segunda-feira, 21 de maio de 2018

Moto-Táxi: UMA SOLUÇÃO ‘OBRIGATÓRIA’ PARA POPULARES DE BIGENE

[REPORTAGEM] As péssimas condições de estrada que liga a seção de Ingoré à sede setorial em Bigene fez com que as motorizadas ou ‘moto-táxis’ aparecessem como ‘solução obrigatória’ para os populares do setor, onde as pessoas são obrigadas a pagar entre 5 (cinco) e 6.000 (seis mil) francos CFA, para se deslocarem entre as duas localidades.
Bigene situa-se a 105 quilómetros da capital Bissau. É uma localidade histórica, sobretudo pelo importante papel que teve no comércio no período colonial. Prova disso são os números de casas comerciais ali construídas, cujos vestígios ainda são visíveis.
A seção de Ingoré fica a 33 quilómetros do setor de Bigene, mas as condições da estrada que liga as duas localidades criaram uma escassez de viaturas nessa via, no norte da Guiné-Bissau. Também os poucos carros que transportam os passageiros entre Ingoré e Bigene não dispõem de condições.

O preço praticado no transporte misto de Ingoré para Bigene é de 1000 francos CFA (1,5 euros), mas a demora na saída dos carros impulsionou bastante a atividade dos moto-taxistas que operam na zona. O preço base para transporte por passageiro é de três mil francos CFA (4,5 euros), mas este valor é praticado quando viajam dois passageiros mais o condutor, totalizando 3 pessoas numa motorizada.
Contudo, existe a possibilidade de se pagar menos de 3 mil francos CFA. Quando o táxi-motorista é de uma das localidades, normalmente no fim do serviço e quando não tem mais passageiros, cobra-se até dois mil francos CFA por passageiro, em caso de serem dois.
A maioria dos moto-taxistas é jovem, uns empregados outros empreendedores. O serviço é diário entre Ingoré e Bigene, mas também pode incluir outras localidades no mesmo percurso.  O objetivo é ganhar algum dinheiro e permitir maior mobilidade aos cidadãos que frequentam aquela zona fronteiriça do país.
Os moto-táxis têm acesso fácil as localidades onde as viaturas não conseguem entrar, dada às condições das vias que dão acesso a maioria das aldeias da Guiné-Bissau.
A estrada que liga Ingoré ao setor de Bigene estreita-se cada vez mais. Em alguns troços torna-se intransitável, obrigando os utentes a desviarem-se do troço regular. Ao longo da estrada, para quem viaja para Bigene constata-se que a berma da estrada está ocupada na sua maioria por pomares de cajueiros.
As pequenas pontes construídas para facilitar a drenagem das águas das chuvas encontram-se em avançado estado de degradação e precisam de intervenções urgentes.
O Democrata soube, no entanto, que a administração local já está a trabalhar na reparação de algumas pontes do setor, tanto as da via em causa bem como a estrada que liga a pequena cidade de Bigene ao setor de Farim, numa distância de 40 quilómetros em terra batida.
POPULARES DE BIGENE CRITICAM OS PREÇOS PRATICADOS PELOS MOTO-TÁXIS
Os populares de Bigene reconhecem o importante papel dos moto-táxis, mas não deixam também de criticar os preços elevados praticados para estas ligações.
Para alguns citadinos de Bigene, a crítica não se resume apenas aos preços que consideram ‘altíssimos’ para uma população quase isolada do país. Criticam igualmente as condições de transporte e de segurança. Três pessoas na mesma motorizada e sem capacetes.
Para se inteirar melhor da forma como funciona, o repórter fez uma viagem de Ingoré para Bigene num moto-táxi. Pagou 2.000 (dois mil) francos CFA pelo percurso. O motorista era de Bigene e queria regressar a casa, por isso baixou o preço, mas também tinha um segundo passageiro que ficou numa aldeia chamada Sidif. Este pagou mil francos CFA. Em termos de segurança, o repórter recebeu um capacete do táxi-motorista, mas o segundo passageiro não. O motorista também não usou, porque tinha apenas um capacete.
