Nhamado deveria era aconselhar o Jiló Cipriano Cassamá, Inácio Correia(Tchim) e os demais gangues da comissão permanente da ANP que deliberadamente se recusaram agendar a data para discussão e votação do programa do governo liderado por Dr. Baciro Djá, para desbloquearem a ANP. Bloquear a ANP a mando do pseudolíder do PAIGC, é antidemocrático e ilegal.
O ex-Presidente da República de Transição, Manuel Serifo Nhamadjo aconselhou o Presidente José Mário Vaz a devolver o poder ao Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAGC) na qualidade do partido vencedor das eleições legislativas, bem como obrigá-lo a reencontrar-se com os seus deputados expulsos, afirmando que, JOMAV também faz parte da casa dos libertadores.
Nhamadjo falava para a rúbrica ‘Grande Entrevista’ do semanário O Democrata com o intuito de analisar a crise política e parlamentar que se regista no país, como também a possibilidade do cumprimento ou não do ‘Acordo de Conacri’ e a questão da dissolução do parlamento defendida por alguns observadores políticos.
Serifo Nhamadjo que igualmente é militante do PAIGC, considera de ‘vergonha nacional’ o facto de termos levado os problemas do país para além-fronteiras para a busca de soluções, quando há soluções que podem ser encontradas internamente, debatendo ideias de uma forma franca.
“E continuo a repisar essa ideia de que não haverá nenhuma solução duradoura, enquanto não houver grandes consensos internos a nível do partido. Porque quem ganhou as eleições é o PAIGC”, assegurou.
Para o ex-presidente Nhamadjo, a dissolução do Parlamento não é a solução mais acertada, porque “o problema está no diálogo, está nas pessoas, as pessoas têm que ter a capacidade de dialogar para encontrarem soluções capazes de tirar o país do bloqueio”.
O DEMOCRATA (OD): Os actores nacionais rubricaram recentemente um acordo em Conacri para a saída da crise, sob auspícios da CEDEAO. Na sua opinião, o que levou o país outra vez a este profundo impasse político institucional?
MANUEL SERIFO NHAMADJO (MSN): A falta de humildade e a falta de um diálogo franco e sincero, levar-nos-á a vários acordos imaterializáveis. Não são os acordos que resolvem os problemas. São os homens que resolvem os problemas. Os homens têm que ter a capacidade de enfrentarem os problemas e discuti-los com sinceridade para que possam encontrar soluções.
Queria dizer antes de mais que é uma vergonha nacional termos que levar os nossos problemas além-fronteiras para a busca de soluções, quando há soluções que podem ser encontradas internamente, debatendo ideias de uma forma franca. Insisto nessa ideia de que não haverá nenhuma solução duradoura, enquanto não houver grandes consensos internos a nível do partido. Quem ganhou as eleições foi o PAIGC.
O PAIGC com a maioria que teve, tem uma obrigação política de criar condições para que haja estabilidade governativa. É imperativo que o PAIGC faça esse gesto. E não o pode fazer negociando com terceiros. Esses terceiros têm uma agenda política diferente da do PAIGC. Terá de ser a família do PAIGC, mesmo que tenha de gladiar internamente, mas que arranje um grande acordo.
Fiquei triste quando soube que todos os actores implicados na crise política tinham de deslocar-se à República vizinha da Guiné-Conacri, mesmo reconhecendo que este país irmão representa algo histórico para nós, pois foi onde nos refugiamos para alcançar a nossa independência. Talvez tenha sido uma forma de revitalizar essa esperança, mas estou a ver que vão criar mais uma frustração aos guineenses. Hoje cada um interpreta o acordo à sua maneira, como se tivessem assinado um documento escrito em francês e que ninguém teria percebido. Acredito que o documento foi traduzido para português, e que sabiam de antemão o que estavam a assinar.
Portanto, é uma vergonha nacional estar a atrasar esse grande consenso nacional para o bem-estar do nosso povo.
OD: O senhor acredita que as partes estarão em condições de colocar de lado as suas divergências e aceitar a nomeação de um novo Primeiro-ministro que dirija um governo até ao fim da presente legislatura como prevê o acordo?
MSN: Eu não diria que acredito ou não, mas diria que é imperativo que se encontre uma solução, porque não têm outra saída a não ser encontrar uma solução para a resolução do problema.
