Lisboa – Tudo aponta para que 2015 será um ano quente em Cabinda. A guerrilha pretende revitalizar a sua capacidade operativa e a sociedade civil está com uma nova dinâmica.
Em Dezembro vários ataques da Frente de Libertação do Enclave de Cabinda/Forças Armadas de Cabinda (FLEC/FAC) ocorram na região de Buco Zau, próxima da fronteira do enclave com a Republica Democrática do Congo.
O Chefe de Estado-maior da FLEC/FAC, Estanislau Miguel Boma, reconheceu que a guerrilha efectuou duas emboscadas a 17 e 20 de Dezembro de 2014 contra patrulhas das Forças Armadas de Angola (FAA).
Simultaneamente dois outros ataques foram reivindicados pela FLEC pelo Comandante «Sem Medo» e pelo Comandante «Sem Perdão», fiéis a Nzita Tiago, 88 anos, líder carismático da resistência cabindesa, exilado em França. Uma das operações terá acontecido a 12 de Dezembro e a segunda a 3 de Janeiro de 2015, ambas na região de Buco Zau.
As múltiplas reivindicações provocaram sentimentos de incredibilidade sobre as reais capacidades militares da FLEC, seja em termos de equipamento militar, seja em capacidade operativa, mas também devido ao cruzamento dos anúncios das operações.
Oficialmente Luanda não confirmou nem desmentiu a ocorrência de ataques em Cabinda. Uma posição clássica e antiga de Luanda que com o «silêncio» pretende sustentar que «não há nada para falar» porque «não há guerra em Cabinda». Uma postura arriscada e de complexa gestão caso a FLEC efectue uma operação de grandes proporções, tal como aconteceu em Janeiro de 2010 com o ataque que vitimou vários togoleses que participavam na Copa Africana das Nações (CAN).
Mas nos bastidores Luanda está seriamente preocupada com a questão de Cabinda e suas evoluções. Desde a Casa Militar da presidência ao Mirex (Ministério das Relações Exteriores de Angola), conselheiros «especiais», uns conhecedores da questão de Cabinda e outros ex-membros da FLEC, constroem a política angolana relativamente ao enclave. Pertencem a uma nova geração de «homens de influência» de Angola, formados no exterior do país, que por vezes são os co-autores das posições mais radicais e inflexíveis sobre o diálogo ou negociações com os nacionalistas ou resistentes cabindeses.
A visão redutora sobre a multiplicação das acções da FLEC em Cabinda assenta na premissa que a guerrilha cabindesa não tem capacidade para destabilizar o enclave porque está financeiramente falida e dividida.
As divisões na FLEC, que descredibilizam internacionalmente a guerrilha, não é todavia o seu «calcanhar de Aquiles» porque, se estruturalmente e politicamente a FLEC está dividida, esta divisão apenas afecta as lideranças mas não as bases. Para além de partilharem a mesma identidade, os guerrilheiros têm entre si múltiplos laços familiares e individualmente tanto defendem a liderança de Nzita Tiago como a chefia de Alexandre Tati.
Neste caso, os motivos das divisões assentam na contenda sobre se a guerrilha em Cabinda deve ou não ser chefiada a partir da Europa. Mas também está em causa a problemática sobre o reconhecimento geral de um líder do movimento, quando as regras são estabelecidas por normas tradicionais invioláveis.
No entanto as várias acções da FLEC demonstram que os debates sobre as chefias não põem em causa a sua operacionalidade. Assim como a real falência financeira da FLEC não afecta a sua capacidade combativa porque as emboscadas e outro tipo de operações têm também como objectivo recolher armamento e munições.
Simultaneamente com as acções militares das FLEC estão também em curso várias «ofensivas» da Sociedade Civil.
Destaca-se a iniciativa Belchior Lanzo Tati com a Frente Consensual Cabindesa (FCC) que conseguiu reunir várias personalidades associadas ao nacionalismo cabinda, órfãos das estruturas mais mediatizadas mas também elementos excluídos das FLEC ou desiludidos com os Acordos do Namibe assinados por António Bento Bembe no momento da rendição da FLEC Renovada.
Após uma reunião em Ponta Negra, República do Congo, no início de Janeiro de 2015, foi reafirmado que a FCC pretende criar um grupo alargado que permita a abertura de canais que viabilizem negociações directas com Luanda para a resolução da questão de Cabinda, em que se prevê a desmobilização da guerrilha, tal como já ficara patente nas conclusões da reunião de Março de 2014.
