sábado, 3 de setembro de 2016

Reportagem: CIDADE DE BAFATÁ – RETRATO DE UM PAÍS QUE PRECISA RENASCER

bafata 1
A cidade histórica de Bafatá, “Berço” das nacionalidades guineense e cabo-verdiana, é o reflexo real da situação caótica que a Guiné-Bissau vive ao longo dos seus mais de 40 (quarenta) anos de independência sob o jugo colonial português.

Terra de Amílcar Lopes Cabral com vias cortadas pelas águas estagnadas da chuva enfrenta diversas dificuldades: a insuficiência de energia eléctrica, de água potável, das camas e pessoal no centro de saúde regional, falta de agentes de segurança, falta de um mercado adequado para venda de produtos alimentares e uma ausência total de centros de formação para jovens e falta de acesso à justiça.

O centro da cidade de Bafatá, a segunda capital da Guiné-Bissau e que viu nascer o Pai da nossa identidade e da nossa afirmação como uma Nação livre, independente e democrática, está às “moscas”. A Praça de Bafatá que outrora era considerada uma das zonas «chique», lendária «praça da rocha» atualmente está totalmente degradada com edifícios (antigas lojas comerciais) abandonada. O centro da cidade encontra-se quase no isolamento total, e os edifícios à mercê de aves e animais.
As ruas do centro da cidade transformam-se num deserto total mesmo nas horas normais de trabalho. A maioria das instituições públicas passou a funcionar nos aglomerados bairros periféricos, deixando assim o centro da cidade.
A ineficácia das autoridades  regionais em fazer vincar a autoridade de Estado é bem visível para qualquer visitante. As autoridades regionais permitiram que os comerciantes abandonassem o mercado com melhores condições de funcionamento para irem agrupar-se num mercado improvisado que se encontra na avenida principal da cidade (no troço que liga a cidade de Bafatá à Gabú).
A casa onde nasceu o engenheiro da liberdade dos povos guineense e cabo-verdiano também não escapou ao fenómeno de isolamento que abala a antiga Praça.
Com um visual atraente do braço do Rio Geba com as suas mansas águas, mesmo ali ao lado da Praça, ladeada de um jardim construído na era colonial e que servia de espaço de laser para as crianças (ainda resistiu até ao período pós-colonial), encontra-se agora em estado de “extinção”, mas com alguns vestígios da época de Malam Santy.
A nossa reportagem percorreu a cidade velha e parou a frente da estátua de Amílcar Cabral para registar algumas fotos, assim como na marginal do rio Geba.
praça de Bafatá (Estatueta de Amílcar Cabral)
A maior surpresa do nosso passeio de trabalho foi ver o estado avançado de degradação da rua que dá acesso à casa humilde onde nasceu o nosso herói Amílcar Lopes Cabral. A via está quase intransitável mesmo para quem vai a pé. Muito menos para quem vai de motorizada ou carro. Imagina que fora alí que Cabral fez seus primeiros anos de vida, dá a impressão do desprezo das autoridades nacionais pelo património histórico mundial e da nossa “Memória Coletiva”.
O grande espanto da nossa equipa de reportagem, foi quando teve acesso ao interior da casa dos pais de Amílcar Cabral [Casa restaurada em 2011 com apoio financeiro da UNESCO e transformada num museu], atualmente denominado “Casa de Cabral”, que é agora uma vergonha nacional para todos os guineenses. Aquela casa histórica de menos de seis quartos está num estado de degradação muito avançado, com tetos e paredes marcados pelas águas da chuva devido às aberturas e furos das chapas de zinco com o qual foi feito o telhado.
O quarto dos pais de Amílcar Lopes Cabral ficou sem teto e chove como se não tivesse nenhuma cobertura. Tem duas camas instaladas e duas lanternas antigas que o iluminavam. Não tem nada a ver com as plantas de construções modernas.
Na sala de visitas vê-se o sinal de chuva que danificou o teto do salão. Nele estão penduradas diferentes imagens que testemunham o percurso do saudoso líder dos guineenses e cabo-verdianos. Também tem lindas lanternas. Ao lado é o quarto de Cabral e filho de um amigo do pai, Juvenal Cabral, cujo nome não nos foi revelado, segundo relatos do guia que cuida do museu.
Bafatá é a cidade com o maior número das pessoas infectadas com o vírus da sida e a subir cada vez mais, constituindo uma preocupação enorme para os profissionais da saúde pública local, que não escondem as suas inquietações por alguns seropositivos recusarem prosseguir com os tratamentos, alegando que se sentem mal quando tomam os antirretrovirais.