Eu não aprovo a ideia de que é o Presidente da República quem deve escolher o Primeiro-ministro. Estamos a desvirtuar a lógica das coisas. Quem ganha as eleições é quem tem a obrigação de apresentar o nome do chefe do executivo. É claro que o Presidente poderá dar anuência ou não, mas não lhe compete a ele.
OD: Então, o acordo pecou?
MSN: Eu não considero este acordo como um instrumento jurídico válido visa-à-vis a nossa Constituição. É um elemento que pode subsidiar alguns arranjos dentro da Constituição, para dizer às pessoas: “olhem vocês têm de fazer esforços para cumprirem a Constituição, buscando grandes consensos”. É nessa perspectiva que eu entendo o acordo e não contrário.
OD: O formato da mediação apresentou previamente uma lista de três nomes às partes em negociação. Será que isso contribuiu para as diferentes interpretações do acordo após a sua assinatura?
MSN: Chegarmos a esse ponto porque fomos incapazes de gerir as nossas diferenças. Para quê acordos? Para quê a apresentação de três figuras? É porque fomos incapazes de interpretar os nossos resultados eleitorais e de dirimir os nossos conflitos internos. Não devia ter sido assim! Um país que enveredou pela via democrática, que organizou umas eleições democráticas que, por sinal, foram livres e transparentes, e que foram ganhas por um partido, tem o direito de ser governado por esse partido ganhador. Agora, as “engenharias” que agora se fazem na tentativa de dar uma predominância política a uma das partes, isso não faz parte do jogo democrático. No jogo democrático, definem-se as regras. Ou seja, quem foi mandatado para conduzir o destino do país tem a obrigação de fazê-lo, e quem foi mandatado para ser oposição, para ser um dos fiscalizadores da governação do partido no poder também tem a obrigação de fazê-lo. E não o contrário! Agora, o partido no poder tem que saber gerir as diferenças, galvanizar sinergias para melhor atingir seus objectivos. É alí onde ele deve concentrar todo esforço dos guineenses, para ajudar essa máquina governativa no seu dever de fazer uma governação franca e sincera.
Se houver má gestão da coisa pública, como se disse na altura, razão pelo qual o governo terá sido demitido, passado quase um ano, não sei se há alguém responsável dessa governação que foi levado à justiça. Não discuto os fundamentos, porque não tenho acesso às informações. Mas o que se sabe é que aquelas pessoas foram acusadas de má gestão. Se assim foi, então que essas pessoas sejam levadas à justiça para podermos fazer as correcções.
A injustiça que existe em termos de má gestão da coisa pública, isso pode ser visto a olho nu. Quando um funcionário ostenta bens materiais para além daquilo que tem como rendimento mensal, é preciso ser um perito para saber que essa pessoa está desviar fundos? Alguém que ganha menos de um milhão de francos CFA e que, no espaço de um ano, tenha obras avaliadas em milhões e bens materiais avaliados em milhões, será que é preciso ser perito para dizer que esse indivíduo é corrupto ou não? Deixemo-nos de hipocrisia e vamos pelos factos e dizermos com franqueza aquilo que é e apresentar provas para corrigirmos a nossa conduta social. Se não for assim vamos ficar na especulação e toda gente acusará toda gente e ninguém conseguirá provar nada. Portanto, a governação guineense tem de ser respeitada em função dos resultados eleitorais. Na minha perspectiva, o governo deve ser comandado por quem ganhou as eleições.
OD: Então, defende a ideia de devolver o poder ao PAIGC?
MSN: Com certeza! E de seguida formar um governo no qual todas as sensibilidades possam se reflectir.
OD: Na sua opinião, qual deveria ser o papel do Presidente da República, com vista a evitar o fracasso do acordo assinado em Conacri?
MSN: O Presidente da República, segundo a nossa Constituição, deve funcionar como um bom árbitro. É o elemento aglutinador das forças desavindas. Deve aconselhar e dar orientações. Portanto, não pode ser jogador e árbitro ao mesmo tempo. Neste contexto do acordo, se o Presidente da República propuser um nome para Primeiro-ministro, todo o desvio e toda a má gestão da governação recairão sobre ele. Ele será o Executivo e Presidente ao mesmo tempo, ele será responsável. O Presidente não pode… não pode… posso estar a pecar, mas não deve ser ele a escolher o primeiro-ministro. Ele deve dar anuência à proposta do partido vencedor, porque senão estamos a confundir os papéis.
