sexta-feira, 25 de maio de 2018

ÁFRICA E OS EFEITOS DA CONFERÊNCIA DE BERLIM

Conferência de Berlim, Alemanha, 1884- 1885 (Arquivo)
Luanda - Por mérito próprio, a África venceu a barreira do colonialismo e assegurou a sua independência territorial. Há vários séculos, os povos africanos lutam para se afirmar no contexto das grandes nações. Todavia, o desenvolvimento tecnológico e a independência económica são, ainda hoje, um sonho a materializar. 

O destino dos africanos começou a ser traçado há 133 anos e três meses, quando, a 26 de Fevereiro de 1885, 14 antigas potências europeias se reuniram em Berlim (Alemanha), para resolver os conflitos territoriais engendrados pelas suas actividades na bacia do Congo, motivadas pela desenfreada concorrência.

Tudo começou quando Portugal, que temia perder os territórios que ocupava em África, em benefício de outras potências, propôs uma conferência que visava resolver pacificamente os diferendos que as opunham, mas que não vingou.

A ideia foi aproveitada pelo antigo chanceler alemão, Otton Von Bismark, que a retomou e consultou as outras potências que o encorajaram a convocar a conferência.

O encontro decorreu de 15 de Novembro de 1884 a 26 de Fevereiro de 1885, e participaram 15 países, nomeadamente, Alemanha, Império Austro-Húngaro, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos da América, França, Itália, Países Baixos, Portugal, Inglaterra, Rússia, Suécia e Noruega.


Bismarck, cujo país tinha atraso no processo de exploração no Continente Africano, esperava impor as suas regras, tais como o livre acesso comercial às grandes bacias fluviais africanas, mormente, a liberdade de comércio na “bacia convencional do Congo”, dos rios Níger e Benoué, bem como os seus afluentes.

Segundo o livro História Geral de África - África sob a dominação colonial -1885-1935 (volume II), escrito por historiadores africanos, coordenado pelo nigeriano Adu Boahen, “a partilha de África não constava da agenda da conferência”.

Todavia, a obra reconhece que “os dispositivos da Acta de Berlim foram as linhas mestras que orientaram a futura partilha do continente e a criação dos Estados africanos no seu actual formato.

Os Estados Unidos da América não conseguiram vincar o princípio da “neutralidade” da Bacia do Congo, por causa da oposição do Rei Leopold II, da Bélgica, da França e de Portugal, detentores de grandes territórios, mas, inteligentemente, reconheceram o “Estado Independente do Congo”, suposta propriedade privada do soberano belga, como forma de se aproximar dos europeus.

Ainda de acordo com o livro, a Acta da Conferência de Berlim, no seu artigo 34, exigia a qualquer Estado europeu que possuísse territórios nas costas africanas ou assumisse um “protectorado” a informar aos membros signatários do documento, para que a sua pretensão fosse ratificada. É o que a Alemanha e o Reino Unido chamaram de “doutrina de zonas de influência”.

O artigo 35 estipulava que “o Estado europeu ocupante de um território costeiro devia ser capaz de provar que exercia uma autoridade suficiente, para fazer respeitar os direitos adquiridos, a liberdade de comércio e de trânsito nas condições em que seriam estipulados”.

A exigência consagrou a dita teoria de “ocupação efectiva”, um acto que ditou a submissão e a colonização dos africanos.

Historiadores ingleses relatam que, em apenas 15 anos, isto é, de Fevereiro de 1885 até 1898, data em que os ingleses e os franceses, por causa das suas rivalidades, se confrontaram na chamada “Batalha de Fachoda”, os europeus formalizaram as fronteiras da maioria dos actuais países africanos.

A Batalha de Fachoda ocorreu no actual Sudão do Sul, entre 1898 e 1899, quando a França e o Reino Unido se decidiram a construir um caminho-de-ferro para ligar os países africanos.

Outros historiadores contam que o incidente de Fachoda e o aumento da influência da Alemanha, na região, foram os precursores do acordo denominado “Entente Cordiale”, de 1904, no qual a França reconhecia o domínio britânico no Egipto e, em troca, recebia o domínio sobre Marrocos e sobre um condomínio anglo-egípcio, no Sudão.