O consumo da droga do tipo liamba constitui uma dor da cabeça para os agentes da polícia daquele setor. Pelo menos foi o que contaram à nossa reportagem. O objetivo das autoridades agora é identificar os fornecedores do estupefaciente que só causará danos à sociedade guineense.
COMERCIANTES ABANDONAM O MERCADO DE PRAÇA EM DETRIMENTO DOS “BECOS”
Relativamente ao mercado central que se encontra na Praça de Bafatá, foi abandonado há anos, tendo os negociantes optaram por mercados ou feiras improvisados nos bairros, para a venda de produtos da primeira necessidade. O velho mercado, porém, oferece melhores condições higiénicas e sanitárias para a comercialização de produtos para consumo humano.
A nossa reportagem andou pelos diferentes cantos daquele antigo mercado bem pavimentado, com talho e boutiques apropriados para venda de carne bovina. Na verdade é uma feira bem organizada onde cada produto e cada atividade comercial tem seu espaço, desde a peixaria, zona de legumes, área para costureiros e demais atividades.
No exterior vê-se inúmeras boutiques abandonados pelos comerciantes, que preferiram montar os seus negócios no atual centro de Bafatá, com boutiques plantados na berma da estrada principal que liga Bissau à segunda capital guineense, ou seja, o negócio na terra de Cabral está centrado na via principal e nos cantos dos bairros.
O exemplo da desorganização que se regista em Bafatá no que tange aos mercados inventados é o caso da chamada feira de “Quirintim”, ou seja, a feira do “Bairro 4”, que está muito colada à estrada que liga aquela cidade à região d e Gabú, constituindo um perigo enorme para os utentes e clientes daquele que é atualmente o maior centro de comercialização de diferentes produtos. No seu interior são visíveis as condições precárias das instalações elétricas, o que constitui uma ameaça aos utentes, sobretudo nesta época das chuvas.
Voltando a feira da Praça da Rocha, conta-se pelos dedos o número de vendedeiras, costureiros e de comerciantes que montaram seus negócios na zona baixa de Bafatá. Administração local tentou, sem sucesso, incentivar as pessoas a mudarem-se para a feira da praça, mas até a realização desta reportagem apenas alguns lojistas e mulheres vendedeiras resistem.
“Estamos aqui, as outras vendedeiras não aceitaram vir vender aqui nesta feira limpa e decidiram ficar num lugar sem higiene. Podem fotografar-nos”, são as palavras que a equipa de reportagem do jornal “O Democrata” ouviu das bocas das poucas vendedeiras que ainda vendem os seus produtos no mercado da Praça. Mas também elas montaram as suas mesas no exterior e não no interior do mercado como devia acontecer.
No interior, encontramos um jovem que acabara de terminar a sua venda de carde, no talho. Numa pequena conversa e sem hesitar, começou logo por dizer-nos: “vejam como o local está muito bom para a venda de carne e outros produtos alimentares, sobretudo quando chove, nem damos conta de lamas aqui dentro como acontece com resto de mercados improvisados”.
Na zona disponibilizada para costureiros, encontramos apenas dois velhos a coserem as roupas, mas a nossa reportagem não quis desconcentrá-los. Apenas cumprimentou-os, seguindo com a visita para se inteirar da situação daquele mercado construído na era colonial, mas que oferece a melhores condições de funcionamento que o resto das feiras existentes em Bafatá.
A venda de comida é quase nula. No local encontrava-se uma única pessoa a vender arroz cozido, numa pequena conversa com os repórteres de O Democrata, disse que o negócio corria normal.
Algumas instituições estatais funcionam na Praça de Bafatá, designadamente o Tribunal Regional, que fica situado frente à rotunda onde foi instalada a estátua de Amílcar Cabral. Ao lado vê-se o mercado e, do outro o jardim de que se falou há pouco.
A baixa de Bafatá tem mais de uma centena de casas de arquiteturas antigas, da época colonial, entre residências e instituições do trabalho na sua maioria abandonadas, alguns em estado avançado de degradação. Em algumas casas instalaram-se o Comando Provincial da Polícia da Ordem Pública de Leste, a sede da Comissão Regional das Eleições, os Serviços da Identificação Civil, a Delegacia Regional da Educação, a Delegacia Regional do Comércio, a Delegacia da Economia e Finanças, a Delegacia da Providencia Social, o Centro de Acesso à Justiça e algumas organizações não-governamentais.
A Sé católica também é visível. Para quem desce, ao lado vê-se a zona verde e húmida de “Bomma”, na qual fica situado o Centro Prisional.