OD: Muitos guineenses consideram o actual Presidente da República como parte do problema, por estar alegadamente muito próximo dos 15 dissidentes do PAIGC. Que comentário faz do desempenho de José Mário Vaz ao longo desta crise?
MSN: Não sei se está próximo ou dentro dos 15. Qualquer cidadão comum que se preocupa dirá que ele faz parte do problema, infelizmente ele se envolveu de tal forma que agora faz parte, mas deveria ser a pessoa que dirimiria os conflitos entre pessoas desavindas, mas da mesma família, entre partidos desavindos e entre instituições desavindas. É esse o papel que Presidente da República deveria reservar-se, mas infelizmente o nosso Presidente entrou num jogo e vestiu uma camisola…vestiu uma camisola… Ele tem que se afastar desse jogo e tentar ser um elemento acima de todos esses grupos, para poder ter a capacidade de juntá-los para o bem do país.
OD: A ruptura entre os dois maiores partidos (PAIGC e PRS) conduziu ao aprofundamento da crise. Qual é a responsabilidade dessas forças políticas?
MSN: Deixa-me dar um exemplo que poderá ser chocante. Mas para mim, o PRS está como – Djugudé ka ta mata, ma si kusa muri i ta lambul – em português: ‘PRS é como um abutre, ele não mata, mas se algum animal morre ele alimenta-se do defunto’. O PAIGC está a criar condições para que o PRS governe, porque se houvesse um entendimento, se houvesse a humildade de se encontrarem para uma discussão interna e franca, e não na prepotência de quem falhar deve ser expulso, as coisas poderiam ser diferentes. Essa desavença interna do PAIGC fez com que o PRS se tornasse num partido actuante no poder, quando devia reservar-se ao papel de oposição, tal como mandam os resultados eleitorais. É o PAIGC que está a criar todas essas condições.
Alguém disse-me uma vez que este é um problema do Congresso de Cacheu. Eu diria que não. 90% das pessoas desavindas que fazem parte do grupo dos quinze foram aliados do Domingos Simões Pereira, foram apoiantes ferrenhos de Domingos, fizeram pactos juntos para conseguir a vitória. Porque não conseguiram gerir essa unidade? Precisam ser interpelados para que digam a razão de fundo porque não conseguem dirimir os conflitos internos e terem vindo à praça pública criar todo esse mal-estar. Para mim é esse o problema do fundo, as pessoas devem ter a capacidade de dialogar, capacidade de gerir as diferenças e moderarem as ambições. Serem minimamente humildes.
OD: Face ao persistente impasse político institucional, muitos actores advogaram já a dissolução da Assembleia Nacional Popular e a consequente convocação de novas eleições, como saída para a crise. Concorda com essa opção?
MSN: Essa é uma das hipóteses, mas eu acho que o guineense tem tendência de adiar os problemas. O guineense, por natureza, tende a fingir que não há problema e adiar permanentemente a sua solução. É uma bolinha mágica ir para as eleições e resolver todos os problemas. As eleições não resolvem problemas. Eles resolvem-se se tivermos a capacidade de dialogar. Discuti-los e encontrar soluções, mas não virar as costas e fugir para frente e inventar a cada momento um bode expiatório. O guineense tem tendência de sempre inventar um bode expiatório e dizer que o fulano é o culpado. Porque não nos sentamos à volta de uma mesa, analisarmos os problemas de uma forma fria e sincera para de uma vez por todas resolvê-los.
Porque é que o PAIGC, sempre que tem uma maioria, termina o mandato com problemas? É preciso sabermos o porquê. Há uma necessidade de fazer um estudo sobre isso, e não a correr novamente para as eleições. Quantas eleições foram feitas? Quantas maiorias foram obtidas? Sempre continuarmos com problemas.
OD: A dissolução da ANP não é uma solução?
MSN: Pode ser uma solução, mas não é a solução mais acertada. Cá para mim, o problema está no diálogo, está nas pessoas, as pessoas têm que ter a capacidade de dialogar para encontrar soluções.
OD: É possível fazer os políticos nacionais entenderem-se internamente, sobretudo a nível do PAIGC?
