terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

UM INESPERADO ALIADO DO BOKO HARAM?

Corrupção, deserções, abusos, condenações em tribunal. As forças militares nigerianas estão a desintegrar-se, e, num rumo posto, o Boko Haram não para de crescer. Longe de ser parte da solução, como se esperaria, o exército da Nigéria é antes uma parte da crise que se abateu sobre o país.

Há 80 mil homens, duas dezenas de aviões de combate e oficiais altamente qualificados. Olhando para estes dados, é difícil compreender porque é que os militares nigerianos não conseguem subjugar o Boko Haram. Em teoria, têm todos os meios. E, também em teoria, o grupo nunca deveria ter tido possibilidades de se tornar em algo diferente daquilo que era no início: uma seita local, em guerrilha contra os símbolos do Estado.

Mas a teoria não é em nada semelhante à prática, e o próprio exército nigeriano tem contribuído grandemente para a ascensão do grupo. Dividido e corrupto, é também o maior fornecedor dos rebeldes islâmicos. A gestão desastrosa de meios e de estratégias no campo de combate tem tido consequências gravíssimas para as populações do norte, e aparentemente os militares só encontraram uma alternativa: recorrer aos combatentes jihadistas para a sua própria proteção.

Das cerca de 11 mil vítimas mortais nos últimos seis anos (4000 apenas até 2014, segundo a Amnistia Internacional), é difícil saber quantas foram provocadas pelo exército. Neste conflito, que aconteceu até agora «à porta fechada», é impossível definir com precisão as circunstâncias da morte de cada um. Apenas uma coisa é certa: os civis são as primeiras vítimas, por hipocrisia ou falta de discernimento por parte dos homens que deveriam protegê-los. Ao incentivar a criação de milícias de autodefesa, nas quais se baseia para obter informações sobre a terra que tenta, sem êxito, controlar, o exército levou o Boko Haram a voltar-se ainda mais contra o povo, que era até aí relativamente poupado.

Samuel Nguembock, investigador associado do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS), em Paris, explica: «Antes do Boko Haram, o exército era, sim, corrupto, mas ainda assim coordenado, rigoroso e profissional, e a cadeia de comando era respeitada. A expansão do Boko Haram em 2009 e durante as tensões pós-eleitorais de 2011 foi um golpe para a organização». O «golpe» a que Nguembock se refere foi tal que hoje é difícil ver o exército nigeriano como um corpo, um grupo unificado. «Goodluck Jonathan (Presidente da República) não tem controlo sobre o pessoal do exército e o Estado-Maior também não controla as tropas no terreno», refere Marc-Antoine Perouse de Montclos, investigador do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD), em Paris, e especialista na Nigéria.

As derrotas dos soldados
 
Muitas são as histórias de oficiais que fogem de operações contra o Boko Haram. Como se podem, então, estranhar as regulares derrotas militares? Ao desistir da luta – e das armas – o exército tornou-se o principal fornecedor de equipamentos do grupo islâmico. Os soldados, por vezes privados do seu salário, vendem armas aos rebeldes, e os próprios oficiais, organizados em cadeias de interesses pouco escrupulosas, fazem o mesmo. E a «cooperação» não fica por aqui: «Há poucas ou nenhumas dúvidas de que alguns militares nigerianos, essencialmente os descontentes ou os corrompidos, informam o Boko Haram sobre os movimentos do exército», diz um diplomata em Abuja, a capital, sob anonimato. «Por outro lado, os militares têm informadores dentro do grupo, mas usam-nos principalmente para se proteger, não para programar estratégias».
 
Resultado: enquanto a comunidade internacional considera cada vez mais fortemente a hipótese de avançar com uma operação sob os auspícios da ONU, os militares nigerianos também nunca estiveram «sozinhos». E, temendo que soldados da Nigéria possam ser treinados pelos rebeldes para cometerem crimes, ou que façam parte de unidades de corrupção, os EUA pararam o treino militar na região em dezembro.
 
Com a França e o Reino Unido, por outro lado, a Nigéria criou uma célula de informações. «Mas não percebemos que uso dão às informações que lhes fornecemos», diz, irritado, um oficial francês.
 
A Amnistia Internacional afirma mesmo que os ataques em Mubi, Baga e Monguno poderiam ter sido evitados. «Os funcionários da base militar de Baga informaram regularmente os quartéis-generais do exército, em novembro e em dezembro de 2014, sobre a ameaça de ataques do Boko Haram, e solicitaram reforços repetidamente», diz a ONG. Mas esses apelos nunca tiveram resposta. Fonte: Aqui