Numa altura em que a temperatura resultante da colisão nas relações entre o Presidente da República, Dr. José Mário Vaz (JOMAV) e o Primeiro-ministro, Eng.º Domingos Simões Pereira, atingiu o ponto de ebulição, só faltava mesmo o “Comunicado à Nação” do chefe do Governo, para desencadear o processo de desintegração da elite que governa o País. O momento é deveras interessante e desafiador, por constituir uma novidade política que coloca a prova a moral, a ética e a dignidade de quem pretende representar a Nação ao mais alto nível.
Acontece que nesse nível (o mais alto), as exigências do exercício do Poder são tão implacáveis, ao ponto de nos privar dos Direitos Civis inerentes ao cidadão comum, cujos interesses representamos, em virtude da inerência do papel que desempenhamos na sociedade. Nesse nível, os erros custam muito caros e a iminência da queda é sempre maior do que as probabilidades de uma posterior ascensão. Convém acautelar os passos, porque sempre que somos confrontados com o imperativo de assumir responsabilidades pelos nossos erros, o cenário a nossa volta muda-se radicalmente, torna-se insustentável, ameaçando desmoronar o Mundo que almejamos construir a nossa volta.
O Servidor Público que actua nesse nível, quando confrontado com a justiça, à semelhança de qualquer outro cidadão, goza do pleno direito de evocar a presunção de inocência, desde que abandone o Poder e se coloque nas condições de um cidadão comum, privando-se assim dos instrumentos que lhe permitiriam influenciar o desfecho da justiça – Este é um dos pontos de discórdia entre o Presidente da República que exige a demissão de todos os arguidos que integram o elenco governamental e o Primeiro-ministro que insiste em mantê-los no Governo, protegendo-os e defendendo-os da justiça.
Relativamente a pretensão do Presidente da República de estabelecer controlo sobre as actividades financeiras do Governo, na ausência de uma oposição parlamentar preparada e interessada em o fazer, assim como de credíveis mecanismos e instrumentos de controlo legalmente instituídos, é salutar, porque ajuda a combater a corrupção e a imprimir maior transparência na gestão do Bem Público.
O Primeiro-ministro foi muito infeliz, quando numa das passagens do seu famigerado “Comunicado à Nação”, referiu o caso do regresso do Sr. Zamora Induta como um dos motivos do desentendimento que o opõe ao Presidente da República, quando na realidade esse regresso, ainda que alarmante (devido ao timing escolhido para o efeito), não tem qualquer relação com um conflito que arrasta há mais de dez meses e, a sua alusão pretende simplesmente envolver mais uma vez o referido senhor que é um militar de carreira num diferendo político, com todas as suas consequências.
Certamente que Zamora Induta não se deixará prender eternamente nas algemas do passado, envolvendo-se mais uma vez, ingloriamente, em violências gratuitas que, como demonstra o historial do nosso País, em virtude da nossa reconhecida incapacidade de gestão de situações e acontecimentos históricos, resulta sempre em nada absoluto:
- A independência Nacional transformou-se em catástrofe nacional;
- O 14 de Novembro transformou-se numa autêntica desgraça para o País;
- O conflito armado de 7 de Junho de 1998 destruiu os alicerces do Estado e deixou o País a deriva;
- O golpe de Estado de 12 de Abril de 2012 arruinou a economia nacional, obrigando-nos à um novo começo;
O uso da violência revelou-se impróprio e ineficaz na resolução de diferendos políticos, pelo que urge manter as forças armadas a margem dessas disputas e eleger exclusivamente o diálogo como instrumento fundamental na busca de soluções consensuais e duradoiras que visam o estabelecer da concórdia nacional – não podemos continuar a cometer tranquilamente os erros do passado ou a cometer novos erros, convencidos da nossa impunidade, porque os tempos mudaram e a actual conjuntura impõe regras mais exigentes no relacionamento sociopolítico, com base nos princípios do Direito Nacional e Internacional.
Na Guiné-Bissau, divergências salutares que pela sua essência, contribuem para enriquecer o princípio democrático de interacção política, desembocam em conflitos políticos, em virtude da falta duma classe política portadora duma cultura baseada no diálogo e na tolerância. Facto agravado ainda mais pela ampla envolvência de forças estranhas à política (militares, paramilitares, etc.) na resolução de diferendos políticos, recusando assim a nossa jovem democracia uma oportunidade para se amadurecer e se afirmar como um sistema dinâmico, que a semelhante do existente noutros países, se caracteriza por debates públicos, choques de ideias, divergências de opiniões, moções de censuras, dissoluções da Assembleia, exonerações de Primeiros-ministros e as consequentes quedas dos respectivos Governos, convocações de eleições antecipadas, impugnações, etc., sem contudo ameaçar a Paz e a Estabilidade Social.
“Aprender na vida, aprender junto do nosso povo, aprender nos livros e na experiência dos outros, aprender sempre”.
“Amílcar Cabral”
Bem-haja a todos!