MSN: Porque não? Somos seres humanos, cada um de nós tem o sentido da responsabilidade, cada um de nós tem o seu ponto forte e o fraco. É preciso conjugar os pontos positivos dos diferentes actores, que não é resolver os problemas na Praça Pública, porque cada um tem o seu orgulho. Quando há um problema, este deve ser analisado e discutido dentro. Se necessário, brigarmos dentro e quando sairmos, virmos com o positivo que vá conseguir congregar toda a gente.
Mas se, a cada problema, formos às conferências e aos discursos, mostrar que sabemos falar, somos bons oradores ou sabe mostrar que temos razão… Aqui não importa a razão, mas sim o bom senso para que o país saia deste marasmo. É obrigatório que todos os actores políticos encontrem uma solução, se não será uma asneira grande. E certamente neste momento, todos nós políticos, estamos a receber certificados de incompetência, e isso vai desacreditar todos os actores políticos.
Antigamente, dizia-se que o problema era os militares. Sempre defendi que o problema da Guiné não era os militares, mas que estava na forma de fazer política.
OD: Muitos apontam como solução para estabilização da Guiné-Bissau a formação de um governo de consenso durante dez anos. O senhor concorda com este ponto de vista?
MSN: Não apoiaria uma ideia dessas. Sou defensor de um fórum de reflexão sério para que a Guiné-Bissau saia desta crise. Quando dirigia a comissão preparatória para a reconciliação nacional, dizia sempre que as pessoas precisam sentar-se à mesma mesa e buscarem um entendimento e traçarem a pista a curto, médio e longo prazo para que a consolidação da estabilidade e interiorização dessa democracia que queremos implantar sejam uma realidade.
Não é apenas com slogans, comícios e número de partidos políticos é que temos democracia. A Democracia vive-se e constrói-se todos os dias. Mas enquanto nós, classe política, e todos os actores sociais não nos envolvermos numa discussão franca e sincera, continuaremos com conflitos. Imaginemos que se forme um governo de unidade nacional. Quais seriam os critérios para que as pessoas pudessem fazer parte desse governo? Vamos levar anos até definirmos os critérios, porque não há entendimento, não há discussão franca e não há grandes compromissos. Temos que ter a certeza daquilo que queremos.
Na verdade, todos os guineenses querem estar bem, mesmo aqueles que não trabalham querem viver bem. Mas para vivermos bem tem que ser com o suor do nosso trabalho. Não é ficarmos sob a sombra de uma bananeira. Quem faz isso está usurpar o trabalho do outro. Neste país não podemos continuar com a mentalidade de enriquecimento fácil. Tenho hoje uma oportunidade e vou aproveitá-la, porque amanhã poderei sair. Agora cada um quer estar no governo, mas não para trabalhar profissionalmente.
Vejam muitos que, como eu, passaram por funções, alguns engenheiros, juristas, advogados, arquitectos, economistas e formados em outras áreas, quando saem do governo já não vão trabalhar nos gabinetes, poucos voltam aos gabinetes. A maioria prefere voltar ao partido, para organizar complôs para conseguirem mais oportunidades de voltarem a ser ministros. Essa cultura de estar sempre no governo não pode continuar…não pode continuar… a sociedade no seu todo deve insistir num debate de ideias sério para que a Guiné-Bissau possa traçar um caminho e em conjunto todos assumirmos isso. Concordaria com um pacto assim. Esse pacto teria que ser respeitado por todos, mesmo que seja por cinco…dez anos. Definir-se-ia uma agenda: o que se quer para daqui a dez anos no domínio agrícola… o que se quer para daqui a dez anos no domínio de saúde…o que se quer daqui a dez anos no domínio económico e da educação. Teríamos metas precisas a curto, médio e longo prazo e comprometermo-nos-ia com a sua execução. A estabilização do país passaria de uma forma sustentável. Deixemos essa politiquice.
OD: Quais são os três conselhos que tem para o Presidente JOMAV, como quem já foi Presidente?
MSN: Eu apontaria um grande erro que, na minha perspectiva, o Presidente JOMAV deu como prioridade. É que mesmo um bom prato de comida não se deve comer quando ainda está muito quente. Deixa-se arrefecer para que possa ser tragável. Ele precipitou-se. Quis fazer algo, mas esqueceu-se dos preparativos.
