quarta-feira, 9 de maio de 2018

Editorial: POLÍTICA E VULNERABILIDADE MORAL NO CASO ‘CARROS AOS DEPUTADOS’

O caso de viaturas doadas pelo soberano marroquino aos deputados da Guiné-Bissau da nona legislatura deixou a nu a vulnerabilidade moral dos ditos políticos do país. A publicidade que norteou essa tamanha operação de charme, é simplesmente vergonhosa e vem confirmar um dos slogans exibidos por um grupo de manifestantes em Bissau: “Luxo no lixo“. A tentativa de justificar a pertinência do “donativo” cai no vazio. A reação social hostil à oferta de viaturas tem a ver essencialmente com o miserável contexto social, económico e político do país.

Entregar a cada deputado um custoso Toyota Prado de quase 50 milhões de francos CFA no meio de uma explosiva situação de miséria social, tem só um nome: imoralidade política. Enquanto representante de um povo pobre, aliás, essencialmente empobrecido, o deputado guineense merecia ter uma viatura mas que não seja um Prado! Um país como a Guiné-Bissau com graves carências em todos os setores, que recorre aos impostos de outros povos para fazer face às dificuldades correntes, não se deve pedir/aceitar, sobretudo no presente contexto, carros deste calibre para circular/ostentar nas ruas de Ze-povinho.
Ademais, está-se perante a falência de legitimidade parlamentar. A legislatura esgotou-se a 23 de Abril transato. Se a classe política guineense (a começar pelo Presidente da República, partidos políticos, parlamentares) tivesse a noção da atividade política, a noção de representatividade, teria dado um tratamento diferente ao “dossier de carros”. Teria escolhido o melhor momento e optado pelo adiamento da distribuição de viaturas para depois das eleições legislativas de Novembro próximo. Com legitimidade renovada, os deputados poderiam ter recebidos as viaturas mas a título de função. Depois do exercício da função permanece como património do Parlamento.

Infelizmente, o conceito dominante na pátria de Cabral é aquele do material. Perante as viaturas, a coerência foi descartada e ninguém teve coragem de denunciar publicamente o ato.

As viaturas foram entregues a título pessoal e tudo indica que as viaturas serão utilizadas a título privado. Neste particular, há possibilidades de um deputado, se achar conveniente, vender de forma legal a viatura Prado! As dívidas serão pagas, seguramente, pelo Povo guineense! Na cooperação entre os Estados modernos, não há lugar para donativos, quiça, “não existe almoço grátis”. Tudo o que se dá, há sempre contrapartida. Marrocos, como Estado estruturado e um dos gigantes do Magrebe, tem os seus legítimos interesses em África, em particular na Guiné-Bissau. É ilusório acreditar em mãos de caridade que estejam sempre prontas a doar.

Em nome de cumplicidade, conivência (kumé limpa boka), a classe política nacional é capaz de tudo. Depois de terem mergulhado todo o país numa injustificada guerra de controlo de poder e egos, os políticos foram capazes de votar vergonhosamente a extensão do período da legislatura, em flagrante violação da lei magna. Como se isso não bastasse, numa postura de fuga em frente, numa clara desconsideração para com o povo eleitor, os políticos voltaram a promover banquete, desta vez no palácio da República. Uma autêntica transbordada falta de ética e moral políticas.

Por: Redação
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