sábado, 11 de março de 2017

MULHERES HORTÍCOLAS SENTEM-SE “ABANDONADAS” PELAS AUTORIDADES DO PAÍS

[REPORTAGEM: março 2017] A falta de água suficiente para irrigar legumes nos campos hortícolas da capital Bissau dificulta o trabalho das mulheres hortícolas, pelo que clamaram pela água junto das autoridades para ‘salvar’ os seus legumes e consequentemente sustentar as suas famílias que vivem do rendimento desta atividade.
 
Uma equipa de repórteres do semanário ‘O Democrata’ deslocou-se este fim-de-semana aos campos hortícolas para inteirar-se do assunto, sobretudo das dificuldades enfrentadas nos seus trabalhos que se complicou ainda mais por falta da água. A nível da capital Bissau existem três grandes campos hortícolas, designadamente: Campo de Granja de Pessubé, Campo de ‘Manél iagua – Manuel Água’ e o Campo de Bairro de ‘Tchada – Achada’.
 
Cada campo hortícola tem uma associação criada para ajudar na orientação do trabalho, como também é uma forma de conseguirem apoios da parte das Organizações Não Governamental que exige a organização das mesmas para poderem beneficiar de apoios.
 
Apenas as mulheres inscritas na associação que podem fazer a produção dentro do campo e ao mesmo tempo beneficiar dos apoios doados pelas ONG’s, portanto as mulheres que não inscreverem na associação trabalham fora do perímetro do campo e não recebem nenhum apoio bem como não usam água do campo, ou seja, são obrigadas a fazerem pequenos furos de poços improvisados nos seus respectivos campos.
 
Apenas as mulheres que possuírem parcela do terreno dentro do perímetro, são admitidas a se inscrever como associadas. O campo fora entregue às mulheres há muitos anos para a produção de legumes por parte das autoridades, no entanto, quando a proprietária do espaço morre, é herdada por um membro da família.
 
FALTA DE ÁGUA PREJUDICA LEGUMES NOS CAMPOS HORTÍCOLAS E LEVA MULHERES EM DESESPERO
 
 A falta da água prejudica legumes nos campos hortícolas e leva as mulheres em desespero de perder as suas plantações, onde conseguem obter alguns rendimentos financeiros para ajudar na sobrevivência da família e na educação dos filhos.
 
A dificuldade da água reduz igualmente a capacidade da produção das mulheres hortícolas, que garantiram ao repórter que se houvesse um sistema de fornecimento da água seguro da parte das autoridades fariam uma grande produção para abastecer o mercado da capital e transportar para as grandes regiões do país.
 
As mulheres que estão fora do perímetro são as mais prejudicadas pela falta da água e razão pela qual, algumas mulheres acabam por recorrer a água imprópria para irrigar as suas plantações, facto que foi constatado pelo repórter num campo hortícola que se encontra atrás do liceu ‘Samora Moisés Machel’ em Bissau. A equipa de repórter viu uma mulher apanhar água que sai do esgoto da casa de banho das instalações da ONG INDE para irrigar as suas plantações.
 
Confrontada pela repórter, a mulher confessou que usa aquela água apenas para irrigar a malagueta (piripiri), contudo garante que não usa a mesma água para irrigar alface e outros legumes.
 
Outra situação confrontada no terreno pela equipa de reportagem tem a ver com a falta de segurança quer para as mulheres que ali trabalham, bem como para os campos hortícolas que frequentemente são violadas para roubar legumes por parte das pessoas não identificadas até hoje.
 
Essa situação deixou preocupada as mulheres, que entretanto, classificam o ato da ‘falta de vergonha’ assaltar o campo de produção das mulheres, que labutam para dar de comer aos seus filhos e ajudar na educação dos mesmos.
 
SWISSAID FORMA MULHERES HORTÍCOLAS NA ÁREA DE GESTÃO FINANCEIRA
 
A Organização Não Governamental Suíço de Ajuda para o Desenvolvimento (SWISSAID), apoia as associações de três campos hortícolas da capital com a formação na área gestão financeira.
 
Um grupo de mulheres provenientes das três associações dos campos hortícolas da capital e as mulheres da associação do campo hortícola de Ponta Rocha, sector de Safim (região de Biombo, norte do país) que dista a menos de cinco quilómetros de Bissau, receberam a formação numa sala da reunião do campo de Granja de Pessubé.
 
A iniciativa visa capacitá-las para saberem lidar com um pouco de dinheiro que ganham desta atividade de produção e venda de legumes. Inicialmente as mulheres exerciam essa atividade com o intuito de ajudar na sobrevivência da família em casa, mas agora a maioria consegue através da mesma fazer outras atividades geradoras do rendimento, por isso a organização suíça engajou-se em formar as mulheres na área da gestão financeira.
 
