sábado, 5 de novembro de 2016

Crônica: O PACTO COM DEUS E DIABO NA TERRA DO SOL

otinta-age
Acordei no sábado passado com sérias dores na coluna. Dor essa que me fustiga há anos. Foram várias sessões de fisioterapia, além de outras em exercícios de relaxamento. No entanto, esta moléstia ainda me importuna. Não sei se por LER – Lesão por Esforço Repetitivo – ou se por algum desvio de vertebra, ou mesmo dalguma violência sofrida quando criança nas lutas e brigas de adolescente.

Apesar de tudo isso, acometeu-me uma certa náusea. Náusea não de algum mal-estar de corpo, ou até mesmo psicológico. Nada disso. Era a náusea de ter pensado o quão a ignorância tomou conta desta pátria. E quão os ignorantes se exibem como se fossem verdadeiros donos deste chão.

Assim, realizando a viagem pelos meandros da memória algumas faíscas de ideias brotaram da minha cabeça. Assim sendo, lembrei-me da história de dois amigos. Eles eram inseparáveis, embora desconhecidos, em termos de convivência social, e até mesmo de nível acadêmico. Mas, por ironia do destino, acabaram por partilhar a mesma comida que lhes fora servida na cabaça grande da grande família do nosso solo pátrio. 
Caracterizando-os, diria apenas, e em síntese, que um era falacioso, teimoso, porém supercompetente. Provou-o na guerra fratricida em que todos nós, sem que o queiramos, metemo-nos, e como num triste corolário, ficamos molestados física e espiritualmente. Um outro, senhor de si, era um rei babaca. Um autêntico panaca, carrancudo, enfim, um carrasco fingido. 
Pensei cá com os meus botões. A quem interessa este descalabro Sinceramente isso dá enjoo no estomago.
Aprendi nos livros de Filosofia que, para se governar, era preciso que qualquer governo fosse dado a filósofos. Não exatamente a quem è versado em Filosofia, mas sim, e isso sim, quem tem competência e sabedoria.
Só que o espetáculo de horrores que estamos a assistir, deixa-me deveras preocupado.
  1. Deus
Quisera um dos amigos fintar a Deus acreditando que lograria executar a sua desastrada empreitada de promover medíocre e perseguir os doutos. Podia ser o que quisesse imbecil, astuto, esperto. Mas enganar o Grande Arquiteto do Universo – DEUS -, seria uma tarefa hercúlea. E das mais difíceis.
Um dia destes quisera ele brincar-se de Deus, e esqueceu-se de combinar com Ele. Armou mil astúcias deliberadamente. Fingia que ninguém dava conta. E sentia-se feliz por isso.
Como diziam-me quando criança os meus pais:
 Filho quando cresceres livra-te do amigo mentiroso ou ladrão por que ambos carregam em si as sementes da discórdia, e consequentemente, a da morte.
Passados anos, e ainda hoje, nas relações que vou encetando por este mundo afora, percebo o quão profundo, e tão simplesmente verdadeiro era este conselho. Mais dia e menos dia está-se a viver forçosamente esta verdade.
E é bom que se o diga. Isto vai dar numa grande salada de merda.
Prevendo a catástrofe, pus-me, cá a pensar com meus botões, e ajoelhei-me e fiz a seguinte prece:
Deus não permita que meus filhos vivam uma situação dessas quando crescerem
Não deixe, ó Pai, que a ganância
E a arrogância no vazio
Traga sentimentos de compadrio
A esta pátria
Que desejamos que não seja padrasto
Que não seja também madrasta
Tanto dos meus filhos quanto doutros guineenses
Que, com penar, estão a sofrer este pesar
E que apesar de tudo
O nosso misericordioso pai
Nos acuda nesta hora de muito flagelo.
Pois não há gelo
Que esfrie tanto sofrimento.
Se por matinomia
Afaste de nós, Pai, este cálice
Que não nos entregue a situação do cale-se.
Amem! 
  1. O Diabo
O astuto diabo estava no seu escritório a organizar a lista de seus devedores. Aliás, de seus seguidores, quando, de repente, ouve alguém a bater-lhe a porta. Não se irritou, avançou em direção a ela, e deu-se de cara com ninguém menos que Deus. Humildemente cumprimentou-o, e pediu-lhe que entrasse. Este entrou imponente. Mas o satanás desconfiou que aquela visita só lhe traria problemas. Fora Ele lá ia exigir que interrompesse algum plano seu. E, apressando, em se justificar disse-o:
– Cá estou eu calado, não corro atrás de ninguém mas quem procura pelos meus préstimos, atendê-lo-ei; disse o diabo quando instado por Deus sobre a má influência que está a exercer sobre a terra do sol estafante.
– Já te disse que não deves continuar a desvirtuar as consciências fracas – disse-lhe Deus.