Vi uma entrevista dele, quando disse que o seu problema são as pessoas que tocam no bem público. Tudo bem, mas não se esqueceu certamente. Porém se se esqueceu é bom lembrar que foi na gestão dele como ministro das finanças que muitos funcionários daquele ministério foram detidos. Será que ele conseguiu eliminar a corrupção nas finanças? Não conseguiu, pois isso é um processo. Devia fazer um plano de combate à corrupção, sem tomar o capote de justiceiro, ou seja, do papel dos tribunais. Tudo aquilo que fosse constatado que fosse remetido às instituições judiciais. E ele reservar-se às funções de presidente.
Se eu fosse o Presidente JOMAV e se tivesse a sorte que ele teve após as eleições, quando toda avalanche da comunidade internacional, toda sociedade guineense estava imbuído de esperança, dedicação, contribuindo para o desenvolvimento dos projectos ‘Terra Ranka’ e ‘Mon Na Lama’, ficaria contente. Não conseguiu galvanizar isso, para que fosse tirado o proveito da euforia que foi um elemento motivador. Portanto, ele deveria ter aproveitado essa avalanche ir corrigindo e tentando. Pedagogicamente, com a experiência que teve pela sua passagem na gestão das finanças, poderia ajudar. Hoje não estaríamos neste impasse. Estaríamos num patamar muito mais elevado.
Todos nós estaríamos hoje com os bolsos cheios, porque cada um pegaria numa iniciativa privada, desenvolveria a sua capacidade. Eu, por exemplo, deixei a função pública. Fui dos primeiros directores a pedir demissão nas Obras Públicas para ir para o sector privado.
Eu senti que a minha capacidade profissional poderia dar-me de comer no sector privado e naquela altura muitos fizeram o mesmo. Agora estamos a travar toda aquela dinâmica. Não pode ser.
Se fosse eu jogava nessa perspectiva. Aconselhava e participava para dar conselhos. Mas primeiro, iria ao Conselho de Ministros para chamar atenção, se houvesse alguma má gestão. Iria uma segunda vez aconselhar e quiçá uma terceira vez. Se fosse necessário, chamaria o chefe do governo ao meu Gabinete e discutiríamos os assuntos, de uma forma mais clara.
Quando tivesse que sair para falar publicamente, teria que ter todos esses elementos: dizer que no dia tal fui ao Conselho de Ministros para chamar atenção sobre o determinado assunto. Aconselhei e chamei atenção várias vezes, mas já não consigo falar sozinho. Eu chamo a comunidade nacional e internacional para ajudar no aconselhamento ao governo, isto é, se chegasse a esse ponto.
Acredito que comigo não chegaríamos a esse ponto, porque cada um de nós quer ser tratado com respeito. Nem a uma criança devemos asseverar na rua. Ela vai reagir. Portanto são esses pequenos elementos que podem fazer diferença.
Ele, o Presidente JOMAV, na minha perspectiva pecou ao não ter enveredado por esta via. Não é porque sou melhor naquilo que faço. Aliás, também sou ser humano e peco. Mas o ambiente que se vivia com todo aquele entusiasmo, sinceramente, se fosse eu embarcava no barco e ia dando conselhos que influenciassem positivamente, até chegarmos ao ponto. Não travaria uma marcha tão bem feita no arranque e criar todo este impasse.
Hoje quem vier depois do Presidente José Mário Vaz terá muitas dificuldades com o Governo, para recuperar a imagem da seriedade que o país precisa. Os sinais que estão a ser emitidos são sinais de que os guineenses são todos os corruptos. São pessoas que não sabem fazer nada e não têm a capacidade para dirigir o país. Já há guineenses que propõem a entrega do país a uma gestão internacional.
Já assinamos um certificado da nossa incompetência. Mas acredito que existem bons quadros na Guiné-Bissau. Existem pessoas idóneas na Guiné-Bissau e existem equipas que podem desenvolver este país. Só que politicamente estamos naquilo de egoísmo pessoal, bem como na tentativa de enriquecimento fácil (gossi-gossi).
Se andar pelo perímetro de Bissau, constatará que mais de 60% da dinâmica das obras em curso oscila, dependendo se os proprietários estão no governo ou estão fora. Estar no executivo não é só ser ministro ou secretário de estado. Também é ser director-geral, financeiro, é ser alguém ligado a uma determinada instituição que recolhe receitas. Muitas vezes as pessoas pensam que é só o ministro que desvia, só o Secretário de Estado que desvia ou o Presidente da República. Por vezes o Presidente, o Ministro ou Secretário de Estado beneficiam de ofertas que lhes dão um conforto.