Frente à margem do Rio Geba encontra-se a piscina do Sporting Clube de Bafatá, mas atualmente abandonada pelos dirigentes daquele clube lestenho, cuja sede se encontra a frente do Comando Provincial da POP.
O refeitório onde os jogadores tomavam refeições está totalmente descoberto e com erva no seu interior. Já no quintal do edifício está o campo de basquet que necessita de uma intervenção com vista a sua manutenção.
A estrada que liga o centro de Bafatá a zona baixa está degradada, precisando da intervenção do Estado para a sua melhoria e facilitar o trânsito dos veículos e peões. Algumas ruas no coração da Praça de Bafatá estão cobertas de pedra lascadas instaladas desde a época colonial (a famosa calçada portuguesa).
Algumas casas da baixa estão a pedir as novas pinturas e novos telhados, assim como a via do centro a praça que precisa há muito de um novo piso em alcatrão, apesar de uma pequena reabilitação que sofreu, num trabalho executado pela empresa ARESKI no ano 2014.
De acordo com outras explicações, o motivo que deixou vulnerável a Praça da Rocha, tem a ver com uma ponte que dava acesso a referida área e que ligava a cidade à Bissau e outros pontos do país. A ponte danificou-se nos anos 80 e posteriormente foi construída uma nova, o que mudou radicalmente a rota de entrada para Bafatá. Agora a via é do outro lado do braço do rio Geba, zona da Cerâmica. Ainda hoje são visíveis os vestígios da ponte. A nossa reportagem fez questão de fotografá-los.
“NASCERAM” RIOS NAS RUAS DE BAFATÁ
Voltando às vias, o acesso ao interior dos bairros da cidade de Bafatá está totalmente inacessível devido à água estagnada que transforma num terreno fértil ou numa fonte para a reprodução dos mosquitos que causam a malária à população local.
O bairro da “Pista”, por exemplo, para quem conhece a cidade, é um bairro recém-criado nos finais dos anos noventa e princípios do ano 2000. Tem ruas de acesso cheias de água que nem permitem que os pedestres façam ideia de onde colocar seus pés, os pneus dos carros, das motorizadas ou das bicicletas. Anda-se à sorte.
Os moradores da zona não deixaram de lamentar a situação em que se encontram as vias de acesso ao referido bairro. À noite torna-se ainda mais complicado andar por aí, por falta de iluminação nas áreas afetadas.
A residência dos repórteres do nosso jornal, no bairro da “Pista”, tem na sua frente e ao lado duas lagoas enormes provocadas pela chuva intensa que se fez sentir nos últimos dias na cidade.
A Cidade de Bafatá está a crescer a cada dia que passa e estão a nascer muitos prédios, sobretudo do lado do bairro da “Pista” e na avenida principal. Mas as ruas que ligam a estrada principal ao interior dos bairros estão cortadas pelas águas da chuva, como testemunham algumas imagens que tiramos.
Claro que é a nossa segunda capital, mas Bafatá espelha o país real, onde tudo é prioridade, tudo está por se fazer e construir. O exemplo da quase inundação que os bafatenses vivem e provavelmente viverão ao longo da época chuvosa é a residência do Secretário Executivo da Plataforma das ONG’s que atuam na região de Bafatá, Bubacar Djaló, que tem uma espécie de mar aberto à frente da sua casa. A nossa equipa teve a oportunidade de visitar o local, a convite de um citadino que reclama melhores condições nas ruas da terra de Cabral.
“Em alguns casos nem podemos entrar com as nossas motorizadas, porque se tentássemos, ficariam no fundo e ficariam danificadas. Quase todos os bairros de Bafatá estão nessa mesma situação”, lamentou.
A paragem central dos transportes coletivos de passageiros de Bafatá para os diferentes pontos do país, que se situa também no bairro da “Pista”, é um dos locais com tais buracos.
A via que liga o Liceu Regional Hoje Ya Yenda de Bafatá à Escola Evangélica Batista no bairro da “Pista” não é exceção das zonas inundadas pela água da chuva, facto que transformou o passeio para peões na zona de trânsito de motorizadas e bicicletas.
Os bairros Três (3) e Quatro (4) não são exceções. Uma passagem da nossa reportagem pelo bairro Três, vimos uma via que se encontra num estado que qualquer cidadão lamentaria. Quando chegámos vimos de longe um grupo de mulheres e crianças que nos questionou com ironia – “aonde vão levar a nossa água?”, sorriram e nós também. De seguida, uma delas perguntou-nos quem éramos. Identificamo-nos como jornalistas logo ouvimos novas queixas “os nossos políticos só lembram-se de nós no momento das eleições, mas não se interessam de nós”.
