Fonte: http://simintera.com
Li atentamente e na íntegra o discurso do Senhor Presidente da República (PR), José Mário Vaz, a propósito da actual crise guineense. Parece-me objectivo e claro.
Antes, tinha lido também a comunicação do Senhor Primeiro Ministro (PM), Domingos Simões Pereira. Bastante clara quanto ao seu objectivo.
No essencial há apenas uma conclusão a tirar: perda de confiança mútua.
A estrutura do Estado tem uma hierarquia, resultando daí que o 1º magistrado da nação é o PR. Sabe-se, sobretudo agora, que as dificuldades de relacionamento entre o PR e o PM já duravam há bastante tempo. Provavelmente o PR entendeu que já não havia mais condições para manter uma relação praticamente impossível e, por conseguinte, passível de pôr em causa o cumprimento do n.º 3 do Art.º 97 da Constituição da República.
De todas as soluções possíveis creio que o PR optou pela melhor delas. Qualquer outra não seria mais do que o prolongamento da crise no tempo. O país não pode estar bem quando o seu PR e o PM andam de costas voltadas.
Creio sinceramente que esta crise resulta apenas da indisciplina generalizada que se apoderou da classe política guineense, agravada pelo desconhecimento da ética ou simplesmente pela sua inobservância, de tal maneira que, até os mais ponderados acabam por se deixar contaminar.
Por exemplo, o PR foi desrespeitado publicamente por um ministro. O que aconteceu ao ministro? Nada. Em qualquer país civilizado –a minha amada Guiné-Bissau ainda o é- o funcionário público que ousa criticar ou ofender um PR é punido por essa conduta. Um ministro é um funcionário público e não é um qualquer. Logo, tem maiores responsabilidades.
Domingos Simões Pereira (DSP) não terá compreendido que um braço de ferro com o Presidente poderia pôr em causa a sua liderança do governo. Ninguém ignora que ele, enquanto Presidente do PAIGC, ajudou a eleger o PR.
No entanto, a perda de confiança declarada e agravada pelo teor da comunicação dos dois protagonistas significa simplesmente que é improvável de todo uma nova coabitação entre os dois. Nisso, o Presidente está a ser mais realista. O PM demitido considera que, apesar de tudo, é possível manter uma coabitação!
Antevendo a crise anunciada o PM resolveu jogar uma cartada que julgara decisiva na tentativa de demover o PR, fazendo uma comunicação antecipada ao país. Com isso ganhou pontos seguramente, mas terá porventura irritado ainda mais o PR.
De resto, a perda de confiança assumida pelos dois, só por si, é razão suficiente para a demissão do governo.
O Presidente demitiu o governo em funções justificando-se e bem. Pediu ao partido vencedor das últimas legislativas que indicasse um nome para novo PM. Na realidade, a substituição do PM nos termos propostos não está sequer fora do quadro constitucional.
Chegado a este ponto, pelo menos um dos dois tem que sair de cena sob pena de aprofundar ainda mais a crise.
O PR não praticou qualquer ilegalidade já que se socorre apenas de uma prerrogativa que a constituição lhe confere.
O DSP pode muito bem dizer que se socorre também dos estautos do partido para manter o braço de ferro, mantendo o seu nome como candidato ao cargo de 1.º ministro. A isso chama-se confrontação. Consequência: vai prolongar uma crise cujo impacto real ninguém pode prever. Certo, porém, é que terá sempre custos elevadíssimos para o país.
A alegada hipótese de pedir a destituição do PR, creio honestamente que é a pior de todas as soluções uma vez que os fundamentos a invocar, à luz da constituição, dificilmente poderão ser suficientemente consistentes para produzir eficácia em tempo útil.
Alternativamente, faço um apelo em 1º lugar ao DSP para que saia de cena, ainda que possa caso assim entenda, manter o seu cargo de presidente do partido, mas delegando a responsabilidade de chefia da governação a um outro colega do partido ou até a um independente a designar por consenso.
Neste caso, seria possível manter o decurso da atual legislatura em que o PAIGC mantém o controlo do parlamento (60% dos votos), podendo a qualquer momento derrubar o governo em funções, bastando para isso fazer aprovar uma moção de censura nos termos da constituição.
Uma saída de cena nestas condições enobrece a qualquer um porque, ao fazê-lo, será em nome de uma causa maior: a Guiné-Bissau. Fá-lo-á para devolver imediatamente a estabilidade ao país. Desta forma, quem sabe se daqui a quatro anos não se apresentará como candidato mais forte para a substituição do actual Presidente.
Em 2º lugar, gostaria de estender o meu apelo ao PAIGC, como partido responsável que é, partido libertador e maior partido do país, para que tenha a capacidade de, caso prevaleça o impasse, convocar extraordinariamente o seu Comité Central, órgão competente para impor uma solução viável, como seja, por exemplo, a de propor um outro nome que não do DSP para a chefia do novo governo. Respeito a estratégia do partido, o qual, pela experiência dos seus dirigentes, saberá sempre o melhor momento e qual a melhor forma de intervenção a adotar.
“O PR é teimoso”, dizem muitos de nós. Acredito que não terá seguido o conselho recebido de grande parte das várias entidades que consultou e que apontava para o caminho do diálogo, já que “estava a correr tudo tão bem…”. Ainda assim, creio também, que tomou a melhor decisão. Confiemos, pois, na boa-fé do PR. Vamos dar-lhe o benefício da dúvida e pedir-lhe maior responsabilidade na condução dos destinos do país.
Compreendo as manifestações que têm ocorrido no país e até fora dele, todas elas bem intencionadas, acredito, mas sem grande efeito prático. Creio que seria muito mais eficaz se essas manifestações fossem mais racionais e menos emocionais. Com efeito, faria mais sentido se as manifestações fossem, por exemplo, no sentido de oferecer solidariedade ao Eng. Domingos Simões Pereira mas, ao mesmo tempo, sugerindo-lhe que abdicasse para facilitar a solução do actual problema. Mais ainda, podia-se juntar um pedido de maior responsabilidade ao Presidente da Republica na condução dos destinos do país.
E se fosse o PR a demitir-se? É uma solução possível embora me pareça de maior complexidade, pois no mínimo, em condições normais, obrigaria à realização imediata de novas eleições. De resto, devemos ter em conta que a carta magna do país dá primazia ao PR.
Certo, certo é que o país está parado e impõe-se uma solução o mais rapidamente possível.
Mantenhas fortes.
Augusto Gomes