuro pode envolver a venda de mais unidades.
AS POTÊNCIAS MILITARES CONTINENTAIS
Egito, África do Sul, Nigéria e Marrrocos (que reforçou o investimento em equipamento militar sofisticado nos últimos cinco anos) são atualmente considerados os países com as maiores e mais eficazes forças armadas de África, embora a Líbia também o fosse até ao conflito que ditou a queda de Kadhafi, e nações como a Argélia, Tanzânia, Gana, Etiópia, Uganda ou Angola tenham igualmente investido fortemente nas suas forças de defesa, com Luanda a merecer o aplauso generalizado dos especialistas quanto à organização e desempenho das suas forças de defesa. Mas a hierarquização nesta área é um exercício quase virtual, pois é difícil identificar-se ao certo qual o armamento operacional que cada país detém, bem como a exata eficácia da organização das suas forças armadas. Por outro lado, há equipamentos militares que, apesar de constarem nas listas oficiais de armas de cada país, já estão desativados, e noutros casos não se sabe se as armas identificadas foram alvo de aperfeiçoamentos técnicos e de atualizações, ou se estão disponíveis peças sobresselentes que as tornem realmente eficazes num cenário de combate. Finalmente, e não menos importante, coloca-se a questão de se saber qual a exata capacidade de cada país para suportar em termos económicos as suas forças armadas num envolvimento e num conflito mais prolongado, onde se colocam no terreno questões práticas, como as relacionadas com a organização dos exércitos, logística e a capacidade de comunicação, ou a própria relação entre os militares e os poderes políticos.
Contudo, e segundo a generalidade dos estudos, os dois países com maior capacidade militar são o Egito e a África do Sul. Este último chegou a desenvolver armamento nuclear, que terá sido testado em 1979 num episódio ainda hoje envolto em mistério e com facetas não totalmente esclarecidas. Mas a queda do apartheid ditou o fim do programa nuclear, que na altura contou com o envolvimento de Israel, num grau também ainda hoje desconhecido, apesar da recente desclassificação de alguns documentos.
A África do Sul é mesmo o país que mais investiu, com o envolvimento de terceiros, armamento próprio de características sofisticadas, como aviões e viaturas de combate. Criado de raiz ou baseado em versões já existentes, os sul-africanos investiram no tempo do apartheid numa indústria própria, fintando desta forma as restrições impostas à aquisição de material bélico. O caça Atlas Cheetah, baseado no Mirage III (hoje em dia a ser substituído pelo sueco Saab JAS 39 Gripen), é um exemplo da aposta nesta estratégia, tal como o tanque Olifant, assente no velhinho Centurion, mas modernizado por empresas sul-africanas e adaptado à realidade do país.
Embora parte desse equipamento já esteja desatualizado, e o país tenha encetado um programa de modernização das suas forças armadas no início do século – e que ainda prossegue –, continua a apresentar um significativo poderio militar, visível também na sua marinha, que já apresenta navios de última geração.
De realçar que todo o processo de modernização, que inclui a construção de novas unidades para os vários ramos das forças armadas e a atualização de outros equipamentos, está assente na sua indústria e no pressuposto que a manutenção dos equipamentos representa um custo bem mais elevado do que a sua simples aquisição, questão que o afasta da generalidade das outras nações africanas, que acabam por ficar demasiadas vezes com equipamentos inoperacionais por falta de capacidade de os manter e atualizar, ou que gastam milhões para os manter funcionais junto dos países exportadores.
O Egito é a outra potência militar do continente. O seu exército é mesmo considerado essencial na vida interna da nação, como se tem comprovado nos acontecimentos do último ano. Também possui uma indústria militar, e fabrica diversos sistemas de armas. A sua força aérea está hoje bem equipada, com diversos tipos de aviões, desde os já datados (mas atualizados) F-4 Phantom ou Mig 21, às versões mais recentes e modernizadas de aviões como o F 16. O seu exército, embora ainda possua diversos equipamentos do tempo da Guerra Fria, é dos poucos do mundo que tem ao seu serviço o eficaz tanque M1 Abrams, além de diversos sistemas modernos de misseis e helicópteros de ataque. Por razões históricas, o seu armamento está assente em armas de diversas proveniências, da antiga União Soviética (geralmente os mais antigos, das décadas de 50, 60 e 70), às norte-americanas, da França, Alemanha, Itália, Reino Unido ou China. Se é certo que nos conflitos com Israel ficaram patentes algumas debilidades, a verdade é que muita coisa mudou desde então nas suas forças armadas.
Em processo de modernização estão as forças armadas de diversos países, como as de Angola. Ao contrário de outros e seguindo a estratégia sul-africana de redução da dependência de terceiros, o país pretende desenvolver uma indústria militar própria, como referiu recentemente o ministro da defesa, Cândido Van-Dúnem, que na visita do seu homólogo brasileiro, solicitou ao Brasil ajuda para tal. As relações de cooperação que os dois países mantêm há diversos anos, podem assumir aqui um significado especial, dado o interesse do Brasil na sua afirmação no mercado internacional no domínio das indústrias militares. Mas Angola pretende continuar a envolver diversos países na modernização das suas forças armadas, incluindo a China, seu parceiro já em múltiplos empreendimentos no país.
O AUMENTO DOS GASTOS MILITARES
Com múltiplas regiões, grande diversidade étnica, cultural e religiosa, grande instabilidade política e alvo de uma presença colonial de séculos por parte de países europeus, África é um continente que tem convivido ao longo dos tempos com variados conflitos militares. Se as lutas de libertação marcaram a segunda metade do século XX, os conflitos internos e fronteiriços têm sido uma constante nas últimas décadas e este início de século XXI. E é neste cenário constante de altercações, mas também de múltiplos interesses envolvidos, dos países exportadores de armas e com interesses económicos na região, às simples necessidades de defesa dos Estados, passando pela atividade de forças de guerrilha e independentistas, que o continente africano se apresenta como um destino crescente de armas de todo o mundo. Muito distante em termos globais de outras regiões do globo, como o Médio Oriente ou América Latina, mas um palco privilegiado, pois ao contrário de outros continentes, continua a ser uma região permanentemente assolada por guerras e conflitos armados. A comprová-lo o facto de as despesas militares terem aumentado no continente em cerca de 90% desde o início do século. Fonte: Aqui