Já depois dos dias de reportagem e de regresso para Ingoré, o repórter foi obrigado a fazer a viagem de motorizada por 4.000 (quatro mil) francos CFA, porque era único passageiro, mas desta vez sem capacete.
Para evitar problemas com as autoridades, a viagem terminou antes do terminal de passageiros de Ingoré. Em condições normais a viagem deveria terminar na chamada “paragem”. Isso porque o motorista teve medo de ser multado ou ver a motorizada apreendida pelos agentes dos serviços de Viação e transportes terrestres que se encontravam no local, segundo informações que recebeu dos colegas que transportavam passageiros no sentido contrário, de Ingoré para Bigene. Descemos logo a entrada da pequena cidade de Ingoré e o resto da viagem foi feita “a sapato”.
Por seu lado, os moto-taxistas apontam as cobranças dos serviços de Viação como motivo do elevado preço que praticam. A título de exemplo, quem pretende viajar de Bigene-Ingoré/Ingoré-Bigene deve prever um orçamento num valor de 10.000 (dez mil) francos CFA (ida e volta) no mínimo, porém pode ter que pagar até 12 mil francos.
TÁXI-MOTORISTAS DENUNCIAM COBRANÇAS ILÍCITAS POR AGENTES DE VIAÇÃO
Os táxi-motoristas queixam-se de cobranças ilícitas por parte de agentes de Viação colocados naquela zona, sobretudo a estrutura da seção de Ingoré que opera no setor de Bigene. Além de cobranças, os táxis-motoristas acham elevado o valor de 10 mil francos CFA que cada proprietário de motorizada é obrigado a pagar mensalmente.
Queixam-se também das péssimas condições da estrada onde trabalham diariamente em busca de pão de cada dia. Alguns táxi-motoristas afirmaram aos microfones do jornal O Democrata de que correm naquela via sob elevado risco, dada a situação da via.
Com objetivo de defender seus direitos, os motoristas do setor de Bigene criaram um Sindicato de Motoristas de Bigene (JACARTA), uma organização que já reúne 64 associados.
Em declarações ao jornal O Democrata, o Secretário do sindicato JACARTA de Bigene, Samiro Baldé, diz que a sua organização está aberta para receber mais associados, com vista a torná-la mais forte.
“Há muita gente que possui motorizadas e fazem transporte, mas que não se inscreveram ainda no nosso sindicato. A nossa ficha de inscrições está disponível para quem quiser inscrever-se. Só juntos seremos mais fortes para defendermo-nos neste trabalho que escolhemos para o nosso sustento e o das nossas famílias”, informa.
Baldé explica que o sindicato JACARTA foi criado com o propósito de defender os seus associados, sobretudo no concernente às cobranças ilícitas da parte das autoridades setoriais, assim como prestar-lhes assistências em caso de acidente. Acrescentou ainda que os associados pagam 350 Francos CFA cada vez que saem da paragem transportando passageiros. O fundo é utilizado na assistência aos motoristas afetos ao sindicato em caso de acidente e até se reestabelecerem para retomar o trabalho.
Solicitado a pronunciar-se sobre a situação dos proprietários de motorizadas que circulam ilegalmente no setor de Bigene, Samiro Baldé respondeu que o sindicato JACARTA aconselha logo no momento de inscrição aos associados no sentido de legalizarem as suas motorizadas, a fim de facilitar o trabalho do sindicato em defesa da classe.
No que tange aos documentos que permitam circulação e transporte de passageiros, Baldé afirmou que o seu sindicato exige de cada associado a aquisição dos documentos junto das autoridades competentes na matéria, sobretudo com a Viação.
“Aconselhamos as pessoas a comprarem as motorizadas com despacho alfandegário, assim como com o Livrete e documentos necessários. Nos últimos tempos, a maioria está a seguir o caminho que sugerimos, evitando assim as consequências futuras, fato que facilita ainda mais a nossa atuação como sindicato que defende os interesses dos motoristas”, explica.
