Martinho Júnior, Luanda IN PG
No que toca à natureza físico-geográfica-ambiental de África, há que realçar o contraste entre as imensas regiões desertificadas, que tendem a progredir de norte para sul e a região das grandes nascentes africanas que se situa no coração equatorial-tropical do continente, abrangendo as nascentes do Nilo, do Congo e do Zambeze, bem como os “Grandes Lagos”, tendo como expoente maior o Lago Vitória.
Na parte norte do continente o Sahara e o Sahel estão em expansão na direcção sul, comprimindo o pulmão equatorial-tropical da bacia do Congo (o 2º pulmão tropical da Terra) e os sinais dessa expansão são múltiplos, um dos quais destaco: a redução drástica da cubicagem de água e da extensão do Lago Chade, que sem intervenção humana corre o risco de desaparecer.
Na região das grandes nascentes africanas, a desflorestação é também cada vez mais evidente, quer pela compressão da desertificação do Sahel em direcção a sul, quer por acção humana em função do crescimento exponencial de comunidades sedentárias que procuram subsistir, até por que a densidade demográfica é comparativamente muito maior nessa região do que no Sahara, Sahel e Ogaden.
Nos desertos as condições seculares de vida implicaram culturas de nomadização humana, com a tradição de não se respeitarem as fronteiras.
Às caravanas com camelos que ainda prevalecem, somam-se agora caravanas com veículos, inclusive caravanas dos grupos “jihadistas” que adoptaram carrinhas Toyota que lhes conferem imensa mobilidade e até bons processos de camuflagem e clandestinidade.
Essa área imensa foi de há séculos islamizada por convicções sunitas, com instalação de alguns centros, como Timbuctu no Mali, com culturas avançadas, incluindo famosas universidades.
Os rios Nilo (a leste) e Níger (a oeste) tal como o lago Chade (a oeste) propiciaram sedentarizações, que contrastam com a nomadização no Sahara e no Sahel sobretudo e é junto ao curso desses rios onde se encontram as concentrações humanas.
Os tuaregs nomadizam em territórios da Mauritânia, do Mali, do Burkina Faso, da Argélia e da Líbia, precisamente onde se expande o Aqmi (Al Qaeda do Magrebe), sendo a partir dessa região que se expandiu o Boko Haram, até às “áreas sem governação” na confluência de fronteiras da Nigéria, Camarões, Chade e Níger, na sequência dos bombardeamentos AFRICOM-NATO na caótica Líbia que se sucedeu ao derrube e morte de Kadafi.
Os arsenais de Kadafi acabariam em parte para armar os grupos tuaregues e de “jihadistas” em África e no Oriente Médio, no início dos seus programas de expansão, o que se reflectiu de forma imediata no Mali, com a súbita gestação do Azawad.
No Azawad (parte norte do Mali), os tuaregues proclamaram seu território ao mesmo tempo que o AQMI apareciam também na mesma região, o que agravou os termos do conflito, atirando a possibilidade de divisão do Mali, algo que tem como precedente o caso do Sudão, outro país do Sahara e do Sahel.
Como os Estados Unidos estão tentados em redesenhar o mapa de África, tal como acontece em relação ao Médio Oriente, foi aberto o segundo precedente, num caso em curso.
Os tuaregues, que eram uma das componentes das forças de Kadafi, assumiram causa própria no Mali, chocando com o AQMI, mas apesar do cessar-fogo com o Mali, não vão desistir de sua pretensão.
O AQMI pode estar tentado a ganhar terreno na direcção do Sudão, se o actual governo sudanês for sujeito ao mesmo “modelo” de tratamento que sofreu o governo último de Kadafi!
O governo francês, que esteve intimamente implicado no derrube de Kadafi e nos bombardeamentos da “colmeia” Líbia, ao defender o Mali das insurgências tuaregue e AQMI, conhece como é óbvio as intenções norte americanas e a “dispersão das abelhas” pelo deserto, aceitando ser o elo da “cadeia de transmissão” entre Washington e Bamako, ao mesmo tempo que gere em comum o que se abre em relação aos tuaregues (com possibilidade de solução táctica) e o que se fecha em relação ao AQMI, com implicações necessariamente distintas no Sahara, Sahel e Ogaden, o que reforça geo estrategicamente a linha oportunista externa, que ingere e manipula em África com instrumentos inseridos no AFRICOM-NATO.
Dos impactos resultam simultaneamente migrações em direcção ao litoral Atlântico (Mauritânia), a oeste, ao Mediterrâneo (Argélia, Tunísia e Líbia) a norte e a sul, em direcção aos países que beneficiam da água interior da imensa bacia do Congo e Grandes Lagos; essas migrações forçadas, na maior parte dos casos em busca de sobrevivência, juntam-se ainda às que ocorrem no Médio Oriente, atravessando o Mediterrâneo em direcção particularmente à Grécia e Itália.
O laboratório AFRICOM foi mesmo vocacionado para semear o caos, na já por demais caótica África!
Imagem: Mapa climático de África, que mostra os contrastes entre as regiões desérticas (Sahara, Sahel e Ogaden), com a região matriz de água equatorial-tropical (nascentes do Congo, do Nilo e do Zambeze, assim como os Grandes Lagos). As culturas seculares de África estão inter-relacionadas com os fenómenos físico-geográfico-ambientais; no caso de impacto como uma guerra de proporções importantes, as populações nómadas e sedentárias do Sahara, do Sahel e de Ogaden são obrigadas a sair da “zona de morte”, inclusive por razões de sobrevivência. Neste momento isso facilita também a expansão dos “jihadistas” em direcção ao sul do continente e à própria Europa, complementando outras redes locais.