No entanto para a FCC será mais fácil abrir canais de comunicação com Luanda do que com a guerrilha. O facto de a FCC ser maioritariamente constituída por órfãos das FLEC tornou-a num repositório de animosidades que a distanciam fatalmente das FLEC. Um complexo problema que Belchior Lanzo Tati terá de ultrapassar conjuntamente com o «presidente» da FCC, Vicente Pitra Pena, oriundo da FLEC Original de Ranque Franque.
Na sua acção a FCC conseguiu atrair alguns guerrilheiros das FLEC que desmobilizaram voluntariamente porque sentiram que as suas chefias os tinham abandonado no momento da cisão na FLEC quando Alexandre Tati se separou da tutela da FLEC/FAC liderada por Nzita Tiago.
Mesmo assim a FCC está com uma forte dinâmica em Cabinda e particularmente na diáspora cabindesa onde multiplica os contactos, tornando-se consequentemente numa parte da «ofensiva» em curso.
Mais discreta, mas muito presente, está um número significativo de jovens cabindeses que se assumem como independentistas e multiplicam as acções de sensibilização nacionalista em todo o enclave. Estes jovens, que não estão sobre a alçada de um organismo legal, assumem que operam na «clandestinidade».
Esta juventude, quem tem adoptado múltiplas designações, acredita na «Primavera de Cabinda» assim como que a presença de Angola no enclave «não será eterna» e crêem que «o gigante angolano pode desmoronar» tal como aconteceu a vários ditadores e regimes ditatoriais em África.
Para além de militantes independentistas, tornaram-se também em observadores anónimos e invisíveis das violações dos direitos humanos em Cabinda mas também dos mecanismos da corrupção no enclave. No entanto, não pretendem permanecer numa postura passiva e pretendem avançar para uma postura activa e visível. Discretos mas muito activos e dinâmicos, estes jovens poderão dar algumas complexas dores de cabeça a Angola no decorrer de 2015 fazendo assim parte das ofensivas em curso.
Cada vez mais presente em Cabinda está a Igreja Católica das Américas com o carismático padre Jorge Casimiro Congo que, após ser excluído da Igreja Católica Apostólica Romana, decidiu continuar o seu prelado à margem da tutela de Roma. Apesar de ser uma corrente religiosa, os seus fiéis e catecistas defendem a particularidade identitária de Cabinda seja em termos culturais seja em termos religiosos.
Assumindo um distanciamento com a Igreja Católica Apostólica Romana e especialmente com a Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), a Igreja Católica das Américas reivindica uma independência espiritual intrínseca aos cabindas, que se torna numa etapa preambular para a independência política. A ofensiva «espiritual» da Igreja Católica das Américas tem preocupado seriamente o Ministério do Interior angolano que se vê incapaz para controlar a dinâmica de Jorge Casimiro Congo e dos seus catecistas.
Porém as ofensivas em curso em Cabinda não serão apenas espirituais ou pacíficas. A reorganização militar das FLEC viabilizou a multiplicação de comandos operativos autónomos que agem em todo o território.
Esta autonomia dos comandos permite-lhes efectuarem operações segundo a realidade do terreno onde estão presentes, mas também permite aos chefes de cada comando decidir autonomamente, e sem conhecimento superior, sobre uma acção segundo a sua visão estratégica e interpretação individual da oportunidade táctica.
Assim, a probabilidade de empresas implantadas em Cabinda serem alvos da guerrilha é uma hipótese encarada como muita seriedade, tal como ressurgirem acções de raptos em moldes diferentes daqueles que marcaram a década de 90.
Para alguns chefes de comando da guerrilha, o colapso financeiro da FLEC começou quando as empresas presentes em Cabinda deixaram de pagar o «imposto revolucionário» à guerrilha, acreditando que Angola controlava militarmente todo o território.
Por outro lado, chefes da guerrilha defendem também que os cessar-fogos unilaterais da FLEC não tiveram qualquer resultado prático, mas contribuíram para o esquecimento sobre Cabinda pela Comunidade Internacional que interpretou a inexistência de combates no enclave como uma vitória militar angolana e não como um resultado do cessar-fogo unilateral.
Múltiplos indícios apontam que 2015 pode ser um ano «quente» em Cabinda. Apesar das múltiplas «ofensivas» em curso não estarem coordenadas ou articuladas entre si, estão a decorrer em simultâneo.