Mas um director-geral, um director do serviço, um financeiro ou um responsável de uma instituição financeira não têm esses beneficies. Eles obtêm alguns ganhos para o seu enriquecimento da má gestão que fazem diariamente.
Se comparar a minha casa com a casa de um director do serviço que coleta receitas, vai pensar que a casa desse director é que é a casa do ex-Presidente. Isto vê-se a olho nu. Será que é preciso ser perito para dizer que essa pessoa está a fazer asneiras? Não! E todos estamos a ver isso e achamos que essas pessoas é que são “matchus”
OD: Que conselho daria o Presidente JOMAV de concreto, para sairmos deste imbróglio?
MSN: O Presidente José Mário Vaz não tem outro caminho, se não chamar todos os autores e ficar equidistante, bem como devolver o poder ao partido vencedor das eleições legislativas e obrigá-lo a reencontrar-se com os seus deputados desavindos, porque ele também faz parte desta casa.
Quando digo obrigar é uma obrigação moral dele, dizer ao partido que tem de encontrar uma solução para depois apresentar uma proposta. A única coisa que ele deve fazer é devolver a governação ao partido vencedor das eleições, para que este tenha uma obrigação de buscar grandes consensos.
Aos desavindos, que resolvam os seus problemas internos. Permitam-me dar um exemplo claro. Quando duas crianças brigam e o pai de um estiver ao lado, a criança que tiver o pai ao lado ganha mais coragem e mesmo que a outra criança seja mais forte, porque está a contar com a proteção do pai ao lado. Se forem os dois, na escola, onde não haja ninguém para proteger ninguém e quem tiver mais capacidade convence o outro. Essa é a mesma história que estamos a viver no nosso país.
É a minha visão das coisas. Não esqueçam que eu sou do PAIGC. De momento não estou a vestir o capote do PAIGC. Estou a observar tudo na perspectiva de uma pessoa que passou pela gestão do Estado e que interpreta os instrumentos que dão legitimidade para ser presidente ou para ser o primeiro-ministro que é a Constituição.
Está claro na Constituição. Depois das eleições quem deve apresentar o nome para primeiro-ministro é o partido vencedor. Mesmo que não esteja tão explícito, mas é a prática: o partido vencedor apresenta o nome da pessoa que vai exercer a função do primeiro-ministro e tem a obrigação de formar um governo e não o contrário.
A grande verdade é essa… não há outro caminho, se não ele recuar e devolver a governação ao partido e obrigar o PAIGC a criar estabilidade governativa.
OD: O regresso dos 15 às fileiras é já apontado como um passo importante para a coesão interna no PAIGC. Como combinar o regresso incondicional e o imperativo do respeito dos estatutos do PAIGC?
MSN: Todas as leis têm atenuantes, para o interesse nacional ou do PAIGC. Repara que o PAIGC, durante a luta armada, condenou, absolveu e recuperou pessoas. Estes cometeram, certamente, erros muito mais graves do que os 15 deputados. Só que hoje o comportamento dos 15 pode ser entendido como um mal grave na perspectiva de actual direcção, mas eu acredito que não há nenhum mal superior à desgraça da governação do país.
Para o bem-estar do país e para o bem-estar do PAIGC, podia considerar-se qualquer atenuante para que os 15 fossem reintegrados. Poderiam até ter um castigo simbólico, mas a expulsão para mim foi o extremo. Porque, no meu entender, as penas em qualquer organização têm graus, desde a repreensão oral, repreensão escrita, suspensão temporária para depois chegar à expulsão.
E esse gesto do Conselho de Jurisdição é condenável na minha perspectiva. Não se devia chegar ao ponto da expulsão, de um dia para outro. A informação de que disponho é que houve uma deliberação de expulsão automática. Se tomarmos em consideração que a maioira dos elementos expulsos eram aliados de Domingos Simões Pereira para a conquista da presidência do partido no congresso de Cacheu, então acho que tinham atenuantes.
Embora haja os que advogam que é um problema de Cacheu, e até pode ser em parte, mas não é verdade. A maioria aliou-se de forma ferrenha a Domingos Simões Pereira. Sou testemunha disso. E porque estão hoje de costas voltadas ao ponto de cada um desejar a desgraça do outro, porque há ai qualquer coisa que não está bem explicada. Que se faça luz daquele primeiro passo dado no discurso de Domingos, em que dizia que perdoava todos e que todos deviam regressar. Devem, mas regressar dentro de uma logica.