– Desculpe-me, mas não forço ninguém a nada, nunca induzi alguém ao erro – defende-se o satanás.
– Induzes sim, dando-lhes a convicção de que estão certas quando assumem posturas erradas – ripostou o grande arquiteto do universo.
– Não penso com a cabeça de ninguém, não corro atrás de pessoas, ajudo-as naquilo que me pedem. Ora, se não forem capazes de materializar os objetivos a que se propõem, ou a cumprir com o que prometem a outras pessoas, isto é não meu problema – defende-se o satanás.
– Tu manipulas as suas consciências, e é exatamente isso que afeta suas capacidades de reflexão, o que impede que tenham clareza nas suas ações – aponta Deus o dedo acusador ao diabo.
– Acusa-me de tudo, meu senhor, de estar a destruir a humanidade, de estar a ludibriar as pessoas, mas isso não é verdade. Pois são elas que mentem para si, enganando-lhe, e fingindo que o amam. Chamam-lhe de misericordioso, e o senhor acredita nas suas mentiras. Logo, além de o enganarem a todo o santo dia, ainda enganam a seus irmãos, ora mentindo a eles, ora assassinando-as. E o senhor portanto quem tolera a falsidade dos homens, confiando nas suas hipocrisias. Eu simplesmente cobro alto preço a quem tenta enganar-me – rebateu filosoficamente o Belzebu.
– Ora essa, tu a acusar-me? Só faltava essa. Es tu que os desvirtuas do bom caminho – retorquiu Deus acusando peremptoriamente o satanás.
– Se fossem realmente bons como o diz não escolhiam caminhos sinuosos, e nem estariam em declínio como se estivessem num plano inclinado, em cuja saída está a apontar-se para um beco com a saída para o abismo. Agora, se me permite, preciso sair para cobrar algumas dívidas que seus filhos idiotas tem comigo. A si podem dever, o bondoso Pai, mas a mim não.
Dito isto o Diabo saiu e fechou a porta do escritório, deixando Deus perplexo.
E as intermitências da morte apenas para celebrar Saramago.
  1. O paradoxo dos homens…
Rodeados de analfamerdas não podiam ter alcançados resultados satisfatórios. De um lado, um pseudo-intelectual, de outro, um carrancudo invejoso.
Com esse time estava claro que a guerra estava perdida. Ninguém vislumbrava no horizonte quaisquer perspectivas – por mínimas que fossem – de desenvolvimento.
A cada um à sua próprio barriga.
Dizem as más línguas que chegaram a sentirem ciúmes um do outro sobre quem roubava mais que o outro do nosso erário público.
Afinal das contas estavam na disputa das Olimpíadas da gatunagem. E conseguiram, para a infelicidade geral, conquistar medalhas de ouro. Bilhões de francos CFAS para as contas de seus herdeiros.
Mas como diz o vulgo aqui se faz aqui se paga. Cuidem-se.
  1. E a manobra dos pseudo-desentendidos
O sol batia-me no rosto.
O céu de Bissau estava impossível, muito sol, muita poeira do deserto do Saara. Dava sinais de escuridão e parecia que ia chover. Mas ela não caia. Tudo parecia ermo, não obstante a intensidade do calor. Um calor que desafiava a própria natureza com seus raios que a também ela castigava como castigava aos seres humanos.
O asfalto da cidade brilhava de azul parecia que o petróleo estava a sair de dentro do chão.
  1. A chuva amiga
São precisamente 23:50. Cai a chuva, mas com um a intensidade indescritível. Veio provavelmente para fazer a transição entre o Dia de Todos os Santos com o Dia dos Fieis Defuntos. Os finados.
Estou na sala só, sem companhia nenhuma, apenas a redigir este texto. Não pus música nenhuma. Estou a produzir – oficio de intelectual. E, apanho algumas bacias e alguns baldes ponho-os a chuva para apanhar água. Que amanhã devo sair cedo em viagem algures.
Mesmo assim, eu, ainda que solitário no meio da multidão, como sempre, teimo em viver a vida que só tem nome, e não tem sobrenome.
E eles, sempre eles, a nos manobrarem. Ficamos reféns de interesses escusos. Mas o mais doloroso e ter de aguentar a ouvir a música estridente deste FestivalInternacional de Incompetência.
Um dia monta-se o palco aqui, noutro montam-no acolá; entretanto, nunca se conseguiu, até agora, realizar um grande concerto digno desse nome.
Dizem os brasileiros que quem sabe, sabe; quem não sabe, sacode.
Cruz, credo!
Caro leitor d’O Democrata, até a próxima, que o cronista precisa dormir para tentar esquecer o desassossego pátrio.
Por: Jorge Otinta, poeta, ensaíste e crítico literário guineense