SINDICATO DE MOTO-TAXISTAS DUVIDA DOS DOCUMENTOS DE VIAÇÃO TERRESTRE
Os moto-taxistas de Bigene duvidam dos documentos que recebem dos agentes de Viação, alegando que muitas vezes recebem apenas cópias. Neste particular, o sindicato exige a intervenção de quem de direito para pôr cobro à situação de cobranças que consideram de ilícitas e dos alegados documentos falsos.
Samiro Baldé lembrou que em 2017 denunciaram as atitudes que acharam ser ilegais por parte de agentes de Viação Terrestre ao então Ministro do Interior, Botche Candé. Entregaram os documentos duvidosos que recebem da Viação ao titular do ministério do interior, mas ainda não receberam uma resposta sobre as diligências já feitas. Considera ainda que os agentes de Viação abusam dos moto-taxista na estrada que liga Bigene-Ingoré, acrescentando que Botche Candé tinha prometido levar as suas preocupações ao Conselho dos Ministros.
O sindicalista garante que a sua organização vai continuar a exigir os seus direitos, assinalando que são guineenses e têm que trabalhar aqui na Guiné-Bissau.
“Se não trabalhamos na nossa terra, onde é que vamos trabalhar? Se não temos sossego na nossa própria terra, onde é que vamos ter tranquilidade? É aqui que temos que trabalhar para exigir os nossos diretos. A motorizada é o nosso escritório, mas não podemos respirar diante dos agentes de Viação e da Guarda Nacional. Pagamos os documentos em fotocópias por 10 mil francos CFA, mensalmente, e impedem que os moto-táxis transportem duas pessoas. Aqui o transporte das pessoas é a motorizada”, conta.
O sindicato pretende preparar um manifesto para comunicar à administração local a intenção de obter uma autorização para que os moto-taxistas passem a transportar duas pessoas ao mesmo tempo, assim como levar a preocupação dos associados relativamente às cobranças e os documentos.
Samiro Baldé visivelmente revoltado no final da entrevista, questionou o direito que os populares do setor de Bigene têm perante o Estado da Guiné-Bissau. O jovem sindicalista disse que estão a envelhecer a cada dia, mas até então desconhecem dos seus direitos diante das autoridades, apontando as péssimas condições de estrada.
“Além dos agentes de saúde de Bigene, não conhecemos outras entidades do Estado que se interessem por nós. A população de Bigene está abandonada. Apenas os profissionais de saúde aqui colocados é que lutam diariamente para nos ajudar em termos sanitários”, conclui Samiro Baldé.
MOTO-TÁXI SUBSTITUI AMBULÂNCIA NA EVACUAÇÃO DE DOENTES
A falta de ambulância no Centro de Saúde do setor de Bigene [do tipo C], ou seja, da terceira categoria, faz com que as motorizadas assumam o papel de transportar doentes e grávidas de Bigene para o hospital de Ingoré, assim como das tabancas para Bigene.
A expressão mais ouvida pelo nosso repórter ao longo da reportagem no setor de Bigene foi a seguinte: “o Estado da Guiné-Bissau abandonou-nos”. Neste caso, quando lamentam a falta de meios de transporte, principalmente, de uma ambulância no Centro de Saúde local para evacuação de doentes para Ingoré ou transportá-los das aldeias arredores para Bigene, numa via rodoviária em péssimas condições.
Os relatos indicam que muitos doentes não resistiram aos abanos que se fazem sentir na estrada e acabaram por falecer antes de chegar ao centro sanitário de Ingoré, assim como muitos pacientes não suportaram o transporte das suas aldeias para Bigene em motorizadas. Mas os populares aceitaram este meio, tendo em conta que é o único de que dispõem para evacuar doentes.
No meio de tantas dificuldades, os populares não deixaram de lamentar ainda mais os obstáculos causados pelos agentes de Viação Terrestre, acusando-os de apreenderem as motorizadas mesmo estando a transportar doentes.
Algumas grávidas já perderam seus bebés no processo de evacuação e alguns doentes morreram no caminho antes de chegarem ao hospital de Ingoré, por isso, os populares de Bigene exigem uma ponderação em termos de cobrança aos agentes da Viação Terrestre.
