quarta-feira, 1 de julho de 2015

PARA ONDE VAI A COMIDA AFRICANA?

África tem potencial para ser o «cesto de comida» do mundo. Mas os desafios para atrair investimento continuam a ser enormes, e é difícil garantir que novos negócios venham a ser um benefício para o continente, refere a African Business Magazine (ABM).
 
Há vinte anos, Kim Johannes, um dinamarquês perito em conflitos, chegou ao Uganda. A agricultura não lhe parecia, de todo, um negócio viável. O país estava a recuperar de uma crónica instabilidade pós-independência. Os conflitos mantinham-se no norte, onde o Exército da Resistência do Senhor (LRA), de Joseph Kony, parecia imparável. Johannes, na altura voluntário, foi enviado para aquela região, e recorda que à sua volta via apenas pobreza e sofrimento. «Era assustador. Vim porque não tive escolha», diz à ABM.
 
Vinte anos mais tarde, a história é outra. O mesmo lugar tornou-se num hub lucrativo para as atividades agrícolas, e este dinamarquês é hoje um agricultor muito bem-sucedido. Dirige a AFGRI, uma empresa agrícola sul-africana, e trabalha com agricultores locais na produção de grãos de alta qualidade, que são consumidos a nível nacional e também exportados para 15 países, em várias partes do mundo.
 
De acordo com Johannes, o sucesso que tem atualmente teria sido impossível sem os inúmeros erros cometidos antes, que, diz, o ajudaram a reconhecer a importância de «perceber a comunidade». Acredita que é essa a chave para investimentos bem-sucedidos no setor agrícola africano. «Os investidores estrangeiros cometem o erro de acharem que podem comportar-se como na Alemanha, ou na Dinamarca, e com isso erguem grandes barreiras. Cometem o erro de serem muito arrogantes e demasiado europeus», explica, acrescentando que a realidade africana é muito diferente daquela que os media veiculam. «Há aqui tanto potencial. Há toda esta terra fértil, que não é utilizada em pleno por falta de capacidades ou de capital», refere. «A sub-região de Acholi (no norte do Uganda), sozinha, podia alimentar todo o país, a RDC e o Sudão do Sul. O continente agora é mais seguro – e a agricultura pode tirar as pessoas da pobreza e acabar com a insegurança alimentar.»
 
O «cesto de comida» do mundo
 
De acordo com o Relatório do Progresso em África de 2014, 60% das terras aráveis por cultivar estão em África, o que significa que o continente tem potencial para se tornar no «cesto de comida» do mundo. Em teoria, África pode responder às necessidades alimentares da população mundial, em crescimento.
 
O relatório revela também que a agricultura em África está a começar a atrair a atenção necessária para alcançar este potencial transformador, mas a FAO estima que o investimento ainda terá de aumentar pelo menos 50%. A agência da ONU refere ainda que apenas 5% do investimento direto estrangeiro (IDE) em África é direcionado para a agricultura. O setor atrai parceiros ocidentais como o Reino Unido, os EUA, a Holanda ou a Alemanha, e também apoios da Índia, do Brasil ou da China. Ainda assim, o IDE na agricultura africana, mesmo estando a aumentar, continua a ser reduzido, e a agricultura é feita sobretudo em pequenas explorações e por habitantes locais.
 
Mas a ideia do «agroempreendedorismo» está cada vez mais na ordem do dia. Os governos estão a envolver-se com grandes parceiros de desenvolvimento para estimular o potencial do setor, apostando na população jovem, direcionando-a para a agricultura.
 
Numa campanha para melhorar a imagem do setor agrícola no Uganda, por exemplo, uma jovem modelo nacional tornou-se o novo «rosto» da agricultura. Além disso, há comerciantes e agricultores estrangeiros também envolvidos nesta nova imagem agrícola do continente, quebrando estereótipos e mudando-se para as regiões mais humildes, onde cultivam e vivem com os locais.
 
«As pessoas ouvem histórias de agricultores estrangeiros bem-sucedidos e sentem-se inspiradas para começarem os seus próprios projetos. Acham que, se um forasteiro chega aqui e consegue fazer dinheiro, elas também vão conseguir», diz Otto Labejja, um pequeno agricultor e editor do jornal ugandês New Vision, à ABM.
 
Todas estas ajudas estão a mudar, lentamente, a perceção sobre a agricultura no continente, mas Rony Oved, diretor da Agromax, uma empresa de aconselhamento para agricultores nacionais e estrangeiros, sublinha à ABM que ainda há muitos entraves ao crescimento. Os desafios em termos de infraestruturas, por exemplo, são inúmeros, diz. «Temos de ser muito ponderados. E de encontrar formas de obter a nossa própria água e a nossa própria eletricidade. E temos de ser nós a trabalhar nos acessos, se queremos estradas melhores e ligações mais fáceis aos campos. Há ainda muitos problemas», refere.
 
Quem está a ser alimentado pelo continente?
 
O Banco Mundial, entre outras entidades, acredita que o IDE é importante para promover uma competição saudável no setor agrícola. Mas este investimento em África não está livre de críticas. Os investidores são, por exemplo, acusados de extorquir terras, assinar acordos duvidosos com os governos e infringir regras laborais nacionais e internacionais.
 
Em 2012, a Oxfam avisou que, nos países mais pobres, os investidores compravam terras do tamanho de Londres a cada semana, e disse que isto estava a ameaçar os esforços para combater a insegurança alimentar. A FAO também referiu que a maioria dos produtos cultivados como resultado do IDE é exportada em vez de ser usada para alimentar os africanos. A agência diz que, se estes métodos de investimento não forem revistos, os agricultores africanos continuarão em desvantagem.
 
Em 2013 foi formada a Nova Aliança para a Segurança Alimentar e a Nutrição do G8. O objetivo era que fosse um passo em frente no combate a algumas das queixas. Mas a iniciativa continha leis e regulamentos que ainda aumentaram o tom das críticas, recorda a ABM, e foi etiquetada como sendo uma forma de neocolonialismo.
 
De acordo com Johannes, as parcerias com negócios estrangeiros são «cruciais» para «entusiasmar» as comunidades, mas o dinamarquês reconhece que esses investimentos têm de beneficiar os locais. «A comunidade precisa de saber se quem chega vai melhorar as vidas dos habitantes», explica. «Primeiro que tudo, querem saber se quem vem é um bom vizinho. E se vai construir um furo e depois proibir os vizinhos de tirarem água de lá.» Fonte: Aqui