Por outro lado, a multiplicação das acções da FLEC e um clima de revolta na população desenvolve um efeito de contágio que poderá ter repercussões na activação de grupos que até agora permaneceram silenciosos ou discretos.
Rui Neumann
O Chefe de Estado-maior da FLEC/FAC, Estanislau Miguel Boma, reconheceu que a guerrilha efectuou duas emboscadas a 17 e 20 de Dezembro de 2014 contra patrulhas das Forças Armadas de Angola (FAA).
Simultaneamente dois outros ataques foram reivindicados pela FLEC pelo Comandante «Sem Medo» e pelo Comandante «Sem Perdão», fiéis a Nzita Tiago, 88 anos, líder carismático da resistência cabindesa, exilado em França. Uma das operações terá acontecido a 12 de Dezembro e a segunda a 3 de Janeiro de 2015, ambas na região de Buco Zau.
As múltiplas reivindicações provocaram sentimentos de incredibilidade sobre as reais capacidades militares da FLEC, seja em termos de equipamento militar, seja em capacidade operativa, mas também devido ao cruzamento dos anúncios das operações.
Oficialmente Luanda não confirmou nem desmentiu a ocorrência de ataques em Cabinda. Uma posição clássica e antiga de Luanda que com o «silêncio» pretende sustentar que «não há nada para falar» porque «não há guerra em Cabinda». Uma postura arriscada e de complexa gestão caso a FLEC efectue uma operação de grandes proporções, tal como aconteceu em Janeiro de 2010 com o ataque que vitimou vários togoleses que participavam na Copa Africana das Nações (CAN).
Mas nos bastidores Luanda está seriamente preocupada com a questão de Cabinda e suas evoluções. Desde a Casa Militar da presidência ao Mirex (Ministério das Relações Exteriores de Angola), conselheiros «especiais», uns conhecedores da questão de Cabinda e outros ex-membros da FLEC, constroem a política angolana relativamente ao enclave. Pertencem a uma nova geração de «homens de influência» de Angola, formados no exterior do país, que por vezes são os co-autores das posições mais radicais e inflexíveis sobre o diálogo ou negociações com os nacionalistas ou resistentes cabindeses.
A visão redutora sobre a multiplicação das acções da FLEC em Cabinda assenta na premissa que a guerrilha cabindesa não tem capacidade para destabilizar o enclave porque está financeiramente falida e dividida.
As divisões na FLEC, que descredibilizam internacionalmente a guerrilha, não é todavia o seu «calcanhar de Aquiles» porque, se estruturalmente e politicamente a FLEC está dividida, esta divisão apenas afecta as lideranças mas não as bases. Para além de partilharem a mesma identidade, os guerrilheiros têm entre si múltiplos laços familiares e individualmente tanto defendem a liderança de Nzita Tiago como a chefia de Alexandre Tati.
Neste caso, os motivos das divisões assentam na contenda sobre se a guerrilha em Cabinda deve ou não ser chefiada a partir da Europa. Mas também está em causa a problemática sobre o reconhecimento geral de um líder do movimento, quando as regras são estabelecidas por normas tradicionais invioláveis.
No entanto as várias acções da FLEC demonstram que os debates sobre as chefias não põem em causa a sua operacionalidade. Assim como a real falência financeira da FLEC não afecta a sua capacidade combativa porque as emboscadas e outro tipo de operações têm também como objectivo recolher armamento e munições.
Simultaneamente com as acções militares das FLEC estão também em curso várias «ofensivas» da Sociedade Civil.
Destaca-se a iniciativa Belchior Lanzo Tati com a Frente Consensual Cabindesa (FCC) que conseguiu reunir várias personalidades associadas ao nacionalismo cabinda, órfãos das estruturas mais mediatizadas mas também elementos excluídos das FLEC ou desiludidos com os Acordos do Namibe assinados por António Bento Bembe no momento da rendição da FLEC Renovada.
Após uma reunião em Ponta Negra, República do Congo, no início de Janeiro de 2015, foi reafirmado que a FCC pretende criar um grupo alargado que permita a abertura de canais que viabilizem negociações directas com Luanda para a resolução da questão de Cabinda, em que se prevê a desmobilização da guerrilha, tal como já ficara patente nas conclusões da reunião de Março de 2014.