As mulheres que não estão na associação e que igualmente não beneficiam destes apoios sentem-se excluídas, ou seja, descriminadas por suas colegas. No entanto, uma mulher hortícola que não faz parte da associação, disse ao repórter que ajuda das ONG’s deveria ser estendida para todas as mulheres que praticam produção hortícola, porque no seu entender, “ninguém é obrigada a entrar na associação e quem não quer pode fazer o seu pequeno campo fora e produzir seus legumes”.
 
REGINA DIAS PEDE AJUDA DO GOVERNO PARA QUE POSSAM CONTINUAR A TRABALHAR
 
A presidente da Associação das Mulheres de Campo Hortícola de Granja de Pessubé, Regina Dias, disse na entrevista que a atividade da produção hortícola que as mulheres exercem é importante para elas, porque através da mesma conseguem ajudar hoje na educação dos seus filhos e na sobrevivência do dia-a-dia da família em casa.
 
Sobre a dificuldade da água para irrigar seus legumes, Regina Dias explicou que uma certa quantidade das suas produções acaba por  morrer por falta da água. Acrescentou ainda que num campo de produção em que se podia conseguir grande quantidade de legumes produzidos e acabam por não obter quase nada por causa da água suficiente para irrigar os legumes.
 
“Essa situação é muito fatigante e leva a pessoa no desespero, porque leva-se todo o tempo a trabalhar e no fim não conseguir nada. Não sabemos o porque é que as autoridades deste país nos despreza e nem sequer preocupam em nos ajudar pelo menos garantir-nos água suficiente para irrigarmos os legumes”, lamenta a responsável da associação de campo hortícola de Granja.
 
Informou neste particular que durante os meses de Março, Abril e Maio sofrem mais com a falta da água, tendo assegurado que é neste período que se regista a queda dos legumes nos mercados da capital devido a queda da produção nos campos.
 
“Se tivéssemos água suficiente estaríamos em condição de produzir durante todo o ano e produzir em grande quantidade para abastecer os mercados da capital e das regiões. Eu lembro que recentemente recebemos painéis solares da ONG ROTARY para bombar a água, mas infelizmente os painéis não têm capacidade de fornecer energia suficiente para bombar água”, notou.
 
Assegurou ainda que se houver uma ajuda do género com painéis que conseguem fornecer energia suficiente para bombar água seria muito importante, por isso apelaram as autoridades de ajudá-las neste sentido.
 
Regina Dias informou ainda que a electrobomba que tinham está com problemas técnicas já há três anos e sem com o mesmo seja concertado, tendo recordado que beneficiaram de apoio das ONG’S SWISSAID e ROTARY que lhes construiu poços tradicionais que as permite conseguir água para irrigar os legumes.
 
Relativamente a situação da higiene ou a forma de cuidar com os seus produtos, Dias explicou que recebem frequentemente  formações do domínio de higiene e mesmo assim, sustenta que sempre pedem formação naquela área e, sobretudo a forma de tratamento dos legumes, que no seu entender precisa de mais cuidados.
 
Regina Dias aproveitou igualmente o microfone do repórter para denunciar o roubo que sofrem da parte dos jovens delinquentes, contudo pede apoios da parte das autoridades e, sobretudo para vedar o perímetro do campo.
 
HORTICULTORAS PEDEM PROIBIÇÃO DE IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS HORTÍCOLAS DO SENEGAL
 
As associações de três campos hortícolas da capital Bissau e da Ponta Rocha, aproveitaram o nosso jornal para pedir o Governo guineense de proibir a importação de produtos hortícolas do Senegal para a Guiné-Bissau. A ideia visa incentivar a produção interna, mas avançaram ainda que é necessário um engajamento sério da parte das autoridades no sentido de dinamizar a produção.
 
Pediram igualmente a ajuda do executivo na organização dos campos hortícolas bem como a criação de condições para o bom funcionamento de electrobomba nos campos, porque de acordo com as mulheres, só assim é que estarão a altura de trabalhar para abastecer o mercado nacional.
 
“Produtos do Senegal estão a ganhar o terreno no mercado nacional, mas temos a certeza que é muito mais carro, se fizemos as contas do preço no mercado e os custos de transporte. Esses produtos em termos de qualidades não são superiores aos nossos produtos. Não usamos os produtos químicos como fazem os senegaleses, por isso é que os consumidores guineenses  devem compreender que produzimos coisas naturais”, explicou uma das responsáveis da associação.
 