TÁXI-MOTORISTAS PEDEM A REDUÇÃO DE TAXAS COBRADAS PELOS SERVIÇOS DE VIAÇÃO
Moto-taxista, Mamadi Mané (Bá Queba) lamenta as cobranças, acrescentando que as dificuldades são enormes e pediu à Viação que baixe o preço de dez mil francos CFA mensais. “Aqui trabalhamos sob enormes riscos, não temos boa estrada e somos obrigados a pagar 10 mil por mês. Às vezes trabalhos um dia inteiro sem atingir uma receita de dois mil francos. Imagine quanto podemos faturar diariamente, para que o dono da motorizada ganhe alguma coisa e nós também a nossa parte! Pelo menos 5 mil francos CFA mensais seria ótimo para nós táxi-motoristas”.
Mamadi Mané diz desconhecer se o dinheiro das cobranças entra nos cofres do Estado, mas a certeza é que eles pagam dez mil por mês e todos os dias são obrigados a pagar outras somas pelos mesmos agentes de Viação Terrestre em Ingoré.
Os táxi-motoristas revelam que a Guarda Nacional também cobra dez mil francos CFA por mês a cada motorizada. E justificam os preços de 5 mil por cada passageiro, tendo em conta o custo do combustível e as cobranças feitas pelos agentes de Viação ao longo da estrada. Mas se forem duas pessoas, pode-se reduzir até dois mil francos CFA cada. Porém, sendo apenas um passageiro, pede-se 5 mil até 4.000 a 3.500 francos CFA.
“Por causa da situação difícil que o país enfrenta em termos económicos, transportamos duas pessoas como forma de minimizar as carências que a população desta zona enfrenta”, justifica Mamadi Mané. Assinalou ainda que quem é apanhado com dois passageiros é multado onze mil francos CFA.
Mané admite que alguns moto-taxistas possuem motorizadas que estão em situação ilegal, apelando-os para se esforçarem no sentido de regularizarem a situação das suas motorizadas, garantindo assim a sua segurança em caso de perda ou roubo.
DIRETOR-GERAL DA VIAÇÃO DESCONHECE AS COBRANÇAS NA ESTRADA DE BIGENE
O Diretor-Geral da Viação e Transportes Terrestes, Bamba Banjai, afirmou ao jornal O Democrata que nunca assinou um documento que define a cobrança em dez mil francos CFA. Banjai garante que a licença das motorizadas custa 17.000 (dezassete mil) francos CFA com uma duração de seis meses.
Banjai diz desconhecer essas cobranças ilícitas, prometendo denunciar o caso no Ministério Público a fim de apurar a real situação das cobranças na estrada que liga Ingoré a sede setorial em Bigene.
O responsável de viação e transportes terrestres promete contatar seus delegados na zona norte para se informar melhor sobre a situação, que na sua visão necessita de muita ponderação tendo em conta que são muitas entidades que trabalham nas estradas, desde Polícias de Transito, Guarda Nacional e Viação e transportes Terrestres, acrescentando que a viação faz fiscalização duas vezes por semana.
“Se isso for provado, tomaremos uma decisão e vamos demitir todas as pessoas envolvidas nesta situação”, garante Bamba Banjai. Reiterando que isso pode ser o despacho das pessoas que praticam este ato, mas não da direção-geral da viação, sublinhando que desconhecia da tal atitude.
O Chefe da tabanca de Bigene, Queba Camará apela aos proprietários de motorizadas que ainda não dispõem de documentação legal no sentido se esforçarem para regularizar a situação das suas motas, permitindo assim uma circulação sem grandes obstáculos.
Queba Camará já foi vítima de apreensão ilegal dos agentes de Viação, quando pediu emprestada uma motorizada para deslocar-se a Ingoré para renovar seu bilhete de identidade. Diz que foi abordado por um agente que decidiu reter a motorizada contra uma multa de 25 mil francos CFA, mas depois da intervenção da entidade estatal em Ingoré a mota foi solta.
Isso demonstra que os agentes apreendem motorizadas que estão legais, assim como os que estão ilegais, nota o chefe tradicional de Bigene.

Por: Sene Camará/ Epifânia Mendonça
Foto: SC