Também os 15 têm que mostrar a capacidade de que não é um problema de pelouro, ou seja, não é um problema pessoal, mas que é um problema de princípios. Quando um problema de princípio está em causa, é fácil de discutir, mas quando há outros valores que não são aqui revelados é dificil. Se for um problema de princípio na condução do partido, então eu lembro que nós desafiamos a direção na altura e eu fui um dos ‘porta-standards’ porque contestei uma prática.
O PAIGC tinha uma prática da escolha e as pessoas rejeitaram esse hábito. Enveredaram por um caminho antidemocrático. Eu desafiei, fui castigado e aceitei o castigo. Todos os camaradas que estavam comigo sabem o quanto eu lutei contra eles, contra a escolha do confronto. Disse-lhes que o partido tinha razão para castigar-nos, porque violámos e mesmo estando convencido de que o que fizeram não era correto, mas era o partido. Todos eles estão de vida e actualmente uns estão com Domingos e outros estão do outro lado. Sabem que na altura defendi que eu não entraria em confronto com o PAIGC. Ia sim contra as pessoas que praticavam atos errados.
É esta minha recomendação. Que tenham a capacidade de se reconciliarem internamente. Não é que ao reconciliarmo-nos estaríamos a promover a indisciplina, não! O bem-estar do partido e do país é superior a todas essas pequenas querelas.
OD: A instabilidade nesta nona legislatura é prova que o PAIGC é uma máquina incapaz de resolver seus problemas apesar de ter seus militantes na Presidência da República, no Parlamento e no Governo. Há uma explicação lógica para isso?
MSN: Como disse no inicio, esse facto requer um estudo. Fiz parte do coletivo de parlamentares desde 1994, durante quatro legislaturas. O PAIGC ganhou com 62 deputados as primeiras eleições multipartidárias, mas não terminou o mandato e começou a guerra civil. Depois disso teve uma maioria com Carlos Gomes Júnior, também teve problemas porque ele foi demitido pelo Presidente Nino Vieira.
Depois entramos em mais um mandato de Carlos Gomes Júnior com o Presidente Malam Bacai Sanhá. Malam faleceu, depois houve um golpe militar que interrompeu o segundo mandato de Carlos Gomes Júnior.
Das várias vezes que o PAIGC teve maiorias, sempre houve problemas sérios na fase final. Eu acho que isso deve ser um motivo de estudo para que possamos entender a razão pela qual, sempre que temos uma maioria, não conseguimos gerir as diferenças internas, e acabamos por sair e criar transtornos a nível nacional.
Eu não daria uma receita agora e nem tão pouco tenho a capacidade de dizer exatamente o porquê. Mas acredito que isso tem a ver com as pessoas. Insisto que é um motivo de estudo.
OD: O historiador Mário Sissoko defendeu recentemente à extinção do PAIGC como forma de estabilizar definitivamente o país. Seu comentário?
MSN: É claro que, como o militante do PAIGC, não gostaria de ver o meu partido dissolvido. Corrigir certas falhas talvez sim, porque toda a obra humana não é prefeita e haverá falhas que temos que corrigir.
Não devemos supor que qualquer obra humana é perfeita. Haverá sempre problemas e dificuldades. Agora se por cada falha destruirmos a obra… Mesmo na construção civil, quando se faz um prédio, há momentos em que falhamos nas paredes. Agora se tivermos que demolir tudo, nunca mais vamos construir.
Respeito a opinião dele. Ele é um historiador reputado e que certamente terá elementos para suportar a sua tese, mas eu não aceito e como militante do PAIGC, não posso aceitar isso.
Defendo o PAIGC com unhas e dentes, mas não os erros que alguns dirigentes cometem. O PAIGC não tem problemas. Para mim o problema é que há alguns dirigentes que cometem barbaridades.
OD: O programa maior teorizado por Amílcar Cabral continua a ser uma mera miragem. O país continua a fazer parte da lista dos países mais pobres do mundo. Entre vários factores desse recuo, muitos apontam o falhanço ético e moral da classe política. Concorda?
MSN: Não. Não concordo, porque o Cabral não estipulou prazos. Quando não há prazos para o cumprimento de um programa, enquanto há vida e houver gerações, essa obra vai continuar a ser erguida, com falhas, avanços e recuos. Eu não acredito que essa afirmação seja a mais acertada, porque a construção de uma Nação não se faz em um século. São precisos séculos e séculos.