Apelou ainda o executivo guineense no sentido de ajudar a organização com frigoríficos para a conservação dos produtos, como também com as viaturas de frigóricos que serve de transportes de produtos para os mercados da capital e a nível das regiões.
 
“Os nossos produtos estragam sempre por falta do local apropriado para a sua conservação. É por isso que necessitamos de frigórico para conservar os legumes. Aqui usamos as carinhas de mãos para retirar os produtos do campo para o mercado e as vezes usamos baldes”, explicou.
 
A equipa de repórteres do Jornal ‘O Democrata’ apurou que algumas mulheres contraiam doenças por falta de conhecimento sobre a forma de trata fertilizantes, no entanto, informaram que graças as formações sabem agora preparar os seus fertilizantes facilmente.
 
HORTICULTORAS DE PONTA ROCHA PREOCUPAM COM GADOS INVADEM SEUS CAMPOS
 
A responsável do campo hortícola de Ponta Rocha, em Safim, Judite Oliveira disse ao repórter que a maior preocupação dos seus associados tem a ver com a invasão dos gados no campo e que acaba por estragar completamente os legumes. Frisou que a referida sempre cria conflito entre horticultoras e dondos de gados, que não assumem a responsabilidade de pagar os danos causados pelos seus gados.
 
“Temos um campo de quatro hectares que exploramos para a produção de legumes, mas infelizmente não está vedado. Os gados entram no campo, comem e estragam os produtos sem mais e sem menos”, informou a Oliveira.
 
Uma das dificuldades levantadas pela responsável de campo de Ponta Rocha, tem a ver com a ausência do mercado para a venda exclusiva dos produtos hortícolas, que no seu entender, facilitará as produtoras e inclusive as vendedeiras.
 
“Quem quer vender o produto tem de sair aqui antes das 5h00 de manhã para os mercados de Bissau e caso contrário não consegue espaço para vender os seus produtos. Essa situação é difícil e corremos sérios de riscos de vida, para além, da perturbação dos agentes da Câmara Municipal de Bissau que não nos deixem tranquilo”, lamenta a responsável do campo de Ponta Rocha, para de seguida reconhecer que atividade é rentável e conseguem ganhar dinheiro para ajudar na educação dos seus filhos.
 
CONSTRUÇÃO DE  FUTURA ‘AVENIDA JOÃO BERNARDO VIEIRA’  LEVA ÁGUA SALGADA PARA O CAMPO DE CHADA
 
Luísa Manuel da Silva, presidente da Associação  de Mulheres do Campo Hortícola de Chada (Tchada), informou que a construção da Avenida João Bernardo Vieira pela empresa Areski destruiu completamente os diques que protegiam a entrada da água salgada para o campo.
 
Contou ainda que os seus campos sofrem sempre a inundação da água salgada, pelo que apelou as autoridades no sentido de ajudar na preservação do campo de maneira que é a partir daquele trabalho que conseguem obter alguma coisa para sobreviver.
 
Sublinhou, no entanto, que uma das preocupações das mulheres que trabalham naquele campo tem a ver com os conflitos frequentes com os pastores de gados que passam no perímetro do campo com os gados. Frisou ainda que sofrem o problema de roubo dos seus legumes da parte das pessoas desconhecidas, que de acordo com a responsável, não sentem a vergonha de roubar os produtos das mulheres.
 
ONG “AMAE” PROMETE APOIAR MULHERES HORTICULTORAS
 
Secretário permanente da Confederação das Associações das Mulheres que Exercem Atividades Económica (AMAE), Duarte Mansoa disse na entrevista ao nosso jornal para falar dos apoios que a sua organização concede as mulheres hortícolas, que a sua organização trabalha com todas as mulheres e organizações em todo o país que exercem a atividade económicas
 
“Reconhecemos as atividades económicas que estas mulheres inscritos na nossa organização fazem, quer de forma coletiva ou individual. Deslocamo-nos sempre ao terreno para conhecer de perto os trabalhos desenvolvidos pelas mulheres e principalmente para as hortícolas, inteirar das dificuldades que as mesmas atravessam e daí através dos parceiros é que conseguimos os meios para lhes ajudar”, explicou.
 
Em relação a falta de água deparada pelas mulheres nos campos, garantiu que conseguem resolver a situação do género nas regiões. No entanto, avança que a nível da capital enfrentam a dificuldade de conseguir os parceiros para apoiar financeiramente os projetos de furos da água.
 
 
Por: Tiano Badjana/Epifânia Fernandes Medonça
Foto: Marcelo Ncanha Na Ritche