sábado, 12 de novembro de 2016

MATERNIDADE DE BISSAU RECEBEU BLOCO OPERATÓRIO NOVO HÁ DOIS ANOS, MAS CONTINUA FECHADO

Bissau, 12 nov (Lusa) - Duas salas de operações para cesarianas com material novo estão fechadas há dois anos na principal maternidade da Guiné-Bissau, onde deviam ajudar a diminuir a taxa de mortalidade materna, a maior do mundo lusófono.
 
Os materiais oferecidos ao Hospital Simão Mendes, em Bissau, continuam fechados, alguns ainda embalados, nas salas requalificadas em 2014: há mesas e iluminação técnica para operações, máquinas eletrónicas de controlo de sinais vitais, aparelhos de anestesia e diversos consumíveis, das luvas aos bisturis.

Num país onde morrem 549 mulheres por cada cem mil nascimentos (em Portugal são dez por cada cem mil, dados da Organização Mundial de Saúde de 2015), diversos médicos e técnicos contactados pela Lusa mostraram incómodo ao ver aqueles recursos fechados.
Margarida Alfredo Gomes, diretora do hospital entre 2014 e junho deste ano, disse à Lusa que tentou colocar as salas a funcionar, mas houve resistência por parte de técnicos anestesistas do hospital, uns à beira da reforma, outros doentes com diabetes.
 
Concluiu-se que eram insuficientes e sem capacidade para dar conta do recado.
 
Para resolver o problema, uma das entidades doadoras do novo bloco operatório da maternidade, o Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA, sigla inglesa), contratou em 2014 um médico anestesista e avançou com a formação de mais técnicos.
Mas mesmo assim, o novo bloco operatório da maternidade continua fechado.
 
Kourtoum Nacro, representante do UNFPA em Bissau, acredita que já se podia ter feito melhor.
 
O hospital "tem um bloco a funcionar", o bloco de cirurgia geral, pelo que "se houvesse organização e coordenação, o bloco da maternidade podia também ter aberto", que mais não fosse durante parte do dia, referiu, em entrevista à Lusa.
 
O diretor da maternidade, Raúl Nancassa, é um dos médicos que também pensa que as novas salas já podiam estar a acolher cesarianas "há muito tempo".
 
O médico disse ter questionado os superiores hierárquicos e sucessivos ministros sobre o assunto, o que não foi tarefa fácil: só no último ano já houve quatro governos no país, um dos quais só esteve em funções durante 48 horas.
 
Nas respostas foram sempre evocadas "questões administrativas" relacionadas com pessoal, ar condicionado, cabos elétricos "ou não sei o quê", completa o médico em tom de desabafo.
 
Raúl Nancassa até disse que "se tivesse serventes" ia para lá operar, mas não os consegue ir buscar a outros serviços do hospital.
 
"Às vezes os médicos vão com as pacientes debaixo de chuva" ao atravessar o caminho em terra do edifício da maternidade até ao único bloco de cirurgia geral que funciona, em vez de irem todos trabalhar nas salas novas.
 
"É um risco para as grávidas" que sofrem também com "a demora" que às vezes têm que suportar à beira do parto, quando o bloco geral está ocupado.
 
Se as salas de operações da maternidade estivessem abertas, "em cinco ou dez minutos podíamos tratar da paciente", acrescentou.
 
Uma vida pode depender do que acontece "num minuto", sobretudo "se há uma hemorragia", o que é frequente nos casos urgentes, refere Ramón Soto, o único anestesista do país.
 
O médico cubano foi contratado em 2014 pelo UNFPA para formar técnicos e combater a alta taxa de mortalidade materno-infantil.
 
"Era ali que eu devia trabalhar e formar", acrescenta, apontando para as salas novas e sem que tenha recebido uma explicação clara para o atraso.
 
Confrontado com a situação, o diretor-geral do hospital, Orlando Lopes, no cargo há três meses, prometeu empenho pessoal e do atual Governo.
 
Não tem explicações para dar sobre o passado, mas garante que está a trabalhar em concertação com a secretaria de Estado da Gestão Hospitalar para a abertura das salas de operações acontecer "muito em breve".
 
A representante do UNFPA deixou um alerta: o bloco da maternidade não pode ser inaugurado para fechar a seguir e acredita que os dirigentes políticos estão convencidos da urgência do assunto.
 
"Não devemos pensar no passado, queremos pensar em frente", conclui Kourtoum Nacro, que espera ver o bloco inaugurado ainda durante este mês de novembro.

LFO // VM