O partido Frelimo, no
poder em Moçambique desde a sua independência, em 1975, sofreu profundas
alterações político-ideológicas com a ascensão de Armando Guebuza à sua máxima
liderança. Com efeito, e segundo a opinião generalizada dos nossos mais
proeminentes pensadores políticos, muito do que a Frelimo hoje é, em termos de
s...olidez e pujança política, deve precisamente ao papel mobilizador que
Guebuza teve, desde os preliminares para a sucessão de Joaquim Chissano na liderança
do partido e do Estado moçambicano. Ele fez um trabalho muito exaustivo de
resgate das massas militantes e simpatizantes dos períodos áureos da revolução
anti-colonial (antigos combatentes, OMM), de mobilização juvenil e de atracção
do eleitorado desiludido com as formações políticas da Oposição, facto que
mereceu o “retumbante” triunfo para si e para o seu partido nos pleitos
eleitoriais de 2004 e de 2009. Durante a sua governação, Guebuza alimentou
expectativas generalizadas assentes sobretudo em slogans como o combate à
pobreza, à corrupção e ao “deixa-andar”, insinuando uma ruptura com o período
transitório de reconstrução nacional do pós-guerra civil e uma aposta na
aceleração do desenvolvimento sócio-económico do país. Era chegado, segundo ele,
o “tempo de correr”. Guebuza apostou numa estratégia de marketing político que
privilegiava o populismo - as suas “presidências abertas e inclusivas” de
natureza puramente retórica e propagandista, bem como os “7 milhões” alocados
aos distritos mas que no fundo têm sido uma retribuição monetária à troco de
apoio eleitoral e conservação da lealdade política local, são disso exemplo.
Guebuza transformou-se na cara mais sonante (senão a única) da Frelimo,
chegando nos últimos tempos a tornar-se pessoalmente muito mais forte do que a
sua estrutura partidária. Este facto também institucionalizou-se ao nível do
Aparelho de Estado, onde a “divinização” do mais alto magistrado da nação e a
“adopção” de células do seu partido como estruturas locais de exercício de poder
paralelo têm sido os exemplos mais paradigmáticos.
Nos últimos tempos, uma
facção cada vez mais crescente de cidadãos têm expressado o seu profundo
descontentamento com a “promessa Guebuziana”. Com efeito, a sua governação tem
sido desastrosa e decepcionante a quase todos os níveis. Guebuza não soube
manter os elevados índices de popularidade nem responder de modo satisfatório
às altas expectativas que criou junto do seu eleitorado (principalmente dos
maiores centros urbanos do país, maioritariamente junto a uma juventude cada
vez mais formada e informada). A sua governação, particularmente a partir do
segundo mandato, entrou em colapso e, pese embora tenha capitalizado o sector
das infra-estruturas, a vertente social das suas políticas públicas tem andado
em contramão: manifestações populares sucessivas (em 2008, em 2010 e mais
recentemente, em Outubro de 2013), greves no sector da saúde, a educação em
descrédito, a eterna crise nos transportes, a corrupção impune, os níveis de
desemprego em ascensão espiral, o sector agrícola morribundo, a captura do
erário público por interesses privados associados ao partido no poder, a ordem
e segurança pública em colapso, a criminalidade urbana e a perniciosa tensão
político-militar em que actualmente o país se encontra, dentre outros factos,
espelham o catastrófico “status quo”. A perda dos municípios da Beira e de
Quelimane expressam, igualmente, o abismo político em que o partido no poder
parece estar a entrar de cabeça.
A popularidade e a
legitimidade de Guebuza está, literalmente, em queda livre. O mesmo se pode
dizer da Frelimo, que tem nos últimos tempos andado funcionalmente à reboque do
“todo-o-poderoso” Guebuza. Por essa via, e com o intuito de se manter no poder,
o regime tem presentemente lutado à todo o custo pela operacionalização de uma
desesperada estratégia de resgate da imagem do seu rosto - o “guia
incontestável” Guebuza – através de uma contra-ofensiva nos órgãos de
comunicação social pública (reformando os órgãos dirigentes de alguns)e privada
(destacando quadros de estrita confiança para o seu corpo de direcção),
infestando-lhes de “esquadrões de propaganda” escolhidos a dedo e com termos de
referência muito claros e objectivos: difundir até à saciez nacional as boas
obras do “filho mais iluminado da nação”, divinizando e atribuindo exclusiva e
inquestionavelmente à ele os louros do desenvolvimento nacional, bem como
exterminar toda e qualquer manifestação de descontentamento, repúdio ou
oposição ao pensamento de orientação única apregoado pelo sistema.
Hoje em dia, Guebuza é
tão forte quanto a Frelimo. Nalgumas vezes é até mais forte. É precisamente
esse excessivo poder nas suas mãos, real ou artificial (pode até ser uma
construção mental criada pelos seus subordinados, correligionários e admiradores)
que tem estado a fragilizar institucionalmente este partido. Pelo que temos
vindo a assistir, nas suas intervenções públicas, esta ilusão de poder parece
estar a encegá-lo. Guebuza, quando em contacto directo com pessoas por fora do
seu círculo restrito de socialização - particularmente os jornalistas – tem
aparecido desorientado e isolado, retoricamente confuso e focado sobretudo em
lançar farpas e adjectivos politicamente desaconselháveis aos seus mais
fervorosos críticos. Com efeito, os “lambe-botas” das suas relações o
hipnotizam, os ideólogos seniores do partido o criticam abertamente e fora das
“estruturas” partidárias, os eternos companheiros da revolução como Joaquim
Chissano remetem-se a um silêncio ensurdecedor, os membros e militantes jovens
se têm decepcionado em frequência literalmente diária, os pesos-pesados do
partido como Graça Machel têm exigido muito mais dele e da sua governação, as
massas urbanas e a larga escala da opinião pública nacional o contestam,
desrespeitam, ridicularizam e responsabilizam directamente pelo colapso
governativo.
Hoje, mais do que o
escudo proteccionista de Chefe de Estado, Guebuza é ele mesmo a Frelimo.
Politicamente, ter deixado isto acontecer pode ter sido um erro colossal deste
partido e para cuja correcção o tempo parece estar a ser extremamente exíguo.
Nestes dois mandatos da governação e da liderança partidária de Guebuza, a
Frelimo parece ter-se esquecido que em qualquer organização política os líderes
passam mas as instituições permanecem. Isto pode trazer consequências
desastrosas para o partido, nos pleitos eleitorais que se avizinham e
constitui, para mim, o maior desafio de sobrevivência para o partido. Com
efeito, Guebuza é actualmente um “órgão” vital da Frelimo e a sua há muito
anunciada morte política pode matar (ou está mesmo a matar) paulatinamente este
partido. (In)felizmente.