DEZASSEIS BAIRROS DE BAFATÁ SEM ÁGUA POTÁVEL
Falando da água potável, dos vinte e três (23) bairros que compõem a segunda capital guineense, apenas sete (7) possuem torneiras que fornecem água potável.
Os moradores dos bairros que não têm as torneiras instaladas são obrigados a deslocarem-se até ao bairro mais próximo para conseguir água potável fornecida pela organização não-governamental nacional Associação de Saneamento Básico e Proteção de Água e Ambiente (ASPAAB), sediada em Bafatá.
Numa das nossas caminhadas pela cidade, ouvimos com frequência lamentos sobre a falta de fontanários em alguns bairros. Segundo relatos, algumas pessoas recorrem aos ‘burros’, animal que serve de transporte para os citadinos de Bafatá, para fazer o transporte de vasilhames de águas para as suas casas.
A meta da ASPAAB é atingir uma cobertura de toda a cidade de Bafatá até 2028. Atualmente, os responsáveis daquela organização consideram que a distribuição de água é razoável e com um preço de seiscentos (600) francos CFA [mais ou menos um dólar americano] por metro cubico, ou seja, mil litros de água, mesmo assim os consumidores exigem a baixa do preço.
ASPAAB analisa a preocupação dos clientes, mas aponta como motivos do preço, o custo dos equipamentos para o fornecimento de água que são caros. Por exemplo, os tubos utilizados para o transporte de água as residências custam mil francos por metro e os cavadores cobram mil francos por cada metro de profundidade, fato que jogou contra alguns bairros longínquos, dado que o projeto funciona com recursos próprios que não chegam para satisfazer as grandes demandas. Na próxima fase pretendem contar com apoios para alargar e levar o seu nível de atuação em Bafatá.
Bafatá tem algo de melhor, ASPAAB serve atualmente de referência para outros projetos similares em diferentes regiões do país, sendo que os seus técnicos deslocam-se às regiões para passarem as suas experiências aos comitês de base das outras zonas, com vista a poderem exercer melhor a tarefa de fornecimento de água potável à população guineense.
DOIS MEGA WATTS ILUMINA BAFATÁ 24 HORAS POR DIA
A cidade de Bafatá regista uma das taxas mais altas do país, no que refere ao pagamento da energia elétrica. Os citadinos pagam no mínimo 25 mil francos CFA para ter acesso a iluminação eléctrica em casa mensalmente, independentemente dos equipamentos que detêm.
Os responsáveis da energia na segunda capital guineense, que funciona em regime de auto gestão, justificam o preço praticado pelo elevado custo de combustível e pagamento do pessoal daquela estrutura energética regional que está com cem (100) meses de salários em atraso, devidos aos mais de setenta funcionários.
Atualmente, a cidade de Bafatá funciona com um grupo de gerador de 450 kwa’s, enquanto que a potência necessária é de dois (2) mega watts para fornecer luz elétrica durante 24 horas aos bafatenses.
Para colmatar a tal défice em energia elétrica, entraram em ação vários fornecedores privados, alguns a convite das estruturas do Ministério da Energia instaladas na província.
Bafatá tem problemas de rede elétrica, do motor do grupo do grupo gerador e de pessoal daquela estrutura. Atualmente dezoito (18) deles estão inativos, devido a doenças que, mas são pagas pela estrutura que funciona em regime de autogestão. Até os funcionários sem vínculos com o Estado beneficiam de energia elétrica grátis nas suas casas.
A nossa reportagem soube que a província leste precisa de quatro (4) megas para solucionar a situação energética nas regiões de Bafatá e Gabú.
Bafatá não escapou do roubo de cabos elétricos que ocorreu um pouco por todo o território nacional.
FALTA DE INFORMAÇÃO AFASTA A JUSTIÇA DOS BAFATENSES
A falta de informação impede aos bafatenses o acesso à justiça, mesmo com um Centro de Acesso a Justiça (CAJ) instalada na região. O centro presta assistência às pessoas com processos judiciais, também ajuda os cidadãos a compreender como lidar com os diferentes tipos de problemas, assim como dirime os conflitos entre os populares da zona.
O outro fator, segundo os técnicos do CAJ, tem a ver com os custos que a justiça tem para as pessoas que às vezes, devido às suas precárias condições econômicas, não conseguem pagar os honorários de um advogado para defende-las, mas a CAJ vem minimizando este último aspecto, disponibilizando advogados para acompanhar as pessoas que procuram aquele centro de assistência jurídica.
Por: Sene Camará/Alcene Sidibé