sábado, 19 de novembro de 2016

Crônica: O RATO E A RATOEIRA

otinta-age
Uma casa espaçosa. Um imóvel de encher os olhos, cheios de mobílias importadas da Europa. O velho continente. O novo sonho da classe média e alta africana. Para não falar dos ricos. Fruto sei lá do quê… Mas esta ostentação de riqueza contrariava com a realidade que se vivia. Parecia àqueles países em que poucos podiam, e tinham tudo, luxo e glamour; e muitos tinham nada – não é que exatamente não tivessem nada, nada disso, não -, mas sim tinham o nada no horizonte da miséria que os espreitava à janela de suas casas mal construídas.
 
Tratava-se, todavia, de um contraste gritante. De um lado, o luxo e a opulência num país de miséria; de outro, o lixo e a carência absoluta num país em que a ignorância teimava em reinar.

Como se sabe tanto a Ciência quanto a ignorância não conseguem, em hipótese alguma, coabitar-se. Mas lá estamos nós a conviver, sem que o queiramos, com as duas na mesma casa, comendo na mesma mesa e partilhando a mesma esposa, e o mesmo marido.
Letícia estava sentada na sala de estar a assistir um programa qualquer na TV. Distraída, entretida, e a tomar umas doses de Whisky velho de 12 anos, eis que lhe passa na sala um rato esquema. Este corre-lhe pelo sofá. Imagina o resto. Um escândalo de gritos e choros.
O marido tinha acabado de chegar do serviço. Cansado. Quando ouviu a gritaria da mulher corre até a sala para saber o que se estava a passar. Viu-a empoleirada no sofá a tremer-se. Foi em seu socorro. Esta cai-lhe nos braços, quase desfalecida.
Ele abraça-a. beija-a. passe-lhe as mãos nos cabelos. No rosto. E na bunda para a relaxar. Sussurra-lhe algumas palavras doces no ouvido. Aperta-lhe no peito. Tasca-lhe um beijo de língua na boca.
Recobrada a esposa, Leandro sai para ir tomar uma ducha relaxante. E quando termina, volta a sala; e enfim, pergunta à esposa o que terá sido o motivo daquela gritaria escandalosa. Ela confessa-lhe que tem pavor a rato. E fora esta a causa do pavor que sentia. Disse-lhe que detestava ratos.
Entretanto, diz ao marido que sempre a empregada limpava, e com muito esmero, a casa. Não entendia por que um rato entra numa casa de uma madame de primeira – como era ela.
Sentados na poltrona do sofá tocaram a assistir uns filmes. E quando anoitecia, enquanto tomavam algumas doses de Whisky, o sono fora chegando, devagar, até que os levou.
  1. O jongago: a promessa
O sono era maravilhoso depois de uma sessão intensa de amor. Feito com frenesim e com muita paixão, regada a gemidos de prazer, e a declarações de amor nunca dantes feitas.
E enquanto dormia, Leandro fora transplantando para o mundo onírico, no planeta onde a fantasia e a realidade beijavam-se como casal de apaixonados. Eis que aparece-lhe nos sonhos, a imagem do pai, este que já deixara há anos o mundo dos vivos, a dizer-lhe:
– Meu filho não fora isso que me prometeras quando do Jongago, quando me perguntaste se podias avançar com o teu projeto, lembras-te?
Foi assim que o filho do já finado de há anos, o Sr. Marmelada, apareceu no sonho do seu filho que, sobressaltado, deu fôlegos ofegantes, ao recordar o que tinha prometido ao seu finado pai, e mesmo ainda em vida, sobre o presumível projeto de reerguer à nação da família Marmelada.
Pois estão aí os fatos a falarem por si, e eu nem preciso dizer mais nada. Nada mesmo. A nação dos Marmelada este em reboliço total. E estão a levar-nos para a perdição.
Assim, se o problema de um simples cidadão ou de uma simples cidadã é problema de todos, então arregacemos as mangas para que o país não caia em desgraça. Está dada a largada, senão seremos todos corresponsáveis pelo descalabro pátrio. Ou seja, se eles, os de sempre, só sabem complicar, quem se mete na sociedade dele também se complica. E muito.
Assim sendo, na próxima vez que tu ouvires dizer que alguém está diante de um problema, acredite que este problema também é teu. Mas, principalmente, lembre-se partindo da história que vou contar sobre o rato e a ratoeira, sabendo que há sempre uma ratoeira em todas as casas construídas, e que tenha seus habitantes, e os ratos, à solta. Todas as nações neste microcosmo de país, correm o risco de naufragar-se.
Estamos à deriva.
Quem puder escolher o escape que o faça rápido.
Estamos em novos tempos. E, como sempre, nos Velhos rumos. Os já conhecidos. Os mesmos protagonistas. E os mesmos antagonistas.            
  1. 2. A compra da ratoeira
A madame que tem pavor a rato. E, sendo assim, aconselha no dia seguinte de manhã ao marido, para que providenciasse uma ratoeira.
O marido pensou em muitas alternativas, desde o gato até ao cão, destes dos mais bravos para dar cabo do rato; e assim, puder trazer a paz ao lar. Mas como insistia a Letícia era preciso que comprasse uma ratoeira, pois àquela também negara a hipótese de veneno.
A ratoeira fora comprada. Instantes depois um Rato saiu de um dos buracos que tinha aberto na parede de casa. Saiu em busca dos restos de comida que sempre caía pelo chão da casa.
Nas suas andanças viu a ratoeira armada. Aproximou-se sem medo e cumprimentou-a. Esta respondeu-lhe com a polidez e a esmerada educação. Em vez de ficar aterrorizada, o rato simplesmente entabulou um diálogo franco com a ratoeira.
Deu uns passos para trás pensando que a ratoeira ia persegui-lo. Mas nada disso aconteceu. A ratoeira permaneceu no mesmo lugar, imóvel. A pensar de si para si. Por que haveria de apanhar o pobre se, afinal das contas, era ali, nos restos de comida que o casal deixava no chão, que o rato garantia o seu sustento.
Disse ao rato. Corra pela casa, por onde quiseres, e apanha a tua comida para garantires o teu sustento. Aliás, como diz o vulgo, cada um por si, e Deus por todos.
E o rato ripostou:
– Há uma ratoeira na casa, uma ratoeira na casa! Mas uma ratoeira que pensa e age com muita sabedoria. Nunca vi uma ratoeira que falasse. Todas as que conheci prendiam-nos os ratos.
ratoeira disse-lhe:
– Desculpe-me Sr. Rato, eu entendo que isso tenha sido um grande problema para nós, nós as ratoeiras, mas decidimos, na última assembleia das ratoeiras, nunca mais prender os ratos. E é o que estou a cumprir.
– O quê? Uma ratoeira mansa? Estamos então no fim dos tempos.
Então, desde aquele dia, tanto o rato quanto a ratoeira selaram um pacto de nunca mais haver a agressão entre eles.
O rato, sem demora, voltou para o seu buraco pensativo, acabara de encarar a ratoeira – e como se isto não bastasse -, selou com ele um pacto de amizade que promete ser duradoiro.
Naquela noite não se ouviu um barulho sequer de rato, pois fora aconselhado pela ratoeira a não fazer barulho, e a aparecer sempre que os donos de casa não se encontravam ali, para que não volte a ser vítima da ratoeira, ou de qualquer outro meio que possa utilizar-se para o prender.
E saíram todos ilesos. E os demais membros da comunidade molestados.
Caro leitor d’O Democrata, até a próxima, que o cronista precisa dormir para tentar esquecer o desassossego pátrio.
 
Por: Jorge Otinta, ensaísta e escritor