No entanto para a FCC será mais fácil abrir canais de comunicação com Luanda do que com a guerrilha. O facto de a FCC ser maioritariamente constituída por órfãos das FLEC tornou-a num repositório de animosidades que a distanciam fatalmente das FLEC. Um complexo problema que Belchior Lanzo Tati terá de ultrapassar conjuntamente com o «presidente» da FCC, Vicente Pitra Pena, oriundo da FLEC Original de Ranque Franque.
Na sua acção a FCC conseguiu atrair alguns guerrilheiros das FLEC que desmobilizaram voluntariamente porque sentiram que as suas chefias os tinham abandonado no momento da cisão na FLEC quando Alexandre Tati se separou da tutela da FLEC/FAC liderada por Nzita Tiago.
Mesmo assim a FCC está com uma forte dinâmica em Cabinda e particularmente na diáspora cabindesa onde multiplica os contactos, tornando-se consequentemente numa parte da «ofensiva» em curso.
Mais discreta, mas muito presente, está um número significativo de jovens cabindeses que se assumem como independentistas e multiplicam as acções de sensibilização nacionalista em todo o enclave. Estes jovens, que não estão sobre a alçada de um organismo legal, assumem que operam na «clandestinidade».
Esta juventude, quem tem adoptado múltiplas designações, acredita na «Primavera de Cabinda» assim como que a presença de Angola no enclave «não será eterna» e crêem que «o gigante angolano pode desmoronar» tal como aconteceu a vários ditadores e regimes ditatoriais em África.
Para além de militantes independentistas, tornaram-se também em observadores anónimos e invisíveis das violações dos direitos humanos em Cabinda mas também dos mecanismos da corrupção no enclave. No entanto, não pretendem permanecer numa postura passiva e pretendem avançar para uma postura activa e visível. Discretos mas muito activos e dinâmicos, estes jovens poderão dar algumas complexas dores de cabeça a Angola no decorrer de 2015 fazendo assim parte das ofensivas em curso.
Cada vez mais presente em Cabinda está a Igreja Católica das Américas com o carismático padre Jorge Casimiro Congo que, após ser excluído da Igreja Católica Apostólica Romana, decidiu continuar o seu prelado à margem da tutela de Roma. Apesar de ser uma corrente religiosa, os seus fiéis e catecistas defendem a particularidade identitária de Cabinda seja em termos culturais seja em termos religiosos.
Assumindo um distanciamento com a Igreja Católica Apostólica Romana e especialmente com a Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), a Igreja Católica das Américas reivindica uma independência espiritual intrínseca aos cabindas, que se torna numa etapa preambular para a independência política. A ofensiva «espiritual» da Igreja Católica das Américas tem preocupado seriamente o Ministério do Interior angolano que se vê incapaz para controlar a dinâmica de Jorge Casimiro Congo e dos seus catecistas.
Porém as ofensivas em curso em Cabinda não serão apenas espirituais ou pacíficas. A reorganização militar das FLEC viabilizou a multiplicação de comandos operativos autónomos que agem em todo o território.
Esta autonomia dos comandos permite-lhes efectuarem operações segundo a realidade do terreno onde estão presentes, mas também permite aos chefes de cada comando decidir autonomamente, e sem conhecimento superior, sobre uma acção segundo a sua visão estratégica e interpretação individual da oportunidade táctica.
Assim, a probabilidade de empresas implantadas em Cabinda serem alvos da guerrilha é uma hipótese encarada como muita seriedade, tal como ressurgirem acções de raptos em moldes diferentes daqueles que marcaram a década de 90.
Para alguns chefes de comando da guerrilha, o colapso financeiro da FLEC começou quando as empresas presentes em Cabinda deixaram de pagar o «imposto revolucionário» à guerrilha, acreditando que Angola controlava militarmente todo o território.
Por outro lado, chefes da guerrilha defendem também que os cessar-fogos unilaterais da FLEC não tiveram qualquer resultado prático, mas contribuíram para o esquecimento sobre Cabinda pela Comunidade Internacional que interpretou a inexistência de combates no enclave como uma vitória militar angolana e não como um resultado do cessar-fogo unilateral.
Múltiplos indícios apontam que 2015 pode ser um ano «quente» em Cabinda. Apesar das múltiplas «ofensivas» em curso não estarem coordenadas ou articuladas entre si, estão a decorrer em simultâneo.
Por outro lado, a multiplicação das acções da FLEC e um clima de revolta na população desenvolve um efeito de contágio que poderá ter repercussões na activação de grupos que até agora permaneceram silenciosos ou discretos.
Rui Neumann
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