Milhares de minúsculas
tartarugas-verdes atravessam o areal e as rochas da ilha de Poilão, na
Guiné-Bissau, apressadas e aos tropeções, em direcção ao mar. São
recém-nascidas: acabaram de sair dos ninhos escavados na areia pelas mães, onde
elas colocaram 120 a 130 ovos de cada vez. Quem observa, chama-lhe um
“espectáculo” real sobre a vida, sem ensaios e em cena desde tempos remotos.
Todas as noites, especialmente
entre Agosto e Novembro, o cenário repete-se na ilha deserta, apenas vigiada
por um acampamento de biólogos, que, nalgumas datas, acolhe pequenos grupos de
turistas autorizados a visitar a ilha do arquipélago dos Bijagós. Com um
perímetro de cerca de três quilómetros, Poilão está a cerca de 50 quilómetros
ao largo da costa continental guineense e é o extremo mais a sul dos Bijagós.
Nalgumas noites, os
funcionários do Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas (IBAP) da
Guiné-Bissau chegam a contar a passagem de 500 tartarugas mãe para desovar: uma
visita à ilha de cerca de uma hora para fazerem o ninho nas zonas mais altas
dos areais. Pesam em média 150 quilos, chegam a ter mais de um metro de
comprimento e as mais velhas podem alcançar os 80 anos.
Pelo caminho, areal acima,
cruzam-se com os filhos [de posturas anteriores] em sentido contrário, atraídos
pelo brilho do mar, onde vão passar a maior parte das suas vidas.
“Os filhotes saem durante a
noite, quando a temperatura desce e quando há menos predadores”, explica
Betânia Ferreira, bióloga marinha portuguesa e assistente técnica do IBAP.
“Fazem cócegas”, refere uma
visitante sob a luz de uma lanterna, com os pés quase cobertos pelas minúsculas
tartarugas, impossibilitada de se mexer enquanto elas não passarem, para não
machucar nenhuma. Ao lado, outro membro do grupo descreve o cenário como um
“espectáculo” da vida natural.
Quando o Sol nasce, ainda há
muitos animais aprisionados no labirinto formado por zonas rochosas. São os
biólogos do IBAP e os visitantes que os ajudam: são animais minúsculos, cabem
aos três e quatro numa mão, mas são difíceis de segurar porque nunca param de
se agitar, procurando o mar.
As tartarugas “são fiéis ao
local onde nascem e como a ilha foi sempre protegida” pelos residentes do resto
do arquipélago, as colónias conseguiram manter-se, livres da pressão humana,
num local onde as mães regressam todos os anos, refere Betânia Ferreira, ao
explicar a concentração de tartarugas-verdes em Poilão.
Na noite de Outubro em que a
agência Lusa passou pela ilha, “foram detectadas 77 tartarugas mãe”, de acordo
com o bloco de notas de Castro Barbosa, biólogo guineense e director do Parque
Natural de João Vieira e Poilão. “Não foi muito, já chegámos a ver mais de 500
por noite”, sobretudo no início da época de desova, em Agosto.
A tartaruga-verde (Chelonia
mydas) está ameaçada a nível mundial e a ilha de Poilão é “uma das grandes
maternidades” da espécie, o que justifica o acompanhamento por parte dos
funcionários do IBAP e de outros investigadores. O trabalho aqui é financiado
pela fundação internacional para a natureza MAVA e pelo Instituto Universitário
de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida (ISPA) de Portugal.