A rápida ocupação e a dominação do continente, de 28 milhões de quilómetros quadrados, foram facilitadas, entre outras razões, pela pregação do evangelho que propalava a vida maravilhosa no paraíso em detrimento do inferno, pela exploração antecipada do interior do continente, por geógrafos e outros aventureiros europeus, como Livingston, Stanley, de Brazza, e, particularmente, pela introdução e utilização do quinino para combater a malária.

A assinatura da Acta de Berlim culminou, essencialmente, com a divisão oficial da “bacia convencional” e com o reconhecimento da Associação Internacional Africana do “futuro Congo Belga”, em benefício de Leopold II.

É por isso que a Conferência de Berlim de 1884 a 1885 marca a história e encarna o acto de baptismo do direito colonial que se seguiu no século XX.

Foi na sequência da mesma conferência que, em Novembro de 1899, Portugal decretou o estatuto do indigenato para os cidadãos dos países africanos “lusófonos”, nomeadamente, Angola, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tome, legitimando, e, com isso, o trabalho forçado indígena.

Consequentemente, foram criadas diversas formas de recrutamento da mão-de-obra indígena e do trabalho forçado, como obrigação moral e legal, sujeitando a penalidades aquelas pessoas que não observassem as regras estabelecidas na lei regulamentadora. Uma escravidão suave!

Dependência económica

A maior parte das independências dos países africanos, concedidas nas décadas de 50, 60 e 70, foi um simulacro de soberania que consistiu na indicação “eleição” de um presidente, atribuição de uma bandeira e de um hino nacional, mas as economias continuaram sob controlo das antigas potências coloniais.

Isso ainda persiste, com os recursos agrícolas e florestais, minerais e petrolíferos africanos a serem explorados de forma sistemática e exportados brutalmente para os estados desenvolvidos, tendo por consequência o aumento das desigualdades entre o Norte (industrializado) e o Sul (periferia).

A dependência cultural

Quando se fala da dependência de África, em relação à Europa, geralmente se pensa nos domínios político (satelização e colocação sob tutela dos Estados pelas antigas potências coloniais); diplomático (alinhamento sobre a Europa nos vários domínios); económico (imposição da Europa nos planos de ajustamento estrutural); financeiro (peso da dívida e da ajuda ao subdesenvolvimento); tecnológico (África como um reservatório de matérias-primas), comercial (trocas desiguais e não adequadas), entre outros.

Todos estes séculos de esclavagismo e de colonização, orquestrados pelos árabes, primeiro, e, depois, pelos ocidentais, deixaram graves sequelas, sendo uma delas “a alienação cultural”.

A consequência directa da alienação cultural é a perda da identidade das populações africanas, obrigadas a assimilar a cultura colonial.

O cientista brasileiro Marcel Gonçalves chama “etnocídio” à destruição da identidade cultural de um grupo.

Para ilustrar o que disse, escreveu: “Quando uma cultura digere outra, não se tratará apenas da destruição dos elementos culturais ou mesmo de um sistema cultural, mas mata-se também a alma de um povo, pratica-se uma certa forma de etnocídio”.

Na sua análise sobre cultura, intitulada “A África face à Europa: As dependências culturais”, publicada a 2 de Janeiro, o Professor Doutor Musanji Ngalasso-Mwatha, da RDC, sustenta que “a pior das dependências africanas perante a Europa é de ordem cultural”.

Para aquele intelectual africano, a dependência cultural abrange “os domínios vitais da escola, das línguas, da produção do livro, das artes, das religiões, dos media (escrita e audiovisual) e da investigação científica.

Musanji entende ser impensável “uma verdadeira independência de África e a possibilidade do seu real desenvolvimento em todos os domínios, sem a emancipação cultural dos povos”.

O especialista em Cultura recorda que a Acta de Berlim de 1885 foi também uma imposição cultural, porque, tanto durante a colonização como depois das independências, os africanos foram obrigados a exprimir-se oficialmente em línguas europeias e comportar-se como europeu.

Cita Ngugi wa Thiong’o, um dos maiores escritores africanos da actualidade, em inglês e em kikuyu, sua língua materna, lamenta que, para falar de literatura africana, os escritores que devem mostrar o caminho a seguir, apenas aceitem expressar-se, exclusivamente, em línguas coloniais.

Por João Gomes Gonçaves/Angop

http://www.angop.ao