Se recuarmos na história, quantos séculos foram necessários para que chegássemos onde estamos hoje? É claro que há etapas que nós não deviamos queimar e a grande verdade é que nós deviamos ter feito mais e melhor. Quem não conhece Bissau, se for confrontado com a maquete de Bissau de 1975, certamente que dirá que não é Bissau.
Isso significa que alguma coisa está a ser feita, mas como o ser humano que somos, temos uma insatisfação permanente. É isso que é o ser humano, queremos mais e melhor. Por isso temos que continuar a lutar.
Eu estive a bem pouco tempo em Cabo Verde e sabe o que constatei ali? Foi o patriotismo cabo-verdiano. Reconhecem que há criminalidade em Cabo Verde, mas nunca vão o ter como a bandeira na imprensa cabo-verdiana. Dizem que há criminalidade, mas falam mais da forma de combatê-la.
Há tráfico de droga e toda agente sabe, mas apenas falam do mecanismo de combate ao tráfico de droga e mais do que dos próprios traficantes e das pessoas envolvidas. Nós na Guiné somos o contrário. Se eu pecar, as pessoas passarão toda a vida de falar do meu pecado e não de perspectivar como resolver a situação.
Escuta a maioria das rádios e veja os blogues. Falam mais do mal e permanentemente do mal. É evidente que isso deve servir de base para a reflexão, mas se há um mal, o mais importante é como combater esse mal para que não se repita. E essa é a diferença que nós temos com Cabo Verde e os outros países, o sentido patriótico.
Uma vez um jornalista disse-me e muito bem que vocês falam apenas de factos. É verdade, mas não se limitem apenas aos factos. Seria bom fazerem uma analises do que acontece, tentar saber o porque e compreender a motivação da pessoa que cometeu o facto e propor uma solução para o problema para que não se repita.
Quero contar uma anedota: Quando estive em Alemanha para o tratamento, havia informações que circulavam em Bissau em como amputaram-me uma perna. Muitos diziam que tinha cancro e muito mais. Essas informações circulavam em blogues, mas ninguém contrariou-as, de forma a esclarecer a opinião pública.
Basta ouvir na radio! É logo verdade para toda a gente. Mesmo lendo apenas nos blogues, considera-se verdade. Essa é a nossa fraqueza e o nosso grande problema. Esses problemas, apesar de parecerem pequenos, causam muito mal ao país e a todos nós. É a dignidade do guineense que está em causa.
Há questões para os quais todos nós devemos congregar sinergias e fazer algo para que a mudança dessa imagem seja uma realidade. Dizer as coisas baseando-nos nos factos, pensar muito em como combater a especulação. Exigir a correção. Se não for, vamos continuar num ciclo vicioso, quem é o culpado? O país está assim, porquê?
Porque todos somos culpados. Um está a frente, porque nós o pusemos lá e quem é mais culpado? Temos que a assumir a culpa e em conjunto buscar soluções para essas coisas, se não fizermos isso vamos continuar assim…Vamos fazer eleições amanhã e aparece outro indivíduo como o salvador da pátria, seis meses depois lá estamos nós a insultá-lo.
No meu caso as pessoas organizaram-se para me humilhar no Estádio 24 de Setembro. Acredito que 90% daqueles jovens que gritavam lá não me conheciam de facto e nem sabiam quem é o Serifo Nhamadjo. Foram instrumentalizados, porque alguém tinha o objectivo político de fazer isso. Fez alguma coisa melhor do que aquilo que eu fiz? Não! Eu fiz um esforço unindo o povo guineense para chegar ao ponto a que chegámos, fazer umas eleições transparentes.
Cá estou sentado na minha casa, mas quem fez mais? Foi quem contribuiu para que a estabilidade fosse possível ou aquele que está a tomar a estabilidade para destruí-la? É preciso fazer todas estas análises. Portanto, é preciso que nos sentemos para discutir. Porque cada um de nós tem a sua meia culpa, mas também tem algum aspecto positivo que pode dar como contributo para o bem de todo o país.
…
(Nb: a segunda e última parte da entrevista, na próxima edição)
Por: António Nhaga/Assana Sambú e Sene Camará
Foto: Marcelo N’ Canha Na Ritche